Ato 1.
O esguio homem caído em meio à famosa praça abaixo do Masp, dificultava para aqueles que tentavam, sem êxito, desviar o olhar.
Tarde de domingo, passara das catorze horas, segundo horário de Brasília, e continuava a correr como papa-léguas. Olhares levantados e curiosos de cada homem boa pinta, cada mulher de salto alto, cada criança levada, cada ser vivo que vagueava pela grande Avenida Paulista, apontavam para ele. E o homem em questão, que notoriamente pensava-se se tratar de um sem teto, talvez por estar estatelado no calçadão, ou por vestir nada além de um trapo velho - um manto comprido e preto -, olhava para o céu se perguntando se caíra durante a madrugada ou se tal queda fora espiada pelo sol.
Ergueu-se de súbito arrancando gritinhos vociferados de garotas e garotos vestidos de forma vintage. Sentou de pernas cruzadas, os pés sob as coxas e as mãos nos joelhos, a sobrancelha arqueada.
O tecido grosso e pesado, como se feito da pelugem de um cão infernal, deitava em seus ombros. Vagueou os dedos magros pela textura e seguiu para o seu próprio rosto, alisou o cabelo – pontas e cachos ariscos como um arbusto venenoso se enlaçavam à cor caramelo -, por fim, coçou a cabeça no ponto onde sentia uma pitada de dor, lascas de concreto descascavam do couro cabeludo. Uma queda e tanto. Sem paraquedas para ele. Talvez tenha morrido – (risadas de fundo da plateia). Bocejou e acariciou os olhos negros, e logo surpreendeu-se. Sentia sono. Bagunçou o cabelo ao chacoalhar a cabeça. Não devia se preocupar com isso, bastasse finalizar o que fora acordado para fazer, e poderia voltar ao inerte sono no outro mundo.
Buscou por informações com o olhar como um cachorro se orienta pelo faro. Mas exceto pelas pessoas que viravam a cara e pareciam enojadas consigo, sem motivos, apenas o céu nublado e abundante. Apoiou uma das mãos no chão e deu uma conferida onde estava sentado. O cimento afundara em uma redoma invertida de destruição, foi onde atingira o solo e perdera a consciência, e, a julgar pela movimentação da povoação, apenas estar ali era estranho. Não o viram cair dos céus, do contrário haveria as autoridades locais – ninguém cai sem acertar alguma coisa, ninguém cai sem matar alguém de susto.
Que eram esses seres humanos? Ora, eram gente. O correto é quem eram? Passou a ler os lábios desse povo falante que contornava seu caminho, e a ouvir atentamente o idioma. Neurônios recebendo estímulos audíveis e visuais que confundiam e regulavam sua consciência. Primeiro o que lhe veio à mente foi: Portugal, falou com um sotaque semelhante ao mineiro, expulsando as vogais ao falar. Contudo, não parecia como um bingo. Não, não era esse tipo de português.
- Brasil, pátria amada – disse convicto com sotaque paulistano dessa vez. Em meio ao povo brasileiro.
O vento mudou de direção e farfalhou seu cabelo que ia até os ombros, fios voaram. Foi preenchido pela sensação de voar.
Cerrou os olhos e abaixou a cabeça para sentir Fé. Respirou fundo e ar penetrou seus pulmões sobrenaturais gerando mais vida. Perto, bem perto. Abriu-os novamente e esticou a mão direita espalmada para cima, ordenando:
- Venha a mim, minha Fé.
Em segundos um vulto rasteiro como uma sombra rumou em direção à mão do homem. Ajeitou no pulso a pulseira de metal preto com um pingente com um espinho atravessado, era como uma rosa de pétalas murchas que ainda machuca. Algumas pouquíssimas pessoas notaram a estranheza, mas era São Paulo, talvez fosse um apresentador de rua demonstrando os dotes mágicos. Contudo, ali o que se passava não se tratava de mágica de rua, magia falsa. Ao puxar a pulseira perdida de volta aos seus domínios, revelou a marca da magia ancestral, poder divino dado a ele por ninguém menos que o Senhor Todo-Poderoso. Há muito tempo.
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Os Quatro Cavaleiros do Fim
Adventure"Eles vão se levantar frente aos terrores que pairam a terra. Um por um, os quatro hão de vir para tomar dores novas e defender os humanos remanescentes da antiguidade. Do mal, do vil, do estranho e do poderoso, de tudo, se farão de escudo e de espa...