Capítulo 6.

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O primeiro passo para achar um culpado, é voltando para o início. Procurando a raiz do problema, onde tudo começou, quem acendeu o pavio para toda a explosão ocorrer. Acontece que, embora eu tenha visitado todos os lugares da minha mente, me desdobrando em lamentações e culpando todos ao meu redor, jamais consegui enxergar o momento...O simples segundo, onde deixei de me tornar uma simples adolescente, ora feliz ora triste, para me tornar a pessoa que vejo no reflexo hoje. Me pergunto se foi quando pegamos aquele tabuleiro nas mãos. Em algum lugar ao longo do caminho, nós mudamos.

O último mês passou voando. Ambrose, Emma, Dash, Lexie e eu continuamos a jogar todos os dias após a meia noite, se desafiando cada vez mais. Fingíamos não saber sobre os itens desaparecidos e as coisas que apareciam danificadas pela manhã, e para não levantar suspeitas, sequer conversávamos durante o dia. Também treinávamos dia e noite com os jogos finais se aproximando, mas era quase impossível focar nos treinos. Só desejávamos ter a sensação de euforia e diversão novamente, juntos. Correndo pelos corredores, descobrindo versões de nós mesmos que nem sabíamos que existia. Além de tudo, conseguia sentir Ethan conosco.

A direção estava empenhada em descobrir quem estava aprontando tanto na escola. No começo acharam que faziam isso em grupo, porém começaram os boatos que era uma única pessoa querendo se vingar. As câmeras não conseguiam pegar direito nossos rostos por estarmos de fantasia, e isso nos ajudou absurdamente. Ninguém sabe da nossa "identidade" secreta, e estou começando a achar que essa foi a melhor coisa desse ano de merda.

Sempre há o fatídico dia em que todos nós percebemos que estamos sozinhos. Se você ainda não passou por isso, certamente irá passar, ou está mais sozinho do que imagina. Talvez por isso é tão importante cuidar da sua saúde mental. É dentro da sua cabeça que você vai viver, é a única voz que irá conversar contigo quando não houver ninguém.

Mas eu não sou a melhor pessoa para dizer isso. Por muito tempo, muito mais do que percebi, eu apenas me autosabotei e transformei minha mente em um lugar impossível de conviver. Desde criança fui problemática, e com o passar dos anos, e das perdas, apenas me tornei uma bomba ambulante. Caminhando para algum lugar, porém sem rumo, prestes a explodir. E eu explodi, muitas e muitas vezes. Claro, eu podia ter notado antes. Podia ter reservado cinco minutos para ficar dentro da minha mente, e então iria ver o quão agitada, bagunçada, turbulenta, ela realmente é. Invés disso, me conformei que nasci assim e morreria do mesmo jeito. Talvez louca, provavelmente. Mas não teria que lidar com os pensamentos de macaco, aqueles que pulam freneticamente de galho em galho, e fazem um barulho estrondoso.

Por instantes eu estive bem, tipo na maior parte da minha vida. Eu aprendi a lidar com muitas coisas e enterrar em mim, colocando um lindo sorriso no rosto e apenas... existindo. Quando essas coisas acabavam vindo à tona, por um motivo ou outro, eu simplesmente jogava todo mundo o mais longe possível. E assim perdi muitas pessoas no caminho.

Entretanto, eu não acordei um dia e percebi tudo isso acontecendo em mim. Uma série de eventos aconteceram, e me levaram para uma festa nas férias de verão, na casa de alguém que eu sequer lembro. Aliás, se me perguntar irá descobrir que não lembro de quase nada daquelas férias.

Eu me arrumei sozinha, desci as escadas e vi meu pai se lamentando em segredo. Eu pensei, que fraco. Eu o ignorei, nem pensei a respeito, e sai pela porta, com o sol quase indo embora e dando lugar as outras estrelas. Peguei minha bicicleta, a que meu pai comprou porque eu sempre voltava correndo cinco horas da manhã das festas quase sendo atropelada ou caindo na maioria das vezes, e pedalei muito. Eu lembro de ter olhado para os lados, e não ter visto ninguém. Logo eu, que sempre fui tão popular e rodeada de pessoas falando ''para sempre''. Eu sabia que essas palavras também acabavam, mas não sabia que era tão rápido.

Quando cheguei, tenho recordações de muitos me cumprimentando e sorrindo. Porém também lembrava da sensação de ser invisível e passar por todos como um fantasma. Eu não podia chamar ninguém lá de amigo, não havia ninguém que eu pudesse olhar nos olhos e conversar, o que eu estava fazendo lá?

Então lembrei. Um menino me entregou um saquinho com a cocaína mais vagabunda que tinha, e eu lhe dei todo o dinheiro que tinha. É, meu pai também havia me tirado todo o dinheiro. E eu subi rapidamente pro banheiro, bati a porta, joguei todo o pó ao lado da pia. Comecei a revirar todos os armários procurando por algo para alinhar a carreira, acabei achando uma lâmina, aquelas bem afiadas de gilete. Parecia bem simples o que eu podia fazer com aquilo. Mas era uma bobagem. Sempre preferi primeiro matar minha mente, e meu corpo lentamente ir acompanhando o processo, talvez fosse menos doloroso e eu não precisasse ver minha família chorando. A verdade é que eu sequer sei se eles iriam se importar. Enfim, só fiz a carreira e comecei a cheirar, sentindo aquilo corroer minhas narinas e entrar no meu sistema como veneno.

Alguém invadiu o banheiro, deixando a porta totalmente escancarada. Eu gritei para fechar a porta, com o nariz todo sujo. Era Ellie, gritando como louca, estourando meus pensamentos. Não use drogas se você já é fodido da cabeça, regra básica. Qualquer substância só vai aumentar isso umas trezentas vezes, e foi exatamente o que aconteceu comigo. Além dos pensamentos de mil macacos, minhas mãos começaram a tremer e minha visão ficou totalmente embaçada. Senti meu peito pulsar quase fora do tórax, algo estava errado, tudo ficou rapidamente mais pesado. A última coisa que lembro foi cair nos braços da Ellie, sentindo meu corpo pegando fogo e vendo coisas. Cinco segundos antes de perder a consciência já percebi o que estava acontecendo, e só consegui pensar burra burra burra burra.

Eu sabia que não iria durar muito tempo, nem pensava que estaria viva para curtir meu próximo ano, estava ciente desde o momento que experimentei a primeira droga. Mas morrer no chão de um banheiro na casa de alguém que eu nem conheço... Esse foi o auge. Felizmente, eu não morri naquele dia. Apenas acordei um tempo depois com a cabeça explodindo, embaixo de um chuveiro extremamente gelado e Ellie comigo, me segurando forte. Ela apenas soube me abraçar, chorar, falar graças a Deus, sei lá. Eu quis sair, e ela apenas me abraçou e disse que entraria no chuveiro comigo.

Aparentemente eu tive uma quase overdose, com direito a convulsão e tudo mais. Foi um susto imenso, e me dei conta como eu já estava ficando deplorável nessa situação. Por isso, parei de frequentar festas e usar drogas, e nunca nem contei isso para qualquer pessoa. Mas foi naquele momento, ao abrir meus olhos pra vida, que percebi tudo que havia de errado comigo.

Depois de continuar me fechando para o mundo até chegar no ponto em que não conseguia mais derrubar meus próprios muros, eu comecei a tentar. Eu tentei tanto naqueles últimos meses, com meus amigos, minha família. E era frustrante ver que alguns muros continuavam mais altos e fortes do que eu imaginava.

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