Eu poderia facilmente dizer que o show da Hayley Kiyoko tinha sido um marco na minha vida. Simbolicamente, eu tinha que passar por aquilo sozinha. Ok, Liam estava lá, mas se comparado a Gianina, sua presença tinha muito menos influência sobre mim. O essencial era: eu precisava viver aquele dia como uma descoberta pessoal, e não fiz nada diferente disso.
Tudo o que Hayley havia falado ecoava na minha cabeça como uma nova música favorita. A minha maior dificuldade não era entender minha orientação sexual, era tirar ela do meu subconsciente e adicionar à vida. Eu só me permitiria gostar de alguém como havia gostado de Erika quando parasse de reprimir o fato de que eu era como qualquer outra pessoa. Antes de Gina e meus pais suporem qualquer coisa, eu já me sentia atraída por garotas. Antes de eu tentar esconder que não era só dos meus ídolos que eu gostava, eu já possuía a capacidade de gostar de alguém, independente de quem fosse. Não era porque eu achava o Adam Driver bonito – não obstante a controvérsia – e lia fanfics sobre ele, me imaginando como sua namorada, que isso me impedia de achar uma garota comum bonita também.
Além disso, eu finalmente entendia que achava Gina atraente. No fundo, eu tinha consciência de que sua beleza mexia comigo um pouco mais que o normal, então tentava bloquear qualquer cenário em que eu pudesse parecer apaixonada por ela. Ela era atraente porque era muito bonita, e isso era da sua natureza. Mas mais que bonita, ela era a minha melhor amiga, e o que importava era como tínhamos construído a nossa relação. Me dar conta desse fato não estragaria nossa amizade, uma vez que tínhamos concordado que aquele beijo não significava nada. Quer dizer, significava que eu tinha beijado uma garota pela primeira vez, e pra minha sorte ela era linda e minha amiga. Se algum dia isso viesse a mudar, nós duas deveríamos resolver juntas.
Por fim, o fato de eu me sentir atraída por Liam não invalidava toda a minha jornada, visto que era só mais um evento dentro dela. Não existia uma fórmula secreta ou explicação exata sobre como e por que eu ficaria a fim de alguém, eu só saberia quando acontecesse. A menos que eu me permitisse deixar isso prosseguir, não haveria outro jeito de aprender a lidar com meus sentimentos. E por acaso, levando em conta a minha enorme lista de ídolos, eu parecia ser alguém com muitos sentimentos para oferecer. Principalmente depois de ouvir a Jesus Lésbica ao vivo.
Eu estava em êxtase.
– Ainda não acredito que a Gina perdeu o show – disse a Liam enquanto esperávamos a multidão dispersar na saída. Gianina tinha ficado sem bateria, então, depois de pegar meu celular e as chaves, teve que ir em casa carregar pelo menos o mínimo para pedir outro carro. O tempo, no entanto, não foi suficiente para que ela chegasse novamente onde estávamos. Apesar de chateada por pagar um ingresso à toa, ela se conformou que Liam iria em seu lugar. Sem muito o que fazer, também me restou aceitar e curtir o show o máximo que podia. Eu devia estar com uma aparência péssima depois de tantos gritos, suor e lágrimas, mas completamente satisfeita. Minha voz era apenas um grunhido, rouca.
– Pelo menos você curtiu pelas duas – Liam observou, divertido. Assenti com um sorriso satisfeito. – Depois eu te passo as fotos e vídeos.
– Brigada por tudo – mantive minhas expressões. Eu não conseguia parar de sorrir, estava literalmente borbulhando por dentro. Ele desviou o olhar do celular, onde chamava um carro para voltarmos para casa, encarando-me de um jeito que era familiar. Em vez de sentir vergonha, no entanto, eu fiquei satisfeita por notar.
– Não foi nada, Lia – ele coçou o nariz, e eu podia jurar que vi seu rosto enrubescer por trás da sua mão. Não era como se os papéis tivessem trocado repentinamente, eu só estava feliz e confortável demais com todo o acontecido a ponto de não me dar nenhuma trava. No dia seguinte, talvez, eu voltasse a me esquivar das pessoas, mas naquele momento eu me sentia plena e no lugar certo.
Lembrei-me da festa de Gina, da exata sensação que tive quando Liam estava mais ou menos à mesma distância, de braços abertos para mim. Alguns dias não eram suficientes para cessar a vontade que surgira de saber como era beijá-lo, eu percebi ali. Havia algo na companhia dele que me fazia querer mais. Se era seu jeito descontraído, o sorriso fácil ou conforto dos seus braços, eu não sabia, mas estava disposta a descobrir.
– Ei – chamei sua atenção, um passo mais perto dele. Ele notou que eu continuava me aproximando, então baixou a guarda, enfiando o celular no bolso. Por instinto, sua mão encaixou sob meu maxilar; pouco a pouco seu olhar deslizou pelo meu rosto, parando em meus lábios segundos antes de eu tocar os seus. Tinha urgência e tinha carinho em sua boca, resultando no alívio de nós dois. Tão rápido quanto o instante em que se iniciou, o beijo se encerrou.
– Ouviu? – Liam me olhava com expectativa, então notei que eu continuava no mesmo lugar.
Eu havia delirado?!
– Desculpa, o quê? – balancei a cabeça, jogando para longe o que quer que tenha acontecido dentro dela.
– Vamos pra saída, o motorista tá chegando – disse ele, provavelmente repetindo o que tinha dito. – Botei o endereço lá de casa como a primeira parada, pra você pegar suas coisas com a Gina.
– Ah, tudo bem – respondi sem dar muita atenção, ainda chocada com a peça que eu tinha pregado em mim mesma. Eu com certeza precisava dormir, o cansaço daquele dia agitado já começava a bagunçar algumas coisas.
Era difícil aceitar que eu estava vergonhosamente sonhando acordada com Liam, pois eu só fazia isso com os famosos da minha lista de paixões platônicas. A Amelia fanfiqueira e a Amelia da vida real podiam até habitar a mesma mente, mas – por Deus – limites! Ou será que era assim com todo mundo, quando estavam a fim de alguém? Eu me sentiria assim sempre? E em dobro? Eu achava que admitir para mim mesma que gostava de garotas e garotos também resolveria as questões que há tanto tempo me rondavam... Ledo engano.
Aparentemente, as questões de verdade começariam agora.
FIM
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I L.G.B.T.?
Teen Fiction17 anos, uma lista de paixões platônicas e o sonho de conhecer a ídola da música. Tudo absolutamente normal para Amelia, exceto que ela não se sentia normal. Sob o estresse de esconder quem ela realmente é, como será a semana decisiva em sua vida?