Ato 1.
Olhou a queda abaixo de seus pés, lembrou-se de quando a mãe sempre lhe pedia que se atentasse com o meio fio da calçada antes de atravessar a rua, para não pisar em falso e cair com a cara no asfalto. Lembrou-se de quando era pequeno e em como a calçada parecia alta, uma loooooooooonga queda até a rua. Agora, não caio mais nisso, não é? Se eu cair, não vai ser da calçada.
Rafael outra vez, sentara na mureta da laje de sua casa. Na esperança de sentir – apenas sentir – o afago deles. O feliz carinho. Não pretendia trair o Sol ao admirar a Lua, mas estava difícil diferenciar as coisas.
As lembranças do sonho foram embora rapidamente – ah, demais – e o que sobrara delas? Apenas o vazio e vicioso sentimento de querer mais.
O vento soprou contra ele, mas não trouxe o habitual – comum e corriqueiro – gosto fresco. Apenas um súbito pesar no corpo. Quase perdera o equilíbrio para trás. Mas sentia que deveria perder o peso do corpo inclinando-se para frente. Para a queda direto para a boca do quintal do vizinho, onde o telhado não é de vidro e os sonhos não parecem escapar – não é preciso muito, Rafael, não é preciso pular, só cair. Abelhas enfurecidas dando suas ferroadas.
O peito apertou – Nayara e Lucca, a-amo vocês. Lágrimas caíram como tinta molhada escorregando pelo quadro. Mãos sentindo os tijolos secos; os pés pendurados batiam, sem sintonia. No horizonte, pontilhados coloridos. Acima, apenas constelações. Os borbulhentos sons urbanos cessados. Grilos e criaturas da noite parecendo respirar à espreita, mesmo de longe.
O som da brisa coçando na porta dos ouvidos. Fuuuuuh!
É como respirar, Rafael...
Ato 2.
- É como respirar, Rafael – falou e passou o cigarro para ele.
De primeira, hesitou antes de colocar na boca. Depois, com o filtro amarelo entre dentes, sugou com força como fosse amigo íntimo de décadas da nicotina. Lucca e Nayara, sentados sobre os únicos travesseiros que haviam trazido, observavam como pais orgulhosos – mas os pais de Rafael não estariam felizes.
Tentou respirar normalmente, mas tossiu exalando toda fumaça pela boca.
- A-ah! Cofh... que... cofh... negócio ruim da pega – conseguiu dizer.
- Bem logo você já faz dezessete – Lucca disse. – Significa que, quanto antes aprender que as coisas ruins são na verdade as paradas boas, melhor. Vai lhe poupar um pouco de sofrimento.
- Que baixo astral, Lucca Junior! Sai de perto de mim – Nayara falou e o empurrou. – Sabe o que eu estava pensando hoje? – o olhar brincalhão dela de costume, bem travesso.
- Não sei, o que? – Rafael perguntou.
- Então, foi logo quando acordei. Estava eu no meu quarto, a luz do sol entrando pela janela, vocês sabem que gosto de dormir só com o vidro fechado para acordar com a natureza...
- Lá vem ela com os papos naturalistas dela – Lucca disse e Rafael sorriu.
- Não, não, espera, não interrompe. Continuando! A luz do sol entrando pela janela e senti uma energia boa e quente quando ela me tocou como se Iansã descesse sobre mim. E, eu percebi que hoje fazem exatos dez anos que nos conhecemos.
- Não brinca – Lucca disse, os olhos pretos brilhando na luz do lampião aceso.
- Juro de pé junto. Há dez aninhos, nos juntávamos pela primeira vez no primeiro ano do fundamental, os três novatos, sem amigos.
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Os Quatro Cavaleiros do Fim
Adventure"Eles vão se levantar frente aos terrores que pairam a terra. Um por um, os quatro hão de vir para tomar dores novas e defender os humanos remanescentes da antiguidade. Do mal, do vil, do estranho e do poderoso, de tudo, se farão de escudo e de espa...