O Relicário de Heróis de Valamurk - O Levante Contra a Aljava do Destino

Capítulo 04 - Yui

O Código de Fogo é o livro sagrado que compreende todas as leis da vida em Valamurk, e uma de suas leis mais antigas proíbe a invocação do deus-dragão. Komoru é um reino que fica em uma ilha a leste de Abbenhoth. Seu povo, os sakureses, quase foram extintos há vinte anos por violarem essa lei.

Conta-se que, há milhões de anos, os animais governavam o mundo e falavam a mesma língua, até que um dia, após a Longa Tempestade, foram surpreendidos pela chegada do primeiro humano. Temerosos, os animais se reuniram em torno de uma árvore em chamas e imploraram a Ghaldron que se livrasse do estranho, mas ele não poderia se manifestar em sua verdadeira forma, pois sua simples presença bastaria para destruir todo o mundo. Então oito animais se atiraram no fogo, oferecendo seus corpos como sacrifício: a serpente, o lobo, a águia, o leão, o cervo, o tigre, o camaleão e a carpa. Naquele momento a fogueira explodiu e Ghaldron emergiu na forma de um grande dragão oriental – a primeira quimera, invocada pelos animais no coração do mundo.

O primeiro homem, que na verdade ainda era uma criança, repousava sob uma árvore, envolvendo em suas mãos um filhote de canário que caíra do ninho durante a tempestade. Quando ele estava prestes a ser executado, porém, o canário implorou a Ghaldron para que o poupasse e ofereceu sua própria vida em troca. Revelou ainda que os animais promoviam uma falsa paz à luz do Ghal, quando na verdade os mais fortes caçavam os mais fracos. Ghaldron percebeu que o canário dizia a verdade e aceitou a troca. Os animais, no entanto, ficaram enfurecidos, pois o sacrifício dos outros havia sido em vão, e começaram a praguejar contra o deus-dragão. Em resposta, Ghaldron fez com que cada animal emitisse um som diferente a partir dali. Por fim, os nove animais sacrificados foram devolvidos à vida, mas transformados em humanos (dando origem às diversas etnias existentes) e foram proibidos de invocá-lo novamente.

A porção norte de Valamurk tem sido a mais rica e mais desenvolvida desde as primeiras civilizações. Toda a região oeste e central pertence ao reino de Deltrant, enquanto a região leste pertence a Abbenhoth. Apesar de vasto, o reino de Deltrant fica em uma região desértica e carente em muitos aspectos, mas, sendo sempre regida pelos pulsos de conquistadores, acabou tomando diversos territórios vizinhos e se expandindo ao longo de muitos anos. Abbenhoth, por sua vez, nunca demonstrou interesse em Deltrant, mas sim na ilha de Komoru, por ser um território rico e de um povo pacífico.

Há vinte anos a frota marinha Komoru foi vencida em uma batalha no mar de Ookai. Quando os navios de Abbenhoth se aproximaram da costa, os sakureses se viram encurralados e, numa medida desesperada, violaram o Código de Fogo e tentaram invocar o deus-dragão. O terror que deveria cair sobre os navios inimigos, no entanto, acabou caindo por todo o reino. Tempestades, ciclones, tsunamis, terremotos e erupções vulcânicas foram apenas o prenúncio de uma grande tragédia.

Milhares de pessoas morreram. A capital do reino, que ficava na região central da ilha, tornou-se um grande cemitério ao qual ninguém visita, pois é considerado solo amaldiçoado. Mas, ao contrário da capital, as principais províncias de Komoru eram litorâneas e muitas embarcações que resistiram às grandes ondas foram responsáveis pelo resgate de sobreviventes, como o caso de Wakana Yui.

Por algum misterioso milagre, Yui, que tinha apenas dois anos de vida, não morreu naquele dia, que ficou conhecido como "A Grande Ofensa", mas acabou perdendo a visão. Os vinte anos seguintes são uma grande nebulosa em sua mente, pois ela não tem quase nenhuma lembrança visual de antes disso. Após todos esses anos, apenas uma coisa resistiu ao esquecimento: a sombra de uma imensa onda se projetando sobre a província de Shinkoi, enquanto a gritaria era substituída pela forte ventania. Yui tem constantes pesadelos que a obrigam a reviver aqueles últimos momentos em que pudera enxergar. O problema é que, ao contrário das outras pessoas, ela acorda e continua na escuridão.