O Relicário de Heróis de Valamurk - O Levante Contra a Aljava do Destino

Capítulo 06 - Jarred

Houve uma época em que os savoneses do norte escravizavam os do sul e Haimes era apenas uma colônia de Abbenhoth. Mas Krestin Vernon, a segunda ghalahik, proibiu a escravidão de guerra e declarou a independência de Haimes. Desde então, somente a servidão voluntária é permitida - quando alguém se oferece voluntariamente para servir alguém ou alguma família, seja para quitar alguma dívida ou para cumprir pena por algum crime cometido. As leis sobre servidão voluntária, no entanto, nunca foram bem definidas, de modo que muitas pessoas acabam se tornando escravas por terem cometido simples delitos, ou contraído dívidas pouco significantes. Após o fatídico desaparecimento da segunda ghalahik, este e muitos outros de seus decretos perderam a força e aos poucos Haimes voltou a se curvar para Abbenhoth.

No entanto, antes mesmo de Krestin existir, os savoneses do sul já conheciam uma experiência muito semelhante à servidão voluntária: o juramento de gratidão eterna. Esta rara relação, porém, é como um poderoso pacto que se estende a todos os descendentes, como é o caso da família Halamar.

Há cerca de oitenta anos, quando as regiões de Rheradior e Soho disputavam pela Floresta de Daeoth, o jovem Aldus Brage, avô de Eidan Brage, liderava um pequeno grupo de guerrilheiros, quando foram encurralados e capturados por um grupo inimigo. Depois de quatro dias em cativeiro, Aldus conseguiu escapar e libertar seus companheiros, mas um deles estava impossibilitado de andar. Aquele era Taran Halamar, avô de Niord Halamar.

Os xamãs ainda contam as histórias de como Aldus e seus companheiros escaparam de seus captores na floresta de Daeoth. De como Aldus carregou seu companheiro ferido por quase toda a viagem. De quando os outros companheiros lhe disseram para desistir de Taran e deixá-lo para trás. E, finalmente, de como ele próprio foi abandonado pelos companheiros que salvara, quando poderia ter salvo somente a si mesmo.

Quando finalmente entraram no território de Rheradior, Taran ajoelhou-se e jurou gratidão eterna a Aldus. Ele o ajudou a reivindicar a vida dos antigos companheiros que Aldus salvara, fazendo com que também lhe jurassem lealdade. Também graças a Taran, Aldus se tornou líder de sua aldeia. Mais tarde, quando a velhice chegou ao limite para eles, seus filhos deram continuidade ao juramento, que se manteve pelas gerações seguintes - pelo menos até agora.

Jarred e Eldor brincaram juntos na infância e isso foi tudo que houve de bom entre eles. À medida que cresciam, nascia em Jarred um destrutivo senso de competitividade. Por se considerar mais forte e mais inteligente que Eldor (o que de fato poderia ser verdade), Jarred não entendia o porquê dele próprio não liderar sua comunidade.

-O líder não precisa ser o mais forte ou o mais inteligente - Niord lhe dizia desde que Jarred podia se lembrar - Mas precisa ser o mais amado e respeitado. Precisa ser alguém que o povo ame e confie. - Antes de atravessarem os portões de Haimes, Niord relembrou - Um dia nosso povo colocará sua confiança em Eldor. E você deverá estar ao seu lado para orientá-lo e protegê-lo. Pra isso, caberá a você também amá-lo. - Jarred relembrava as últimas palavras de seu pai enquanto olhava constrangido para Eldor aos farrapos, desleixado e andando completamente desorientado por Haimes, e não conseguia enxergar absolutamente nenhuma possibilidade de ser seu guardião algum dia. Seu plano, portanto, era se tornar um guarda dos savoneses do norte e se estabelecer em Haimes, ou até mesmo ir para o norte, para Abbenhoth, para qualquer lugar, onde pudesse ser qualquer coisa, desde que não fosse ao lado de Eldor.

-Ciard Rusan. - O guarda na praça central de Haimes começou a anunciar o nome daqueles que o Sir Wade Scoulder havia escolhido para treinar em Zíer - Jaiden Vasil. - Jarred podia deduzir quem eram pela cara de satisfação que faziam. - Gabe Ambrus. - Pelo porte físico, nenhum deles o impressionava, então isso lhe dava confiança de que ele logo seria chamado - Eldor Brage - "Só pode ser piada", pensou Jarred. Mas tudo bem. Se ele pudesse ir para Zíer e se tornar guarda real em Abbenhoth, treinar com Eldor mais alguns anos era um preço pequeno a se pagar. - Tigernan Padrig. - disse finalmente o guarda, e voltou a enrolar o pergaminho.