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JOGADOR

Uma vez que os únicos lugares vazios eram na mesma fileira em que o babaca estava, não tivemos muita opção. Vejo Emily e Júlia sentarem-se nas primeiras cadeiras, restando-me o lugar à frente dele. Me pergunto se poderia exigir mais de uma amizade de quinze minutos, se não poderiam me colocar entre elas e me proteger do colegial nos próximos dias. Mas isso soa tão idiota!

Tenho vontade de sorrir assim que os olhos de Isak encontram os meus e ao me sentar é como se pudesse senti-los quentes sobre em mim.

O jeito que pareço irritá-lo me anima, me faz querer fazer mais vezes só para vê seus lábios franzidos e os olhos de mel semicerrados.

- É tão vergonhoso essas vadias que mal chegam e já acham que são alguma coisa. - A provocação de Anny faz meus olhos revirarem alto. - Acho que não ensinaram as regras a ela, pobrezinha, talvez eu me encarregue disso.

Quero ver Anny tentar, aposto que irá amar minha versão vadia.

Aperto minhas mãos em punho, até sentir minhas unhas atravessando uma fina camada de pele da palma. Se é melhor que a técnica da meditação da mamãe? Eu não sei, mas é uma fuga, sempre fico mais calma quando tiro as unhas e sinto a dor sumindo. É um sinal de que toda merda sempre some, não importa o quando demore, ou quanto doa. Só não funcionou uma única vez.

A questão, não é sobre ela. É sobre as outras cinco garotas que pensaram como ela, que me deixaram tentando agradar seus apontamentos doentios. E eu fiz tudo, tentando me enquadrar. Mas não preciso mais disso. Uma coisa que aprendi, quem quer governar, não busca se encaixar.

Ouço quando Isak diz para Anny sair de seu colo porque o professor chegou e acrescentar que ela não precisa se preocupar, que tudo vai ficar bem. E eu odeio o tom da sua voz, do quanto é gentil e melosa quando dirigido a essa garota. Mas eu não posso evitar a reação do meu corpo à sua voz de anjo caído.

O que vai ficar bem? Os neurônios doentes dela?

"Os seus também não são estáveis."

Vejo um papel amassado voar para minha mesa. Pelo hábito em anos passados, imagino que seja alguma gracinha por ser novata, mas quando olho para cima encontro Júlia dizendo sem som para abrir.

Júlia: Café depois das aulas? Tem uma cafeteria incrível na rua de trás.

( ) Sim ( ) Com certeza

Não penso muito, apenas marco um dos parênteses antes de devolver, mas logo ele retorna.

Júlia: Anny tá insegura, tenta não se importar.

Aperto o papel entre os dedos e passo a mão para de baixo da mesa, deixando-o lá.

Abro meu caderno na primeira folha branca, pronta para copiar o que achar importante em meio as tantas palavras que o homem de terno na frente da sala diz, mas de repente minha mente não está mais aqui e o lápis na minha mão traça diversas linhas soltas.

"Daqui para a faculdade é um pulo", lembro das palavras da minha mãe. Ah, se ela soubesse....

Não me dou conta de quando a aula começa ou quando termina, apenas saio da prisão formada pelos meus próprios pensamentos sendo refletidos no papel quando o sinal toca e amasso o papel por instinto. As duas garotas aparecem ao meu lado como sombras e esperam até que guarde minhas coisas.

- Vou aproveitar o intervalo para guardar um pouco dos matérias no armário - digo a elas enquanto saímos da sala cheia.

- Normalmente fazemos isso assim que entramos - esclarece Júlia, a ruiva.

- Mais uma aula e podemos comer! - Emily diz, animada como se não comece há dias.

- Você só pensa em comer? - pergunta Júlia.

- Você sabe que não. Também penso em festas, garotos, compras e o campeonato estadual de líderes de torcidas no fim de julho.

☽︎☀︎☾︎


Não ficamos muito tempo no refeitório. As meninas comeram rápido e disseram que eu precisava ver algo. E, agora, meus olhos agradecem.

Nos sentamos nas arquibancadas e observamos enquanto os garotos ocupam o gramado. Se eu curto futebol? Não muito. Os únicos jogos que acompanho são os da Copa do Mundo. Por outro lado, eu não sei em que mundo você vive, mas no meu, garotos sem camisas e suados são uma bela atração, mesmo que estejam correndo atrás de uma bola.

Não acho que seja sequer dez da manhã e o sol já está raiando no céu. Estando insuportável, tiro meu casaco e prendo os cabelos num coque rápido.

- O time da nossa sala ficou em segundo lugar do campeonato regional do ano passado, sabia? -pergunta Emily.

- Não - respondo. - Qual ficou em primeiro?

- A escola do meu primo - diz a ruiva.

Noto Isak entregando sua camisa para uma garota morena a alguns bancos distantes e agradecer com o típico sorriso de jogadores, não os de futebol, aqueles que jogam com a mente e o coração de muitos. Ele corre até o meio do campo onde os garotos o chamam para participar da partida.

O cabelo preto esvoaça com os movimentos do jogo e seu tanquinho é lindo na mesma intensidade que ele é um babaca. Por um instante, eu esqueço o quão babaca foi. Isak é lindo demais, tanto que chega a ser injusto ser tão estúpido.

Não é um jogo como os que estou acostumada a ver na TV e isso se deve bastante pelo tempo do recreio. Isak é quem faz o primeiro gol e confesso que sua estratégia me instigou. Enquanto se divertia com a bola e com os jogadores, seu ponto de foco sempre foi o gol e quando ele marcou, tive que me segurar no banco para não levantar e ovacionar como todos.

Eu posso odiá-lo no momento, mas não vou mentir, é emocionante vê-lo jogar.

Ele passou o resto do jogo ocupado doando sorrisos para cada garota da arquibancada exceto minhas amigas e eu. Ele nem mesmo olhou em nossa direção. Ainda assim, o seu time venceu. Dois a um.

O único gol do time que perdeu foi marcado pelo garoto loiro da minha turma, o mesmo que me sentei perto na primeira aula. E minhas amigas também levantaram para gritar quando ele o fez. Elas não torciam para o time dele, mas aparentemente torciam para ele. Já eu torceria por qualquer time que fosse oponente do babaca, então comemorei como uma garota que realmente se interessava.

O outro gol, do time de Isak, foi feito pelo garoto que estava rindo com ele na segunda aula. Eu não sabia seu nome até que seu chute fez a bola bater na trave e entrar no gol e Emily gritou algo como: - Iuri, tire a camisa para a gente comemorar!

Ele obedeceu e jogou a camisa para ela, desenhando um coração no ar em seguida.

- Esse garoto é ridículo - disse ela, rindo.

Dᴇɪxᴇᴍ sᴇᴜ ᴠᴏᴛᴏ ᴇ ᴄᴏᴍᴇɴᴛᴀ́ʀɪᴏ!

As mil melodias que cantei por você [Em Atualização]Onde histórias criam vida. Descubra agora