4. Tegan and Sara - Northshore

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Era Gina quem devia estar ansiosa e sem dormir a noite toda, às vésperas da sua festa de aniversário, entretanto eu quem estava. Tinha passado a madrugada de sexta tentando encontrar algo para vestir, mas absolutamente tudo que eu tinha era péssimo e eu odiava. Eu nunca tinha me sentido tão mal com a minha própria imagem quanto nas últimas horas, e nem mesmo tinha explicação para isso, o que me deixava ainda mais nervosa. Eu já tinha ido a festas de aniversário, obviamente; já tinha usado todas as roupas do meu armário, e elas ainda estavam ali porque eu gostava delas. Em determinado momento, já mental e fisicamente cansada, desisti de tudo e tentei descansar um pouco, cochilando algumas horas antes de ser acordada com batidas na porta.

– Amelia? – ouvi minha mãe chamar antes de abrir a porta, já que eu não respondera às batidas. – O que aconteceu aqui?

Olhei por cima do ombro para as roupas espalhadas no chão, voltando a encarar a parede com um misto de raiva por me sentir assim e vergonha por terem me descoberto. Eu devia ter me lembrado de trancar a porta, a fim de evitar esse momento constrangedor. Só queria ficar sozinha até esquecer aquilo, mas eu sabia que minha mãe não iria ignorar. Pelo contrário, ela ainda estava ali, vindo até mim.

– Amelia, por que suas roupas estão assim?

Eu não queria conversar, não queria pensar, porque sabia que aquilo ia me machucar. Aquela conversa era um grande lago congelado, e cada passo sobre ele era uma sonora rachadura que surgia sob meus pés.

– Eu não vou sair daqui enquanto você fingir que não tá me ouvindo – minha mãe insistiu, sentando-se na beirada da cama. Inspirei fundo lentamente, soltando o ar todo de uma vez.

– Eu não vou sair de casa, hoje – falei com firmeza, sem deixar nada passar pela minha cabeça.

– O quê? Por quê? – minha mãe pareceu surpresa, eu ainda não a olhava. – Você e a Gina brigaram? – neguei com a cabeça. Houve silêncio por alguns segundos. – Você tá bem?

E eu afundei. Imediatamente senti meus olhos cheios d'água, e pela posição que eu estava na cama, as lágrimas começaram a escapar. Como eu diria pra minha mãe que me olhava no espelho e me sentia a garota mais feia do mundo? Que nenhuma roupa me servia porque eu me sentia horrível? Que eu nem sabia por que motivo me sentia completamente inadequada? Que de uma hora pra outra eu simplesmente desabei? A sensação realmente era a de me afogar em águas geladas. Sem que eu percebesse, vieram os soluços.

– Ei – eu ouvia a voz da minha mãe abafada, distante. – Não fica assim, meu amor. Você não precisa ir se não quiser, mas não fica triste.

– Fico, sim, porque eu me sinto horrível – minha voz saiu como um miado, de tão fraca. – Todo mundo vai estar lá super arrumado e eu vou ser a jeca que não sabe se vestir.

– Você não tem que impressionar ninguém – ela rebateu, e eu finalmente tive forças para me virar. – Você nunca ligou pra essas coisas, Amelia, sempre foi você mesma.

– Mas e se ser eu mesma não for suficiente?

– Suficiente pra quê? – apesar de preocupada, minha mãe tentava falar com muito carinho. Seu tom de voz carregava algum conforto. – É só o aniversário da Gina. Vocês são amigas há tanto tempo, ela já te conhece de todo jeito, até descabelada e de pijama velho quando ela vem dormir aqui.

Eu ri a contragosto. Vendo que finalmente ela havia quebrado o gelo, mamãe abriu os braços para mim, e eu me aninhei em seu colo como um cãozinho abandonado.

– Você não tem que se comparar com os outros pra se sentir melhor ou pior que eles, minha filha – ela disse, acariciando meu braço encolhido sobre o peito. – Eu não sei o que tá passando pela sua cabecinha e não precisa me contar agora, respeito o seu espaço. Mas você tem que entender que você não é horrível. Você é uma menina linda, inteligente, carinhosa, e não é a forma que você se veste que vai dizer quem você é.

– Mas a Gina vai usar um vestido lindo e caro – funguei alto, secando as bochechas. – Ela queria que eu usasse um vestido que vimos outro dia no shopping, mas era muito caro e eu não ia conseguir pagar com a minha mesada. A tia Martha até ofereceu pra passar no cartão dela, e aí eu ia pagando aos poucos, mas eu não quis.

– A gente pode ir à loja, se você quiser...

– Não precisa – interrompi, olhando de novo para a pilha de roupas jogadas. – Eu vou olhar de novo o que eu tenho, alguma coisa tem que servir.

A questão não era ter dinheiro ou não, comprar o vestido ou não, e sim que eu estava nervosa por ir a um evento com várias pessoas desconhecidas e não queria chamar a atenção. Eu era amiga de Gina, e só. Eu sabia bem como aniversariantes ficam ocupados, sem poder dar atenção para apenas uma pessoa. Conhecia brevemente a família dela e uma amiga ou outra que eventualmente estava na casa dela, mas não me parecia confortável passar a noite toda alugando alguém. Muito provavelmente eu ficaria deslocada, e estar mal vestida para a ocasião só reforçaria tudo isso. Seria fácil para qualquer um notar a garota desleixada e isolada. Antes mesmo disso acontecer, eu já estava apavorada e nem mesmo conseguia me expressar direito. Odiava ser o centro das atenções, principalmente de forma negativa. Eu só queria ser invisível.

– Não quer dar uma olhada no meu armário, então? – sugeriu minha mãe, e por um momento meu fluxo acelerado de pensamentos cessou. – Eu não sou nenhuma blogueira de moda, mas sei me vestir legalzinho.

Ri da forma que ela falou, tentando avaliar se seria uma boa opção.

– Pode ser – respondi, sem conseguir pensar em algo que pudesse sair errado daquilo. – Eu só preciso descansar um pouco, não consegui dormir essa noite.

– Tudo bem – mamãe me deu um beijo estalado na testa, e eu saí de seu colo. – Mas quando você acordar, vai guardar essa bagunça toda.

– Táaa booom – respondi, entediada de antemão, vendo-a se encaminhar para fora do cômodo. – Brigada, mãe.

– Boa noite, Amelia – ela sorriu, fechando a porta novamente.

Eu ainda não tinha certeza sobre como me sentiria mais tarde, como as coisas se desenrolariam. Talvez todo o meu medo se mostrasse irracional; talvez ele fosse mais real que eu imaginava. A única certeza que eu tinha era que eu precisava conversar com alguém, e por sorte minha mãe estava ali por mim. O pouco que tínhamos conversado já era o suficiente para que minha mente freasse e eu conseguisse respirar com mais calma, o que só acontecia quando eu passava horas ouvindo música e olhando para o teto. Eu poderia, então, dizer que gostava tanto da minha biblioteca do Spotify quanto gostava da minha própria mãe?

I L.G.B.T.?Onde histórias criam vida. Descubra agora