Calmaria

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Apesar das coisas estarem ruins, Finn podia dizer que se sentia feliz ultimamente. No começo, foi um choque saber que só conheceu o Ryan por que alguém que se autoproclamava como legitimo rei de Underland havia sequestrado o garoto para que roubasse a cronosfera e alterasse o passado do reino. Pior foi saber que na realidade sua mãe e sua tia já haviam se reconciliado a muito tempo e não eram inimigas. E como cereja desse bolo, todos no reino tiveram suas memorias apagadas com relação a cronosfera e Finn apenas não havia deixado de existir por ter interferido ao ser ele mesmo quem devolveu o objeto ao devido lugar.

A sorte, nesse caos todo, era que Ryan ainda sabia como mexer com a cronosfera. Talvez por ser alguém de fora, ele não havia sido afetado. O que importava era que o cérebro daquele rapaz era a chave para recuperar sua vida normal. E Ryan era bem legal, apesar de uma necessidade estranha de ficar tentando surpreender em tudo e ser misterioso.

Claro que em pouco tempo, Finn já havia desenvolvido uma rotina. Todas as manhãs começavam quando se espreguiçava, propositalmente cutucando Ryan no nariz para conferir se o mesmo não havia fugido e colocado um espantalho em seu lugar. Após levantar e obrigar Ryan a vestir uma camisa, – tinha certeza que ele só ficava sem para provoca-lo – desciam do esconderijo sobre a arvore para se lavarem no rio antes do café da manhã que sempre continha um chá preparado pelo príncipe. Apesar de não poder preparar na sua chaleira magica, ainda gostava de fazer o chá, era um apego simples de uma rotina que sentia falta.

Após o café da manhã, enquanto Ryan ia treinar no solo, Finn ficava sentado em uma almofada, tentando se reconectar com o coelho branco e faze-lo se lembrar de algo de sua antiga vida. As primeiras tentativas envolveram algumas fugas, com o coelho quase tendo conseguido cavar seus tuneis místicos que levariam a Underland, mas a mente brilhante de Finn solucionou o problema ao amarrar o coelho com um cipó para evitar outras fugas. O coelho era resistente as tentativas de aproximação emocionais do rapaz e, se não fosse por ter sido encolhido ao tamanho de um dedo, já o teria matado a muito tempo. Mesmo assim, Finn era suficientemente teimoso para continuar tentando usando suas melhores técnicas, incluindo festas de desaniversario com direito a bolo caseiro, chá, canções, chá, chapéus artesanais e chá. Depois de quase vinte dias, já podia dizer que o coelho não o queria morto.

Os trinta dias que Ryan prometeu já haviam passado e o verão estava finalmente dando ares de outono. Não pareciam haver planos de saírem daquele esconderijo tão cedo, o que em parte deixava o príncipe mais preocupado. Imaginava sua mãe, de coração partido, achando que seu precioso filho estava morto. Nem mesmo a amizade do coelho branco era muito útil no momento. O animal estava mais controlado, aceitando que Finn o conhecia e ele não se lembrava. Sem uma forma de crescer ao seu tamanho normal, não tinha como leva-los de volta a Underland. E os sumiços do Ryan eram sempre longos, então Finn não tinha tempo para discutir suas preocupações com ele, mas por outro lado ficava ansioso pela hora que ele chegava para ensina-lo arquearia. Não que não gostasse de todos os momentos com ele, mas arquearia era algo que Ryan falava com tanta empolgação que até o príncipe ficava interessado. Era um momento só deles, algo realmente especial.

- Finny, voltei. Pega uma camisa pra mim e umas calças por favor?

- Que? – Finn se levantou do chão, colocando o coelho branco dentro da chaleira, em segurança, indo olhar o rapaz na entrada. Ryan estava apenas de cueca e com as luvas de caça, fazendo cara de inocente. – O que você fez?

- Quer a boa noticia ou a má noticia?

- Eu sei que a ruim é que você é tarado que fica andando pelado por aí. Irritante, mas eu posso te perdoar se me pedir em namoro. Um pedido festivo é o ideal, mas te dou liberdade pra ser criativo.

- Que? Não é nada disso que você tá pensando. Eu usei minhas roupas pra disfarçar um cadáver. Também usei seus trajes reais.

- E posso saber por que o senhorito que ainda não é meu namorado se livrou das minhas roupas? – Esse Ryan tava ficando muito abusado. Nem casou e já tava querendo mudar o guarda-roupa e doar roupas para cadáveres estranhos na floresta.

- Foi um chamariz. Achei batedores de Wonderland procurando a gente.

- Underland.

- Tanto faz. O que importa é que meu plano funcionou.

- Ryan, que plano? E é melhor medir bem suas palavras ou vai dormir sozinho. – Finn tentou fazer sua melhor cara de ameaça, mas o outro não pareceu levar a sério. Na verdade, ele pareceu até sorrir mais.

- Eu sabia que estariam tentando nos achar e só parariam a perseguição quando estivéssemos capturados ou mortos. Então todo dia eu saí procurando por quem eles mandariam para nos procurar. Hoje eu finalmente achei dois soldados perambulando pela floresta que ainda não haviam sido eliminados pela natureza, então ajudei eles a acharem nossos cadáveres. Eu cuidei de tudo, Duas sobras de corpos com nossas roupas e sinais de ataque de urso. Não vão mais nos perseguir, então poderemos sair daqui finalmente.

- Então isso quer dizer que dá pra consertar essa confusão toda que você causou?

- Eu te disse quando nos conhecemos que faço milagres.

Finn pulou no garoto, abraçando. Não importava se ele estava praticamente pelado, a noticia era boa demais pra não valer um abraço. Ryan o segurou, quase perdendo o equilíbrio e caindo pra trás.

- Então, agora vamos a notícia ruim?

- Achei que a ruim fosse você peladão e doando minhas roupas para cadáveres do pântano.

- Você foca demais nesses detalhes. A noticia ruim é que eu tô pensando em ir ver meus pais.

- Não parece ruim. Vou aproveitar para pegar lembrancinhas do meu não-namorado bebê. Sua mãe vai me contar tudo. – Finn gargalhou malignamente.

- Você é tão bobo as vezes, Finny.

- Só com você perto. – Beijando a bochecha, Finn soltou o abraço. – Agora vai se vestir que não quero que pensem que eu namoro um pervertido.

- Agora somos namorados, Finny? – Definitivamente Ryan tinha prazer em ficar provocando. Finn revirou os olhos, mas sorriu de canto.

- Ainda não. Só quando você pedir corretamente e com roupas. Sou moço de família, ouviu?

- Você disse que eu podia ser criativo, lembra? Foi o tempo de Finn piscar e já estava sendo agarrado pelas pernas e sendo apoiado nos ombros de Ryan.

- Doido.

- Um pouco. Mas você gosta, não adianta negar.

- Nunca.

Ryan só o largou quando chegaram próximo a rede onde dormiam, jogando Finn sobre ela. O garoto ajeitou os cabelos, pegou um travesseiro e jogou nele, rindo.

- Quando iremos partir?

- Amanhã cedo. É nossa última noite aqui.

- É mesmo? Então acho que devia ser mais especial, não concorda? – Lentamente o príncipe retirou a própria camisa, jogando também contra o rosto do Ryan. – E melhor esconder a chaleira, não quero que o senhor White nos escute.

- Acho que não entendi. – Mais uma vez Finn revirou os olhos. Impressionava-o que Ryan fosse tão lerdo em momentos tão óbvios. Mas logo o rosto dele passou para uma expressão de pura compreensão e surpresa. – Espera, isso é sério?

- Eu pensei bastante, me sinto pronto pra explorarmos um pouco mais nossa relação e eu quero com você. É simples, não precisa ficar me encarando com essa cara de bobo. – Estava começando a questionar suas próprias decisões. Mas espantou esses pensamentos da cabeça quando puxou o outro garoto para mais perto de si, abraçando-o e lhe sussurrando ao pé do ouvido. – Eu te amo, Ryan Hood.

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