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SEM VOZ

ISAK

A garota caminhando confiante para longe de mim agora é a mesma que estava no telhado de sua casa aquela noite; a mesma que desenhava rabiscos suaves, com a cabeça e o pé balançando em ritmo descompassado no primeiro dia de aula, quando nos reencontramos. Às vezes é difícil de acreditar, a garota que uma vez me fez sentir o nirvana é a que hoje me faz queimar.

Devo confessar, implicar com Ayla por causa de um lugar foi estupidez, mas que se dane, pude dissecar em detalhes o rosto mais atraente que já vi: o olhar verde-floresta, a boca delicada, o nariz levemente arrebitado e as bochechas rosadas. E ela está certa, estou destinado a me surpreender com suas atitudes, seu olhar desafiador, nunca indiferente, e seu temperamento quente. Ah, isso me deixa fascinado!

Estou lutando comigo mesmo frequentemente por causa dessa garota. Ela me faz desejar que todas as palavras de Anny sejam inverdades. Mexer com drogas? Okay, é uma grande furada, mas conheço muitos que fazem o mesmo, que buscam um momento de diversão ou se viciaram, como minha mãe. Mas, vender? É como se espalhasse desgraça por dinheiro. Ayla coagiu Anny a usar e aproveitou-se do meu fodido caráter para fazê-la sentir-se mal. Tudo que disse a Anny, as lágrimas que a fez derramar... Não dá para simplesmente ignorar. Mas por que é tão difícil crê?

Eu me manteria distante dessa garota, mas as coisas saíram do meu controle. Na terça, ela estava sentada no centro da sala, exatas duas meses a minha diagonal, e seu lápis desenhava as penas de um pássaro negro, seus dedos acariciaram o papel e me peguei totalmente inconsciente ao que acontecia ao meu redor, inclinado sobre a mesa, eu assisti enquanto seus dedos criavam sombra sobre a ave, e aquilo estava incrível! Na quarta, na aula de biologia, Bernardo e ela foram sorteados a fazerem o trabalho sobre a origem de novas espécies juntos. Eu me sentei com Iuri, e entre homeostase - que era no que eu deveria estar concentrado - ou a dupla sentada na frente da mesa do professor, só conseguia reparar no quanto era ridículo o jeito que ele a olhava, a forma que ela se inclinava para ele. Ridículo mesmo era eu estar me preocupando. Na quinta, Ayla se juntou aos colegas de Emily da turma de teatro nas arquibancadas do campo de esportes, e ela ria como se finalmente estivesse confortável. Na sexta, ela estava mais exclusa, talvez tenha percebido a forma como os alunos começaram a sussurrar sobre ela pelos cantos do colégio. Pelo que sei, Anny não confessou sobre o seu curto momento com a novata apenas para mim.

Observo ela mover seus quadris na saia desenhada pelo diabo e se juntar às garotas, sorri com elas e virar mais uma dose.

Eu deveria dizer para Júlia afastar-se dela. Levando tudo que sei sobre essa garota, eu só estaria sendo um bom irmão, mas não consigo. Ayla tem feito muito bem para ela. Já as vi de madrugada conversando por ligação enquanto minha irmã faz um pequeno lanche na cozinha, é o que ela sempre faz nas madrugadas em que tem crise de ansiedade. E, porra, como odiar a garota que fica toda madrugada conversando com sua irmã mesmo tendo que acordar cedo no outro dia? Com menos de uma fodida semana de amizade, cara?

Me sento e encaro a multidão de jovens à minha frente, anestesiados pela adrenalina e, de repente, estou cansado, de um jeito que não é mais um sintoma, é uma doença. Eu tenho pensado demais há muito tempo, duvidado de tudo, desejado muito, perdendo e descartando coisas que eram especiais e agora, quando olho ao redor e vejo todos se divertindo, meus amigos, minha irmã, suas amigas e o mundo a minha volta seguindo intacto, tenho vontade de vomitar.

Tenho certeza de que Júlia e suas garotas ficarão a noite toda e sei que vai parecer hipocrisia sendo que acabei de implorar para que Ayla não fosse embora, mas estou indo.

As mil melodias que cantei por você [Em Atualização]Onde histórias criam vida. Descubra agora