𝕮𝖆𝖕í𝖙𝖚𝖑𝖔 11: 𝕺𝖗𝖆𝖈𝖚𝖑𝖔

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Evanora

O vale era repleto de grama e árvores voluptuosas. A luz do sol pintava tudo em dourado e eu havia me esquecido de como seu calor tocava minha pele de modo tão reconfortante e suave, como um abraço de um ente querido. Eu sabia que não estava ali de verdade dentro de mim, mas também tinha plena consciência de que, por isso, não poderia fazer nada além de observar.

Um anjo caminhava descalço sobre a grama. Eu não vi seu rosto, mas seus cabelos eram longos e ondulados. Ele se abaixa quando chega em seu destino. Uma túnica branca cobria seu corpo magro e pequeno. A luz reflete o ouro na auréola em sua cabeça, que podia ser interpretado como um símbolo de pureza e virtude. Não havia nada além do silêncio que abrangia a calmaria do ambiente, me permitindo até mesmo ouvir o som tênue da minha respiração.

Mas havia algo errado com o anjo. Ele chorava bem baixo, e mesmo de longe, eu podia ver suas lágrimas caindo sobre suas mãos que tocavam a grama. Ele ergue ambos os braços e retira sua auréola e a joga para longe, com força e certa revolta. É quando tudo muda.

A brisa foi de sopros suaves até ventos raivosos e cortantes, vindo em uma rajada repentina que faz meu cabelo chicotear para trás. Eu olho para cima e assisto as nuvens brandas se transformarem em negras e tempestuosas. O céu se torna escuro e um som estrondoso de trovão pode ser ouvido dos quatro cantos do vale, que ecoa por milhas e milhas. O anjo se levanta com as mãos erguidas.

Ergam-se ó, irmãos! Ascendam do abismo que os prendia, libertem-se das correntes que pesam de seus pés e juntem-se a mim, eu os invoco, ó filhos da escuridão, despertem!

Ao final de sua declaração, avisto os céus abrirem espaço para anjos com asas negras e flamejantes. Em suas mãos haviam lanças e espadas, e todos mantinham a postura de guerra. Eu já iria tentar correr, quando o anjo se vira para mim e o choque me atinge.

Era eu.

Me sento na cama ao acordar com o susto e olho para o lado, ofegante. Os números verde fluorescentes no relógio indicavam 8:34 da manhã, o que não podia ser visto do lado de fora, já que o céu se mantinha no mesmo violeta. Eu sentia falta do sol.

Passo a mão pela nuca. Não era a primeira vez que um pesadelo enigmático vinha me assombrar, para ser honesta. A pior parte era ter que conviver com a dúvida e os questionamentos. Eu havia acumulado tantas incógnitas em minha cabeça que agora era quase uma rotina. E a cada passo que eu dava, elas pareciam aumentar.

Hoje seria o dia em que eu iria até a biblioteca e fazer algumas pesquisas, caso não fosse interrompida por Dan e sua obsessão por treinamento. E se ele o fizesse, sinceramente, eu o mandaria para o inferno.
Eu não sabia o que poderia encontrar nos livros, mas qualquer informação seria útil o bastante para retirar parte do peso dos meus ombros. Eu sentia que por algum motivo que seja, ele não estava me dizendo a verdade, e sim o que ele sentia que eu deveria saber, como Jack e Gadrieel fizeram no passado. Como Vergil fez. E se tem algo que eu deveria me atentar, seria a qualquer comportamento suspeito que fosse.

Desço as escadas em direção à cozinha e não encontro Ozes. Me lembro dele ter dito algo sobre trabalho extra. Então, pela primeira vez eu estava completamente sozinha, como uma criança qual os pais saem sábados à noite.

Exceto que a criança não estava rodeada por demônios.

Eu já iria tomar um gole do suco de laranja, quando alguém bate à porta. Reviro os olhos e repouso o copo sobre a bancada, imaginando que se tratasse de Dan em sua leve obsessão por treino excessivo quando me deparo com a figura alta e autoritária. Era Azaroth.

As Peças Celestiais: Condenação (Livro ll)Onde histórias criam vida. Descubra agora