Capítulo 02 - Eldor

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A carroça seguia para o norte por uma estrada de terra à margem de um rio. O céu já estava suavemente claro, embora o Ghal ainda não tivesse surgido no horizonte. Na traseira da carroça, o corpulento e desajeitado Eldor Brage contemplava o caminho percorrido e pensava no que deixava pra trás: em Rheradior o inverno era rigoroso e as condições de vida em sua aldeia eram quase primitivas, mas ele ainda sentiria falta de sair cedo pra caçar, de ajudar seu pai a cortar lenha, de sentar à noite ao redor de uma fogueira e ouvir os xamãs contando histórias antigas enquanto as crianças brincavam de dar nós em seus cabelos. No meio de todas essas lembranças, o brilho de Ysberin se sobressaía. Ela prometera esperar por ele para que se casassem, e a única coisa que ele podia fazer agora era acreditar naquelas palavras.

Guiando a carroça ia seu pai, Eidan Brage, ao lado de Niord Halamar, seu amigo, guardião e conselheiro. Niord também levava seu filho, Jarred Halamar, mas ele ia a cavalo, alguns metros à frente.

-Tem certeza de que isso é o certo, Niord...? - sussurrou Eidan olhando para trás, assegurando que Eldor não ouvisse - Nós não precisamos nos curvar a essa gente...

-Essa gente também é nossa gente, Eidan. - Corrigiu Niord, também sussurrando - Os savoneses do norte estão à nossa frente há centenas de anos. Se tivéssemos partido com eles no passado, hoje seríamos um só povo...

- Nós já éramos um só povo antes deles partirem, Niord! - Retrucou Eidan - Eles é que foram embora há milhares de anos! Se eles não tivessem partido...

-Sim, nós também seríamos um só povo - completou Niord - mas ainda seríamos primitivos. - Estendeu a mão para frente, apontando para o horizonte, onde já se podia ver as grandes construções dentro das muralhas de Haimes - Veja o quanto eles evoluíram, Eidan... Nós ainda vivemos em casas de pau...

-Pois eu tenho muito orgulho de ser um savonese do sul! - bradou.

-Eu sei disso - Sorriu - Mas também gosta dessa espada em suas costas, não é? Das suas vestes de algodão... Se não fosse por eles, nós ainda estaríamos usando peles de animais, andando a pés e caçando com armas de pau e pedra...

-Tá, tá, tá - interrompeu Eidan, admitindo que a lista de vantagens seria longa - Mas não precisamos apagar nossas raízes, ou nos tornar como eles!

-Não iremos, meu amigo. - Suspirou - Mas precisamos mostrar que somos iguais, pra que eles parem de olhar pra nossa gente de cima. Porque a verdade é que eles só estão aqui pra tomar nossos recursos, nossas terras, nossos filhos. Não se engane quanto a isso.

-Então, em nome de Ghaldron, por que vamos entregar nossos filhos a eles??

-Eidan, antes dos savoneses do norte chegarem a Haimes em seus grandes barcos, aquela região também era do nosso povo. E o que aconteceu com eles? Foram domados como animais e agora se submetem ao rei de Abbenhoth. Agora me responda: você acha que as conquistas vão parar em Haimes? Por que você acha que os guardas de Haimes tem feito cada vez mais visitas pelas regiões de Soho e Karhas? Nossos filhos já seriam levados mais cedo ou mais tarde, só que como escravos...

-E você acha que oferecê-los para se tornarem soldados em Haimes é nossa melhor opção?

-O que eu acho é que nós não temos chance contra Haimes, muito menos contra Abbenhoth! Pense bem: se não temos como vencer o inimigo, devemos pelo menos nos aproximar deles, observá-los de perto, aprender com eles e, quem sabe um dia, reivindicar nossas origens.

-Tem razão - concordou Eidan com pesar - Mas Eldor precisará voltar pra casa um dia, pra liderar nossa aldeia em meu lugar... - hesitou - E se ele não quiser voltar? E se ele for seduzido pelos costumes do norte? - Niord e Eidan olharam pra trás ao mesmo tempo, onde Eldor permanecia com o olhar melancólico.

O Relicário de Heróis de Valamurk - O Levante Contra a Aljava do DestinoOnde histórias criam vida. Descubra agora