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TINGINDO EMOÇÕES

Eu costumava me dedicar à arte, ser intensa ao me expressar e adorava a mistura de criar e sentir, mas o sinal já soou há algum tempo e não há ninguém além de Noemi, a professora de Artes, e eu, completamente estática no estúdio de Artes, encarando o quadro à minha frente.

Meu pai ligou esta manhã. Ele não nos telefona há três anos. Três. Eu estava entrando na cozinha quando ouvi o choro sufocado de minha mãe, sua voz falhando enquanto tentava ser fria ao dizer sentir muito. Apenas entendi tudo quando ela o chamou pelo nome; e sei que apenas um Richard a faria chorar.

Por qual maldito motivo ela estava se desculpando? Por que sequer atendeu sua ligação?

Assisti minha mãe voltar o telefone para o gancho assim que me viu na porta, rapidamente enxugou seu rosto com as mãos e disfarçou um sorriso, o último detalhe acabou comigo, totalmente. Talvez as máscaras que carrego comigo seja algo genético e fingir seja um dom. Eu apenas queria que ela fosse sincera comigo como me faz ser com ela... Só queria que não se quebrasse por dentro para se parecer forte para mim. Eu a entendo agora, as noites em que chorou por eu ter me afastado, as vezes em que gritou comigo por ter escondido as minhas dores dela até elas quase me matarem.

— Ayla, você está bem, querida? — questiona minha professora parada ao meu lado.

— Não consigo fazer isso.

— Não consegue transformar uma emoção em arte? — Não nos encaramos, sei que seus olhos assim como os meus estão focados na tela limpa.

Minha mente por uma nota na média final do bimestre. Isso simplesmente não faz sentido, mas talvez seja porque sou incapaz de retratá-la.

— Por quê? — insiste.

Não sei se por seus olhos não estarem em mim ou pelo pequeno sinal de que realmente se importa, as palavras escapam dos meus lábios como um balão cheio se esvaziando aos poucos.

Olho para minha paleta. — Nenhuma delas é amarelo, vermelho ou verde, talvez pudesse usar azul se não parecesse tão pacífico. Eu não sinto nada disso, senhora Noemi.

Sinto sua mão apertando com carinho meu ombro.

— Por que fugir das emoções, Ayla?

— Porque às vezes elas machucam, sufocam, e então elas não existem e... e tudo de novo. Elas são uma mistura de tons muito bagunçada e, de repente, não são nada.

— Eu entendo você... — Suas mãos afagam meus ombros e seus olhos parecem sinceros, como se realmente entendesse o que quero dizer. — Definir cores e texturas é uma missão impossível se aqui — Sua mão pousa sobre minha cabeça — não houver definição. Não se pode encontrar cores ou traços que estão perdidos no vazio, ou embolados num emaranhado de sensações empurrados para debaixo do lençol.

Olho nos seus olhos pretos por trás dos óculos, eles parecem experientes.

— Eu sei disso agora. — Indico a tela à minha frente, frustrada. Pego minha mochila e a coloco sobre o ombro. — Mas obrigada.

— Meus conselhos costumam ser terríveis, — seu riso fácil faz meus ombros cederem — mas se posso te dizer algo, saiba que é uma artista, Ayla. A arte não é colorida, e adivinha? A vida também não. De qualquer forma, faça o que sentir que deve, sempre. Mas, jamais, permita perder-se no vazio junto às suas cores, mesmo que isso leve você a chorar em uma noite escura ou atirar fogo no inferno. Não é apenas um quadro, Ayla, é sobre você. Você pode se negar a tingir uma tela, mas se negar a sentir, é como estar vazia como ela está agora.

As mil melodias que cantei por você [Em Atualização]Onde histórias criam vida. Descubra agora