Stranger

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Entretanto, as coisas mudam nas festas. São fora dos campos da escola, então as brigas e discussões rolam soltas. Geralmente começa depois de 2, 3 shots de tequila e um esbarrão. É quando a gente se cansa de fingir que não sentimos ódio ou nojo daquelas pessoas. Já vi narizes quebrados, pessoas saindo de ambulância, pias de banheiros servindo como depósito de cocaína, polícia levando adolescente pra delegacia e pais chorando. Típicas festas de pessoas ricas que por muito, muito tempo foram meu refúgio para esquecer toda a dor que eu sentia.

Anualmente, acontece uma festa de início de temporada sediada na casa de algum dos atletas mais propensos a ganhar primeiro lugar no seu esporte, a '' aposta'' do ano. Decidiram fazer na casa da Emma, uma mansão branca e chique típica de estadunidense. Seu pai é o diretor da maior usina da cidade, que fornece energia para todas as residências, o que fazem eles serem importantes e cheios de dinheiro. Não eram a família perfeita e com certeza viviam com uma máscara social para parecerem felizes, entretanto muitos de nós fazíamos isso.

Era uma rara noite de calor na cidade, as ruas pareciam the walking adolescente de tantos que haviam indo para a festa, de carro, moto, caminhando, e eu fui com o Ambrose, meu melhor amigo, e ele estava ciente que não entro em carros. Nossa amizade não era convencional, ficávamos semanas sem conversar, não vivemos colados e nem nada disso, e sequer é isso que define uma amizade. Estar ao lado quando a pessoa mais precisa, dar suporte e conselhos, ser um ombro amigo, ou apenas ser um silêncio confortável, isso é a verdadeira amizade que nós tínhamos e cultivamos por tanto tempo. Seu jeito totalmente nerd, as roupas largas, a excitação que sente com qualquer coisa pequena da vida, e até a fascinação por coisas macabras e investigação, tudo isso me cativou em Ambrose e me fez querer estar ao seu lado até quando as coisas ficam ruins.

Ao entrarmos, de primeira já avistamos Lexie, com seus lindos cabelos trançados, sua pele negra com o brilho sem igual, uma calça jeans mom dobrada nas canelas e um top branco, mostrando totalmente a beleza do seu corpo. Ela é a pessoa mais desconstruída e bem consigo mesma que eu conheço, forte e determinada desde muito criança, era a líder do grupo. Não tenho dúvidas que um dia poderá alcançar a presidência do nosso país, pois é super engajada em política pública e eu diria que sua maior qualidade é o zelo com as outras pessoas. Temos sorte de tê-la como nossa amiga, confesso.

Um pouco mais distante, na cozinha com os meninos do futebol, estava Dash tomando água, como de costume. Ele é o líder do time, após sofrer muitos anos por bullying pelos próprios meninos, que hoje o admiram. Um rapaz negro, musculoso, incrivelmente esforçado e com um coração maior do que de qualquer outra pessoa, é tão merecedor das coisas que tem e que ainda irá conseguir. Começou a namorar com a Lexie bem cedo, sendo os primeiros do nosso grupo a namorarem. Foi um verdadeiro choque e divisor de opiniões, tínhamos medo de acabar mal e quebrar todas as amizades. Conforme o tempo foi passando, eles se tornaram o melhor casal do mundo! Ela arrastava ele para todas as manifestações, viviam grudados em um relacionamento saudável e invejável. Depois que Ethan, melhor amigo de Dash morreu, eles terminaram, e nosso grupo sequer se separou por causa deles. Pelo contrário, ambos continuaram se apoiando e sendo amigos.

Como perdemos a intimidade que tínhamos antes, o cumprimentei com um aceno de longe. Ambrose e eu continuamos andando e dizendo olá a quem passava, até o mesmo encontrar os nerds da natação e ir para lá. Eu não queria beber, queria me manter controlada e consciente do que irei fazer, é algo ainda mais difícil de se fazer quando sua mente só pensa nisso. Chega a ser cômico como, desde o começo dos tempos, hollywood nos entope de filmes e séries com drogas, bebidas, uma vida regada dessas coisas e como tudo é magico quando se está totalmente chapado. Então, mostram as consequências, alguns morrem, outros se recuperam, até viram crentes ou algo do tipo. Só que esquecem de mostrar o momento em que o barato termina, a música para, o cigarro se apaga, some o frio na barriga, e aí a gente entende. Muitas vezes olhamos ao redor e estamos sozinhos, ou rodeados de pessoas ainda mais vazia que nós mesmos, e entendemos a necessidade de desesperadamente de sermos consolados pelo o que nos fere e o quanto isso nos gasta tempo, nos desgasta. Entendemos os fatos quando tudo se esvai e estamos completamente solitários, e aí já era. O pior lado de ser um ser humano sujeito a tantos vícios é sentir essa caída de ficha diariamente, seja após comer compulsivamente aqueles chocolates por pura ansiedade, seja por transar ou se masturbar em excesso, e é claro, encher as narinas de cocaína.

Sentada no sofá, senti o constante olhar dos outros se questionando quando eu iria pirar. Antigamente, eu me importaria, e com certeza a maior dadiva de crescer é que você vai gradativamente parando de se importar tanto. Antes andava no meio deles e se perguntavam se gostavam de você, e hoje se pergunta se você gosta deles.

-Ei, vai querer de novo? -Perguntou um menino loiro e desajeitado, sentando ao meu lado e falando perto de mim.

-Eu te conheço? -Respondi, estranhando o comportamento.

-Te vendi na última festa, se lembra? -Sussurrou, com um sorriso maligno no rosto. De repente, veio alguns flashes não agradáveis na memória.

-Ah, tô ligada. Quero não, valeu. -Recusei, me levantei para ir para outro lugar.

-Daqui a pouco vai ter o blackout, ninguém vai perceber ein... -Murmurou, ficando na minha frente. Nos encaramos e eu saí, em direção à rua. É tradição dessas festas ter um apagão geral, desligam todas as luzes e é tudo liberado, desde agarração até violência. Particularmente, acho uma baita brecha para acontecer abusos e outras coisas piores, por isso costumo ficar de fora. Outras garotas também não participam, e ficam juntas em algum lugar. Eu fui pegar um ar no lado de fora.

Olhar do lado de fora, de uma perspectiva diferente, me faz sentir como se fosse apenas uma visitante. No mundo, na minha própria cabeça, me sinto assim há tantas estações. Já considerei que talvez a terra não seja meu lar. Se não aqui, onde? As luzes se apagaram e a comemoração começou dentro da casa. Não havia mais ninguém comigo, até alguém se aproximar em passos calmos. Me virei para ver quem era, porém a escuridão era maior.

-Seu cabelo é o mais lindo que já vi. -Soou uma voz tranquila, consegui notar um sobretudo preto e botas.

-Quem é? -Tentei forçar as vistas para poder enxergar, não tive sucesso.

-Desculpa, eu... Eu v-vejo as pessoas falando do seu cabelo, e eu... Eu acho ele lindo, de verdade. -Confessou envergonhado, levantando a mão para o cabelo. Era verdade, desde muito jovem ouvi comentários sobre meu cabelo, como eu parecia uma cenoura, ou uma salsicha, por muitos anos fui chamada de foguinho e fósforo. Comecei a bater em quem me falava essas coisas, e hoje apenas ouço alguns cochichos quando passo.

-Obrigada... -Sorri involuntariamente encarando apenas o preto.

-Nos vemos por aí, então... -Assentou, caminhando para dentro da casa. Ninguém nunca havia falado algo bom sobre meu cabelo... Aquilo permaneceu na minha mente, e mesmo após as luzes de acenderem, não consegui achar o estranho desconhecido.

EpifaniaOnde histórias criam vida. Descubra agora