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Acredito que basta muitas pequenas razões para grandes coisas importantes acontecerem nas nossas vidas. Cada ação nossa, terá um impacto considerável na nossa história, e muito possivelmente na história de outra pessoa. Às vezes me pego pensando no que seria diferente em minha vida se não escolhêssemos vir para essa cidade. Porém, é inevitável que esses pensamentos apareçam, e infelizmente não podemos medir nossos pequenos desastres.

Meu psicólogo diz que sentimentos são visitantes e devemos deixá-los entrar e sair, e eu costumo fazer isso quando acordo. Fico parada encarando o teto e respirando fundo e expirando todos meus sentimentos, e por fim engulo todos eles para que eu possa ter pelo menos um dia bom e estável.

Hoje começa a temporada de esportes na escola, então todos os atletas são obrigados a ficar trancafiado aqui dentro, treinando todos os dias após a aula, 6 vezes por semana. É incrível o estereótipo de atleta burro que os filmes americanos passam, sendo que a pior parte de praticar esportes na escola, é manter as boas notas pra poder continuar no time. É uma puta pressão psicológica. Eu amo correr, mas não queria alguém me enchendo o saco pra ser perfeita nisso.

Não que meus pais se importam. Pelo contrário, não dão a mínima. Minha mãe já foi embora faz tempo, e meu pai não teve nem tempo de sofrer ocupado com o trabalho. Essa é minha família, aquela que todos na cidade admiravam e achavam linda. De bônus tem meu irmão, que sumiu também e nunca se sabe qual boato sobre ele é verdade ou mentira. Acho que nós todos se tornamos problemáticos em busca de aceitação, amor, ou algo do tipo...

Eu parei de me importar com essas coisas, porque poucas coisas fazem sentido pra mim agora. Sinto que estou em um piloto automático e faço as coisas apenas por habito. Há muitas coisas que eu odeio e não muitas que eu gosto atualmente, e a única coisa que consegue me tirar o mínimo de sorriso são meus amigos. Tem o popular, a feminista, a metida, e até o aleijado. Havia mais um de nós, mas... hoje é só lembrança.

Todos nós somos atletas e ficamos juntos na escola durante a temporada. Alguns jogam futebol, alguns fazem natação, e eu corro. Acho que por correr tanto nas quadras, comecei a correr da vida real também. Mas a sensação é boa. Os cabelos voando e todo o meu corpo sentindo o vento gelado e a adrenalina. É como se nada pudesse me alcançar e isso me torna quase invencível. Eu já tentei todos os outros esportes, e só ter os pés no chão me fazem flutuar.

É por isso que vim para essa escola no topo dessa colina super bizarra nessa cidade incrivelmente chata. Stowe é um lugar extremamente europeu, montanhoso e de clima duvidoso que fica no mais interior possível da Austrália, um país que eu particularmente não gosto muito por ter animais estranhos e gigantes. Porém nossa família já tentou todos os lugares possíveis para morar, e há 13 anos viemos pra cá.
Foi de certa forma obrigatório, a mando do serviço do meu pai.

Ele trabalha na Interpol, e foi mandado pra Stowe pra fundar uma nova base. Essa base é basicamente o que move a cidade e muitos homens trabalham lá, mas em segredo. Meu pai se tornou o comandante dessa base, e consequentemente muito respeitado na cidade por todos. Ninguém pode falar sobre o trabalho dele, mas todos sabem que é algo importante e perigoso.

Seu cargo o tornou mais distante da família com o passar do tempo, e muitas vezes ele deixou de estar com nós pra viajar ou ficar até mais tarde trabalhando em algum caso. Isso fez com que minha mãe se desgastasse e acabasse indo embora, há mais ou menos dois anos. Demorou um tempo para eu e meu irmão a perdoarmos, mas eventualmente acabou acontecendo, e também as coisas aqui em casa se tornaram melhores e mais felizes.

Em Stowe existem apenas duas escolas, uma pública, que fica na região mais pobre e baixa da cidade, e uma particular, que fica em cima de uma grande montanha com estradas curvas, que é um saco de subir, e cercada por uma floresta assustadora. Bem parecido com Harry Potter, eu diria. Mas diferente do que todos de fora pensam, não há bullying ou gente babaca nos corredores, e em geral todos se tratam bem. Porque preferem falar pelas costas, é claro.

Acho que esse é o grande diferencial dessa escola. Quando estamos dentro dessas paredes, agimos como se nossa vida fosse boa, tudo fosse incrível, e só reina a paz e o amor no mundo. Nunca vi alguém ser empurrado num armário por um valentão ou jogado na lixeira por uma patricinha. Porém, quando se observa e escuta atentamente, consegue ver e ouvir os olhares atravessados e os cochichos má intencionados. É uma máscara que todos usam porque sabem que a coisa fica feia na direção.

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