valsa, lágrimas e um telefonema tardio

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Como era difícil, pensou Jennie inúmeras vezes sem nem mesmo lutar contra o instinto, trazendo a imagem de Lisa de novo ao fundo de seus olhos escuros. Era difícil, com o passar dos dias, fingir voltar à normalidade, vestir o corpo de uma menina frágil e guardar a mesma simplicidade e calma em seu coração. Cada ponta do corpo de Jennie Kim doía na absência do toque da que ela mais queria, a toda hora. Como era difícil, ver Lisa cambalear ao redor da sala de aula, sabendo da impossibilidade de se juntar a ela.

Jennie permanecia com as costas nuas expostas ao toque metálico da barra colada a parede. Ela olhava para suas colegas, umas se aquecendo, umas conversando com os cotovelos apoiados sobre a barra, e uma ou outra olhando para Lisa. Ah, Lisa... Lisa não mudava muito durante as horas, tinha o mesmo olhar que o resto das alunas davam à ela, voltado para Jennie. Uma hora ou outra ela sorria, um sorriso agonizante. Era uma tentativa de tirá-la do sério, e Jennie sabia. Era uma brincadeira, e também várias outras palavras não ditas.

— Seja o que for, quero que você me permita te conhecer, e nos conhecer, antes de qualquer coisa. Quero saber aonde isso vai. Quero fazer isso, com você. Você me permite, Jennie?

— Claro que sim.

Claro que sim. A resposta de uma semana atrás atormentava Jennie como um fantasma do passado, e ela sorria, porque toda vez que sua atenção era trazida de volta para Lisa, era como se elas estivessem compartilhando uma única mente, pensando na mesma coisa, lembrando e esperando.

Elas esperavam demais. Após as aulas, Lisa se juntava ao chão gelado do salão na espera de ver todas as alunas se retirarem, aos poucos, para seu foco poder fugir para onde ela mais o queria. Jennie. Esperava, assim como a aluna, pela simples troca de olhares quando finalmente se encontravam sozinhas perto das seis da noite. E jennie esperava, pela hora em que a mentora a tomaria em seus braços. Nessa noite em particular, Jennie carregava em sua postura um pouco de inquietude, ansiosa dos dedos trêmulos das mãos aos joelhos falhos e cansados após um dia de treino.

— Você está linda. — Lisa disse após arfar brevemente com o corpo de Jennie se abaixando no chão ao seu lado. Ela sentiu o respirar de Jennie passar pelo tecido grosso de sua gola alta preta, espelhando a sensação em todo seu corpo, mas ela continuou a afundar perto das pernas cruzadas da mentora. Jennie usava as mesmas cores de Lisa. O collant de lycra era do mesmo preto da noite e os pequenos shorts de moletom eram iguais. Nos pés, ela deixou apenas meias pretas compridas que cobriam pelo menos até o limite dos joelhos. A mulher estava começando a se acostumar com tal visão em sua frente, ou em melhor precisão, embaixo de seus olhos.

— E você só pode ser louca, ou cega. Numa hora dessas eu fico apenas um troço. — respondeu Jennie, ofegante ao se deixar descansar com as costas no chão e os olhos em Lisa.

— Já viu "Cegos, Surdos e Loucos"? Até que é uma boa combinação. — disse Lisa com uma risada.

— O que é isso? — Jennie perguntou, analisando as palavras da mais velha.

— Um filme. Por favor, não me diz-

— Nunca vi. — ela respondeu risonha, se apoiando nos cotovelos e levantando o torso. Os olhos de Lisa voltaram-se para ela tão bruscamente que Jennie não conseguiu nem processar o momento.

— Você vai me obrigar a te deixar com nota mínima até você ver o filme. — ela respirou com todo seu pulmão e Jennie riu.

— Isso não é justo. Eu não conheço todos os filmes. Você pode ver comigo.

— Esse é o seu jeito de me chamar pra sair ou eu estou ouvindo coisas? — Lisa perguntou, olhando de lado.

— Como pode ser? Você é surda não é? Como no título do filme. — Jennie retrucou.

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