Maria empregava distraídos movimentos com a colher de exígua dimensão, no interior da chávena do seu café, enquanto permitia-se ser subjugada pelo turbilhão que enredava os seus pensamentos, responsáveis pelo apoquentado — e atípico — estado de espírito que a dominava. Não era adepta de cafeína. Aliás, prescindia da mesma em prol do seu usual chá. Todavia, afigurava-se a única droga capaz de lhe auxiliar a sustentar a sua diminuta energia, por consequência da indesejada e excepcional insonolência que experienciava. Era, manifestamente, incapaz de desfrutar de um profundo e tranquilo descanso, desde o momento em que encontrou inesperadamente o jogador, e os seus progenitores, na ala oncológica do hospital, cento e vinte e duas horas antes. Não haviam trocado qualquer palavra ou, sequer, consumado contacto visual. Todavia, Maria encontrava-se, perfeitamente, consciente de que se tinham sentido. Que se tinham apreciado e memorizado, ainda que não diretamente. O modo como a sua pele eriçara e um arrepio, pela extensão da sua espinha, dançara, só podiam ter sido provocados pelo cravar do apaixonante e brilhante verde de Diogo nas suas costas. Ela sabia-o. E ele também.
As dúvidas que configuravam as suas reflexões introspectivas, tiranizavam-na, obstruindo-lhe de conquistar a sua singular serenidade. E apesar da aplicação da integralidade dos seus esforços, com o propósito de a mascarar, Maria detinha a total consciência da sua agitada condição. Os inúmeros cenários que lhe trespassavam a mente, para justificar a presença do clã Leite nas instituições hospitalares, comprimiam-lhe o lado esquerdo do peito e conduziam-na a um desalmado choro. A futura profissional na área da saúde almejava, fervorosamente, que nenhum deles se revelasse dotado de qualquer veracidade. Contudo, no seu mais ínfimo ser, reconhecia encontrar-se equivocada e, tão só, iludida. Possuía a percepção de que algo grave feria a família. Só não conhecia qual dos seus membros vitimava mas, todo e qualquer dos dos panoramas idealizados pela sua mente envolvendo cada um deles, afligiam-na. Ponderara, até, interpelar os progenitores e interrogar se os próprios detinham conhecimento sobre o que ocorria no seio do grupo familiar do internacional português, contudo, recuava, exatamente, por recear a resposta. Irrefletidamente, resgatou o seu aparelho electrónico, sito no seu flanco, sobre a superfície da mesa onde havia consumido — ou, pelo menos, tentado degustar — a refeição correspondente ao horário do almoço, e, mais uma vez, pesquisou pelas redes sociais da instituição azul e branca, que empregava Diogo, e do próprio, na procura dominada pelo desespero, por informações ou uma qualquer confirmação, por parte do clube ou do seu jogador, acerca de uma possível debilidade no estado de saúde do próprio. Todavia, o número de publicações e histórias, encontrava-se estagnado, como da última vez que buscara pelos perfis de cada um. Liberou um pesado suspiro, no decorrer do tempo, em que o seu polegar premia a aplicação dos contactos e alcançava o do defesa-central, no entanto, corrompida pela ansiedade e despojada da coragem, que pensara deter, Maria afastou o seu iPhone 8 Plus, movimentando negativamente com a cabeça. Enquanto uma parte de si permitia-se sossegar pela ausência de uma manifestação, por parte de Diogo ou do Futebol Clube do Porto, desejando acreditar que esse era um indício de que tudo se encontrava bem, a outra permanecia inquieta, exatamente, por manter-se na escuridão quando, apenas e tão só, almejava por elucidação, por tão mínima que se revelasse.
— Que cabra, Rafaela! — Ultrajou a sua colega de curso, e a sua mais prezada amizade universitária, assim que a morena de Aveiro, num brusco movimento, lhe extraíra o fone do seu ouvido esquerdo, afastando a suave voz de Rod Stewart, com o seu hit "Have You Ever Seen The Rain", que lhe mimoseva os tímpanos e contribuía, ainda que minimamente, para o atenuar do seu conflito interior.
— Ai, eu é que sou uma cabra? — Expressando-se, nada, afetada pelo modo como a irmã de Francisco, a ela, se havia dirigido, a de cinzentas íris replicou, colocando-se confortável na cadeira situada em posição frontal à da antiga amizade do camisola quatro da formação sob o comando técnico do treinador de profissão, Sérgio Conceição. — Parece que deixaste este mundo faz cinco dias, Maria! — Argumentou, nitidamente, aborrecida e, até, ligeiramente, apreensiva pela apatia exteriorizada pela amiga. — Estás mesmo bem? — Já sem qualquer vestígio de humor na voz, a aveirense interrogou a portuense que, diante da questão, engoliu em seco, empregando a integralidade dos seus esforços, a fim de não subjugar-se às emoções.
O primordial motivo que conduzira a loira a não confessar à morena a razão da sua unusual perturbação residia, unicamente, no desejo que não detinha de, com a exteriorização das suas suspeitas e tormentas, poder correr o risco de converter-se na principal responsável pela propagação de qualquer boato que pudesse, ainda que minimamente, provocar desconforto ou prejuízos ao central portista.
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Maria | Diogo Leite
FanfictionCom a tempestade que da vida de Diogo se viera apoderar, Maria chegou para lhe mostrar que ele a podia ultrapassar, desde que na chuva aprendesse a dançar.