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  Para Larissa, por ter acreditado em mim quando nem eu acreditava.

      Não é fácil agradar todas as pessoas. Bem, eu já deveria saber isso. Talvez, se minha mãe tivesse me dito isso em algum momento da minha infância isto, ao invés de dizer "você precisa e deve agradar a todos", eu estaria preparada. Preparada para todos os jornais postarem coisas tolas sobre mim, objetificarem a minha pessoa e me diminuírem a ponto de me tornar apenas a moça bonita que será a futura rainha.

   Eu esfrego a barra do meu vestido dourado pomposo. O corpete é justo e tem um decote coração que molda meus seios de uma forma bonita e delicada. A saia abre logo abaixo da minha cintura, revelando um tom degradê de dourado brilhante que faz parecer estrelas. Eu amei este vestido, mas odiei o fato de que me sinto um topo de bolo. Não consigo dar três passos sem quase tropeçar em todos os tecidos. Tinha que ser dourado, segundo a minha mãe. É o dia da minha, enfim, apresentação oficial como futura rainha hoje. No mesmo dia que meu aniversário de dezoito anos. Sufocante é o mínimo.

   Estou nervosa. Não, melhor, estou tremendo de nervoso. Vou rever meus pais hoje, após três anos inteiros sem vê-los em carne e osso, apenas por cartas com fotos anexadas. Não os vejo desde que se despediram de mim ao me mandarem para um convento na Irlanda. Passei meus últimos três anos lá, rodeada por freiras e algumas outras moças enviadas para lá também. O motivo? Bem, são dois: o real e o divulgado. A realidade foi que eu comecei a ter dúvidas. Não, não apenas dúvidas, eu me recusei a prosseguir no caminho de me tornar Rainha. Meu pai - o comandante do exército - achou uma loucura e jurou que jamais me deixaria desistir. Nem minha mãe. Então, eles me enviaram para um convento para apagar essa rebeldia dentro de mim. O que foi divulgado é que eu havia sido enviada para um convento para melhorar ainda mais minhas habilidades de Rainha.

    A carruagem finalmente para e puxo todo ar que consigo em um suspiro. Acho que vou vomitar. Isso seria uma gafe e tanto! Uma boa entrada, pelo menos. Os jornais pirariam. Talvez percebessem que eu não sou uma boneca de porcelana que serve apenas para posar para fotos bonitas. Um sentimento de agonia cresce em meu peito. É isso que esperem que eu seja — e tudo que eu não quero ser. Eu pego a mão estendida a mim e toco meus saltos no chão.

   O castelo é imenso. Bem maior do que eu me lembrava, tanto que minha boca se abre um pouco e fico parecendo uma criança vendo um pirulito colorido. Os muros são altos, mas a estrutura do castelo é maior ainda e possuem duas torres pontudas em cada extremidade, onde é possível ver guardas em ambas. A bandeira do país é imensa presa no topo do castelo e balança com o vento. Eu me sinto presa neste castelo como aquela bandeira, apenas balançando conforme o vento.

— Querida! — A voz familiar da minha mãe preenche minha cabeça e trato de fechar a boca e soar mais acostumada. — Você conseguiu ficar ainda mais bela!

   Ela se aproxima e toca minhas bochechas, as beliscando de leve para que fiquem mais coradas — ela não mudou nada. Tento escapar de suas investidas, mas já estou presa em sua teia. Suas mãos correm para os meus cabelos, ajeitando os cachos soltos, e demorados a serem feitos. Eu posso ser a personificação da perfeição para o Reino, mas meu cabelo não é. Ele é castanho escuro e simples, tão liso que chega a ser escorrido. Sem graça, minha prima Kel diria. O rosto de minha mãe está mais redondo do que antes e seus olhos parecem mais fundos, como se ela estivesse cansada demais para isso tudo.

— Senti sua falta, mamãe. — Eu digo em um murmúrio. Eu senti mesmo. Apesar de toda criação dura em que sou baseada, sei que minha mãe me ama a seu modo e também sei que ela acha que isso é o melhor para mim: ser a Rainha.

— Também senti a sua, gracinha. — Sua expressão suaviza e ela segura meu queixo com uma de suas mãos. — Você é a coisa mais perfeita que já fiz em minha vida.

   Eu murcho com aquele comentário. Em sua cabeça, deve ter soado legal e bom, como uma missão cumprida e de forma bem feita. Mas, na minha, foi péssimo. Eu não sou perfeita e odeio que me encarem assim. Só que ela não está falando da minha personalidade, já que mamãe a detesta. Está falando de minha aparência. Falando do fato que sou perfeita aos olhos do atual Rei, tão perfeita a ponto dele ter me escolhido como esposa para seu filho mais velho, desde que bateu os olhos em mim quando eu tinha dez anos.

— Acho que olhos verdes me tornariam mais bonita. — Eu comento de forma sarcástica. Tenho olhos grandes em tom de mel que ficam mais claros conforme bate o sol e fazem um bom contraste com minha pele fazendo com que eu pareça estar sempre bronzeada.

— Seu pai está com o Rei. — Ela anuncia, tomando meu braço e entrelaçando com o seu. Certo, meu pai.

   Nossa relação é duvidosa, mas ele é assim com todos. O máximo de carinho que já o vi demonstrar é seu aperto em meus ombros toda vez que eu acertava um alvo com meu arco e uma flecha em cheio. Conforme, eu acertava os alvos, mais gosto por isso eu tomava e meu pai parou com as aulas. Era nosso único tempo juntos, apenas nós dois. E ele cortou porque eu estava me divertindo muito. Minha mãe disse que colocaria ideias erradas em minha cabeça. Uma moça como eu devia estar aprendendo a andar com livros na cabeça, não correndo pelo mato e acertando alvos.

   É claro que eu não desisti do meu arco e flecha. Continuei a treinar nas madrugadas frias e escuras, e aprendi a esconder os arranhões com mangas longas ou meias escuras. Meu irmão descobriu eventualmente, já que deixei que um galho cortasse minha bochecha esquerda. Inventei para minha mãe que a costureira havia sido descuidada e me arranhou com uma agulha — ela foi demitida. Eu me senti horrível com isso, e foi assim que meu irmão soube que eu estava mentindo. Kile disse a mamãe que ele havia me cortado sem querer e a costureira recebeu seu trabalho de volta. Me desculpei por meia hora com ela.

— Por que está com essa careta, Hyacinth? — Minha mãe resmunga, enquanto caminhamos devagar até a entrada do palácio. Ela vê minha expressão pelo canto dos olhos e me aperta contra si um pouco mais. — Pare de pensar em Kile agora. É uma ordem.

   Seu tom de voz é ácido e me corta pelo meio. Kile está na guerra e meu pai está aqui! Isso é tão injusto. Ele não devia ter saído para ser guerreiro. O estúpido é tão valente que disse que precisava lutar por nosso país — e eu queria ter ido com ele. Não o vejo por anos, recebi apenas uma carta da parte dele. Mamãe sempre o considerou uma ameaça ao meu bom senso e eu ao dele. Mas ela não entende. Juntos somos melhores.

— Não fingirei ser outra pessoa aqui. Não há mais escapatória e eu sei disso, mas não serei uma boneca que sorri. — Eu digo, enquanto encaro as enormes portas de madeira da entrada. Minha mãe solta seu braço do meu e encara por um tempo. Ela sorri de leve e ajeita meu cabelo mais uma vez.

— Nosso sorriso é nossa maior arma. Você verá. — Ela diz de forma calma e cheia de sabedoria. Eu faço uma careta que é totalmente ignorada por minha mãe, já que as portas se abrem. Um buraco fundo se forma em meu estômago.

   Não há mais escapatória.

A Rosa DouradaOnde histórias criam vida. Descubra agora