Capítulo 9, Ana e Rafael aproveitam o lar

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Ato 1.

Inusitadamente, lá estava outra vez o garoto de cabelo oceânico correndo por sua vida. Para variar ele corria de algo monstruoso, voador e sedento por sua cabeça. Eu sei, não é para tamanha surpresa. Mas como Rafael fora parar nessa situação dessa vez? Onde estava Lucius? E que música estava ouvindo no meio deste alarde?

Vou lhe contar parte por parte.

E como assim quem sou eu? Eu dou é risada de você. Me chamo Ana, mas já me conhece por outro nome. Sou a alma musical de um certo alguém.

Como eu dizia... por partes.

Parte I.

O Cavaleiro o levou em sua foice direto para sua casa, e não, não pousaram no telhado. Desceram na calçada e Rafael entrou mais quieto que uma cacatua alba. De súbito lhe subiu a vontade de revirar o quarto e preparar a mala, pois segundo Morte, a missão para resgatar do sono o chamado Demétrio viria antes do amanhecer. Uma mochila com o essencial parecia boa ideia.

Pisou vagarosamente na sala após abrir a porta balcão (o trinco quebrado por dentro), o fôlego voltou quando ela não rangeu como uma moto furiosa.

Não sabia dizer se estava animado ou preocupado com a missão. Veja, aproveitaria para praticar seu dom – pensou nisso também, chamaria o papel de Penetra de dom? -, mas também poderia se ferrar de maneiras que achava impossível, e a África é um tanto longe para voltarem rapidinho, e a tempo, para o ipê, caso se machucasse bem feio.

Tateou os bolsos. Seu celular estava nas últimas agora, destroçado. Trabalhara muito para comprá-lo, nada vem fácil para ele, disso eu sei.

Hércules miou aos pés em meio à escuridão e Rafael o acariciou antes do dilúvio vir. A luz do corredor acendeu da forma alaranjada de sempre, quase subitamente após ouvir a porta ao fim do corredor abrir-se de supetão. O homem – nem muito alto, mas maior que o filho – veio caminhando afundando os pés nos tapetes e calçando fúria no semblante.

Rafael tão apressado quanto o pai, engasgou e expeliu uma explicação:

- Pai, eu estava na casa de um amigo e a gente acabou pegando no sono estudando e...

Um tapa estalado que fixou fundo no maxilar. Um tapa fervente que lhe cortou o lábio inferior. Um tapa também seco e que calou Rafael, lhe dando nada além de amargura.

- Cale essa boca suja mentirosa – ele vestia um roupão de banho azul marinho como o fundo do mar, e que assim, afundava Rafael na escuridão fria da água salgada.

- Pai, eu...

- Não quero saber, vai, some da minha vista – exclamou em tom baixo.

Rafael como sua prole, obedeceu, mas não permitiu sequer uma lágrima escorrer, se havia alguma ali no canto dos seus olhos, migrou para o sul e virou gelo.

- Quase mata sua mãe de preocupação – ouviu enquanto rumava para seu quarto.

Rafael poderia não perceber, mas eu conhecia no fundo essa preocupação que Jair falara. Dona mamãe dormia em seu grande quarto, sobre sua grande cama, com tamanha preocupação que faria seus pulmões estourarem de tanto que roncava. Pobrezinha.

Acredito que Jair também ponderou dar um safanão no filho, logo, em sua alma também, que sou eu, Ana, claro. E baseando-me em anos e anos de pesquisa de campo, ele também ponderava vomitar o que vinha pensando há semanas, senão meses e possivelmente anos. Vomitaria que seu filho era um desvirtuado infeliz, que se afastara dos caminhos do Senhor, e que como uma ovelha do pastor, deveria estar frequentando a igreja para ser corpo e mente do Pai. Ainda mais agora que encontrava o filho entrando sorrateiramente em plena madrugada após passar um dia sumido. Mas o que nenhum de nós - por nós me refiro exclusivamente a Rafael e a mim, como corpo e alma - sabia nem suspeitava, era que Jair tinha outra preocupação atiçando sua cabeça, para não dizer equívoco de informação. Sofia, a vizinha da casa da rua de baixo, plantara em sua cabeça cristã seu maior temor de todos. Plantara como se planta milho e café. Estaria seu filho saindo escondido durante a calada da noite para encontrar-se com... – se fosse o caso de uma namoradinha, seu Jair, não acha que ele já não teria lhe contado? Tenho pra mim que ele tá envolvido com outro tipo de relação carnal. Longe dele de ser preconceituoso e homofóbico. O filho da vizinha ao lado é gay, sujeito bacana e engraçado, conversava com ele de vez em quando antes dele se mudar para viver com o namorado. Mas se Rafael estivesse saindo para ver algum jovenzinho nojento... não é pecado repudiar, não se está na bíblia.

Os Quatro Cavaleiros do FimOnde histórias criam vida. Descubra agora