Monarca

Capítulo 1 - Tinta a óleo e aguarrás

Quando Miguel finalmente pisou novamente em Pretória, anos depois de partir, ele não sabia o que esperar. Da última vez, Thomas tinha deixado bem claro que Jake não seria bem-vindo novamente no reino. Apesar dos protestos de Lola para que não fizesse aquilo, Jake tinha recusado seu título de príncipe herdeiro do reino montanhoso e cortado todo o contato com o pai nos seis anos que se seguiram, vivendo em Belária com a agora esposa e o melhor amigo.

Muitas vezes Miguel se via pensando em como suas vidas tinham dado uma reviravolta tão grande. Caminhando pelos corredores do castelo onde tinha crescido, ele não conseguiu evitar se sentir emocionado. Alguns dos quadros que ele tinha feito quando era apenas um aprendiz ainda estavam pendurados nas paredes. Uma das peças em mármore que cercavam a fonte do jardim tinha sido esculpida por ele quando tinha apenas dezesseis anos e todos o consideravam um prodígio, e não um cúmplice nos atos de Jake. Ele parou em uma das janelas por um momento, absorvendo a beleza do lugar com sua jardinagem impecável e a enorme construção esculpida em pedra polida.

Miguel tinha se mudado para Pretória quando tinha apenas sete anos, após a morte da sua mãe. Ele era filho bastardo de um duque métrio, e seu pai e madrasta se apressaram para mandá-lo para longe assim que Esperanza morreu, com a desculpa de que seria bom para o garoto aprender alguma profissão no reino vizinho. Miguel sabia bem, mesmo naquela época, que o real motivo era o filho que os dois esperavam e para quem não queriam concorrência alguma. Thomas tinha lhe recebido de braços abertos como um dos aprendizes de Mestre René, e nada no reino era como Miguel esperava assim que chegou.

Claro, o frio era terrível e ele achava que nunca iria se acostumar com isso, a xenofobia e conservadorismo estavam presentes, as fofocas e intrigas existiam ali como em qualquer outra corte, mas havia também certa liberdade. Jake logo se tornou seu amigo, e mesmo o rei o tratava de maneira educada e informal quando estavam juntos, e parecia nutrir certo carinho por ele. Ele sabia que tinha tido muita sorte naquele reino e tinha sido feliz de uma forma que nunca poderia ter sido em Métria, com os olhares julgadores de toda a corte sobre si. Em Pretória ao menos não sabiam quem era seu pai, apenas que ele era um prodígio e tinha uma bela carreira artística pela frente.

Isto é, até a situação com Jake acontecer.

O que ele notou ao entrar no escritório de Thomas, onde já havia estado tantas vezes antes, era o quanto o rei parecia ter envelhecido naqueles seis anos. Talvez de saudades do filho, de quem sempre tinha sido tão próximo, ou talvez por decepção. O escritório sempre tinha sido imaculado, com suas paredes brancas e quadros preciosos pendurados por todos os lados, as estantes recheadas de livros antigos e a enorme e pesada mesa atrás da qual Thomas o encarava com seus olhos azuis.

E, então, ele notou Reyna de pé ao lado da janela. Ela mal olhou para Miguel, por mais que fosse impossível não notá-lo ali, e parecia pronta para partir antes mesmo da porta se fechar com os três dentro do cômodo. Seus olhos eram como navalhas o cortando em pedaços, e ele não podia deixar de pensar que ela tinha seus motivos para isso.

- Caso tenha algum outro problema eu lhe procuro - a voz dela estava educada ao falar com Thomas, mas o métrio podia sentir toda a tensão de estar em um mesmo local que ela novamente.

Reyna estava mais velha e mais bonita, e parecia mais séria e mais madura. A mulher passou por ele ao sair, sem se incomodar em se despedir, e ao fechar a porta ele se viu sozinho com o rei. Thomas primeiro o analisou, e então pareceu relaxar na cadeira, indicando que Miguel se sentasse.

- Eu mal pude acreditar quando René me disse que você estava voltando. Depois de todo esse tempo em silêncio, Miguel... Por que?

- É uma boa oportunidade. René é o melhor artista que eu já conheci, e oportunidades como essa não aparecem sempre em Belária.