Clouds

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Nossa mente é como um céu, vasto e azul. Normalmente coberto por nuvens expeças, nossos pensamentos. Podem ser brancas ou cinzentas, pequenas ou grandes, mas continuam sendo... apenas nuvens. E por serem nuvens constantes, estão lá há tanto tempo que quase nunca conseguimos ver o céu. Às vezes até mesmo esquecemos que ele existe. Nos fascinamos pelas nuvens, nos identificamos com elas. Quando deitamos no silêncio, e existimos no silêncio, aprendemos aos poucos como repousar no céu, e não nas nuvens. Podemos ter várias nuvens, uma linda, uma feliz, talvez uma outra não tão agradável, mas elas nunca modificam o espaço natural do céu, o espaço é sempre livre, puro e aberto as próprias nuvens.

-Pode ficar com ela? Vou buscar água. –Afirmou Dexter, saindo rapidamente e me deixando com Ellie, que se sentou ao meu lado. Fazia tempos que não ficávamos sozinhas assim.

-Desculpa por ele, você pode ir embora se quiser...

-N-não, Maeve. Não posso te deixar aqui assim. –Ela parecia muito desconfortável, e com os olhos cheio de lágrimas. Algo tinha acontecido, porém eu não sabia o que. Sua voz parecia mais falha que a minha.

-Você sempre cuidou de mim...-Ri, lembrando dos velhos tempos quando íamos em todas as festas juntas. –Me desculpa se eu não consegui cuidar de você também.

-Porque tá dizendo isso?

-Eu nunca tive a oportunidade, sabe. –A verdade, é que todos nós ignoramos Peter sendo um namorado abusivo para ela, e como seu brilho se perdeu ao lado dele. Naquele momento, vendo-a sozinha, percebendo tudo que lhe foi tirado... Eu finalmente me toquei. Nós respiramos fundos e pairou o silencio, até Dexter retornar com uma garrafa cheia d'água.

-Vocês viram o Peter por aí? O treinador tá procurando ele igual doido... –Rapidamente me levantei, sentei encostada na árvore. Como assim?!!! Me lembro dele em meu sonho! Está cada vez mais estranho... Ou pode ser só coincidência também.

-Eu preciso ir. –Ellie saiu quase que correndo, parecia querer se esconder dentro de suas próprias roupas. Se eu soubesse, teria dito algo mais gentil naquele dia...

-Caramba, parece que você viu um fantasma. –Brincou Dex, me alcançando a água. Tomei gulosa, respirando fundo pelo nariz para não parecer meio louca. –Porque você tá tão estranha hoje, ein?

-Porque você sempre tem que fazer tantas perguntas? –Perguntei, de forma rude. Foi quase automático me irritar com tantas questões na minha própria mente. Ficamos ambos em silêncio, até eu perceber que fui desnecessária. –Foi um dia estranho, ok? -Esse sonho estranho, essa sensação...

-É recém dez horas, não reclame tanto. –Ele se levantou e me estendeu a mão. –Vamos, quero te levar em um lugar, se já estiver se sentindo melhor, é claro. –Fiquei um pouco pensativa, entre ir ou não. Entretanto, é incrivelmente difícil dizer não para aqueles olhos.

-Tudo bem, só não reclama se tiver que segurar meus cabelos para eu vomitar. –Segurei sua mão que me levantou, e partimos andando.

-Com prazer. –Revelou, de forma formal, parecendo feliz. –Se importa se sairmos da escola?

-Com prazer. –Debochei. Algo nele me passava confiança e uma calma inexplicável. No fim, sempre foi ele quem acalmou meus piores demônios e me ajudou com todas as crises. –Desde que não me sequestre, né.

-Seus pais pagariam resgate? É uma ideia interessante.

-Minha mãe nem ficaria sabendo. –Descíamos a estrada que levava ao colégio, enquanto conversávamos e riamos juntos lado a lado. Minhas pernas já estavam mais firmes, e a vontade de vomitar havia passado. Ainda tinha pensamentos sobre os acontecimentos de mais cedo, só que com menos frequência.

-Vocês moram juntas?

-Não, ela foi embora já faz um tempo. Somos só meu pai, meu irmão e eu agora... E você? Quem iria te salvar?

-Minha mãe sentiria falta de alguém para lavar louça, então... –Zombou, olhando para o chão. A pista estava molhada da chuva que acabara de passar, e o céu estava nublado, ainda com jeito chuvoso. Chegamos no portão, que estava sem guarda, e a única saída seria escalar e pular para o outro lado. Eu, como boa experiente nisso, fui primeiro, e Dexter logo veio atrás, se mostrando bem experiente também. Acabamos nos molhando com a grade, sorte que eu estava de casaco e pude tirar.

-E seu pai? –Questionei, quando voltamos a andar juntos. Ele deu um sorriso singelo e meio triste, como se lembrasse de algo bom que foi perdido.

-Ele morreu... Por isso minha família e eu nos mudamos pra cá.

-Ah, eu sinto muito, eu não sabia, não quis ser indelicada e nem nada... –Comecei a me explicar sem parar, com receio que ele se sentisse magoado com minha pergunta. O mesmo andava com as mãos dentro do seu suéter amarelo listrado e largo, continuadamente olhando para cima, como se estivesse se perdendo no espaço-tempo. Nós tínhamos isso em comum, o jeito de andar e olhar.

-Sem problemas. Meu pai já estava doente há muito tempo, e sempre preparou a gente pra quando o dia chegasse.

-Vocês eram muito próximos?

-Sim. –Sorriu leve. –Ele amava jogar futebol, me treinou a vida inteira.

-Então, é por isso que você está no time.

Já faziam algumas semanas que Dexter chegara na cidade e viramos amigos, só que não havíamos parado para conversar tão seriamente. Observávamos um ao outro, as vezes nos corredores, jantar, treinos. Constantemente nos encontrávamos vagando por ai, sem rumo, e sem tempo para nos deixar descobrir nossos pontos mais fracos. Durante o nosso passeio, consegui visualizar um garoto diferente do que eu via, e eu mesma. Algo em mim mudava quando estávamos juntos, algo se acendia e me aquecia por dentro, e com o tempo eu fui percebendo como gostava de mim dessa forma.

EpifaniaOnde histórias criam vida. Descubra agora