Capítulo 5.

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Nos reunimos na sala de teatro, no palco. O Ambrose foi o último a chegar, e com ele estava o jogo.

-Já sabe como isso funciona? -Perguntei, me sentando no chão junto com os outros.

-É um RPG, basicamente....

-Meu Deus... -Revirei meus olhos tão forte que poderiam ter ficado pra traz.

-Você nem sabe como funciona ainda, não seja tão chata. -Ordenou Lexie, abrindo o tabuleiro a nossa frente. -E as regras?

-Bom, irei explicar... Primeiro, há o mestre. É ele quem manda em todo o jogo, os cenários, os vilões, tudo será decidido por ele. Existem quatro espécies de personagens: arqueiro, paladino, druida e a ladina rainha. Eles sairão em missões, e o que determina se a missão é bem sucedida ou não, é o dado. Ele tem 20 lados, se o personagem tirar 20, ele passa sem complicações. Mas, se tirar 1, não completará a missão e será punido por algo decidido pelo mestre. -Explicou Ambrose, com muita excitação. -Entenderam?

-Uhum. -Todos responderam, ninguém parecia empolgado de verdade. Achei que seria algo mais aventureiro, com desafios de verdade.

-Então, só vamos jogar dado? -Contestou Emma. -Parece meio...

-Tédio total. -Murmurou Dash, o primeiro a querer participar anteriormente.

-E vocês querem o que?! Sair pela escola vestidos com essas roupas estúpidas de teatro brincando com espadas e coisas de criança? -Debochou Ambrose, rindo. O silencio predominou na sala e nossos brilhos nos olhos surgiram. Aparentemente todos acharam uma boa ideia, até mesmo eu. Sorrimos um para o outro, lembrando de quando fazíamos isso na infância. -Não me digam que estão considerando isso...

-Se vocês toparem, sabe... -Falei despretensiosamente, querendo que mais alguém falasse que sim.

-Os figurinos estão ali...Vamos nessa! -Explanou Emma, num tom um tanto quanto alto, se levantando ligeiramente.

-Xiiiiu! -Todos sinalizamos ao mesmo tempo.

-Tudo bem, eu serei a rainha! -Levantei e fui pegar a capa e a coroa, com as orelhas de elfa.

-Meu Deus eu sempre quis ser um elfo! -Expressou Lexie, pegando orelhas parecidas com a minha e roupas pequenas. Estava quase pulando de alegria, não esperava menos dela.

-O que um paladino faz? -Perguntou Dash, com seu jeito mais grosseiro e um pouco confuso.

-Ele é um humano com poderes. -Respondeu Ambrose.

-Hmmm... Como um mago?

-É, quase isso.

-Legal! -Ele se animou e pegou algumas roupas mais elegantes e um elmo que parecia de um deus lutador, mais como Vikings do que Percy Jackson. Emma estava caçando uma jaqueta de couro para usar com sua máscara e seu arco e flecha. Todos costumam dizer que ela é parecida com a Barbie, e naquele momento estava parecendo uma Barbie perigosa. E realmente, não era uma ótima ideia lhe dar objetos pontiagudos.

Logo nós estávamos com nossas respectivas fantasias, sentindo um pouco de vergonha, é claro. Estava torcendo para que nenhum inspetor de corredor me pegasse vestida assim, com certeza iria se espalhar pela escola que nas horas vagas me visto igual princesa. Porém, no fundo, me sentia eufórica. Pela primeira vez em muito tempo, meus amigos e eu estávamos juntos novamente, fazendo algo divertido e desafiador. É momentos como esse que me pegam no colo para me confortar que, no final, algo deu certo, algo valeu a pena.

-Se estiverem prontos, eu, o Grande Mestre, gostaria de começar. -Exclamou Ambrose, o nosso mestre. Ele comandava todo o jogo e todas nossas ações, era o cérebro do corpo. -Todos os personagens estão numa taverna. Tudo ao redor é medieval, as paredes são cinzentas e de pedra. As mesas são redondas e contém quatro cadeiras, onde vocês estão reunidos.

-Eu chamo o taberneiro para pedir uma cerveja. -Ordenei, a Rainha.

-O taberneiro se aproximou da mesa para atender o pedido da Rainha, Astarte. Ligeiramente ele percebe que vocês são os quatro temíveis viajantes de Andromalius, uma terra distante do fogo, e ele tem um desafio: ele quer que cada um de vocês demonstre seu poder! A recompensa é três rodadas da melhor cerveja da taverna. -Nosso mestre obedecia ao livro que veio junto com o tabuleiro e as peças, que dizia o que deveria acontecer. -Vocês aceitam?

-Eu, o Paladino Raum, aceito o desafio.

-Eu, a Arqueira Shiva, aceito o desafio.

-Eu, a Rainha Astarte, aceito o desafio.

-Eu, a Druida Bast, aceito o desafio.

-E o que vocês farão para provar o seu poder? -Perguntou o mestre. -O dado D20 decidirá a dificuldade de cada missão. -Ele jogou o dado. -Um pouco de azar, eu diria. A tarefa será de nível 10, vocês devem se esforçar para fazer algo difícil. -Cada um teve seu tempo para sair pela escola planejando sua amostra de potencial. Deveria ser algo grande, de chocar. Nossos recursos eram limitados, mas arrisco dizer que ousamos em fazer o melhor que podíamos.

O primeiro, foi Dash. Ele queria combinar sua força com sua raiva por banheiros masculinos, onde os rapazes costumavam zoar dele quando menor, por não ter roupas caras e nem conseguir pegar uma bola no futebol. Então nós o acompanhamos até as cabines, com um vigiando na porta, e esperamos o desafio ser cumprido. Ele, apenas com os dois braços, conseguiu quebrar o cano de todas as pias que havia. Incrivelmente não fez barulho, todavia jorrou água pra todos os lados. Nós saímos correndo e tentando ao máximo não rir alto, enquanto Dash estava todo encharcado.

Fomos para o vestiário de atletismo feminino, onde Emma iria cumprir o seu desafio. Eu fiquei surpresa porque raramente a vi fazer alguma travessura do tipo, ainda sim não era totalmente inédito. Ela consegue ser uma vadia quando quer. E então, sem mais nem menos, apareceu com uma tesoura e rasgou todas as roupas que estavam largadas nos bancos. Tive um déjà-vu vendo-a fazer isso, pois já tinha feito comigo uma vez, depois de descobrir que estava namorando seu irmão. Nós achávamos que o pior seria a inundação no banheiro e as roupas rasgadas.

Até chegar a Lexie, com sua brilhante ideia de jogar tinta nos equipamentos de futebol. Dash surtou um pouco, como esperado. Porém ela conseguiu convencer ele que estava lhe devendo essa. Ficou tudo rosa choque, gritante. Senti até enjoos de tanto pink que vi na minha frente. Com certeza aquilo daria consequências maiores que as pegadinhas anteriores, e eu estava pensativa sobre como iria provar meu poder perto disso. Eu sou a rainha, eu deveria fechar com chave de ouro.

Aproveitando que estávamos no vestiário masculino, que fica do lado do estacionamento, decidi sair pela janela e ir até os carros parados lá fora. Por sorte, nossa escola não tem um nível de segurança muito avançado e as janelas precisam de menos de um empurrão pra abrir e fecharem silenciosamente. Eu peguei a canetinha preta de dentro do meu bolso, que estava lá surpreendentemente desde a segunda aula, e comecei a riscar. Quanto mais tempo passava lá fora desenhando naqueles carros de estranhos, mais adrenalina e euforia eu sentia. Eu devo ter ficado uns cinco minutos pintando vários pênis e escrevendo frases filosóficas, e decidi entrar para acabar com o desafio. Nós cinco corremos para a sala de teatro novamente, nos jogando no chão e gargalhando baixo. Foi como um surto de loucura, e de repente a ficha caiu.

-A gente não acabou de fazer quatro merdas para sermos expulsos, né? -Perguntou Emma, já surtando em cinco estágios diferentes. Ela levantou e começou a caminhar de um lado para o outro, parecia que a qualquer momento teria um mal súbito e morreria.

-Nossos pais pagam uma fortuna nessa escola, relaxa. -Respondi, tentando tranquilizar a todos, porém me esqueci de um detalhe... Dash é bolsista. Logo olharam para ele.

-Tudo bem, galera. Pra ser sincero, ser expulso seria um favor.

-Não fala besteira. -Repreendeu Lexie. -Não tem câmeras no banheiro ou nos vestiários, e nós estamos fantasiados. Se a gente não contar isso pra ninguém, então ninguém nunca vai descobrir.

Emma relaxou por um momento e voltamos a deitar no chão e encarar o teto. Aquele dia foi, sem dúvidas, um alívio pra mim. Uma pausa nas coisas ruins que estavam acontecendo quase como uma rotina, e poder respirar novamente, mesmo que só por uma noite, me fez ter vontade de voltar à vida.

-Amanhã, no mesmo horário? -Questionei.

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