12: Afonso e os Bolinhos Com Gosto de Sol

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Ismália me acompanhou em silêncio, apertando meus dedos por entre os seus enquanto nossos passos reverberavam sobre a calçada da rua das Oliveiras

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Ismália me acompanhou em silêncio, apertando meus dedos por entre os seus enquanto nossos passos reverberavam sobre a calçada da rua das Oliveiras.

Ela tinha o olhar distante e, a julgar pela velocidade alucinada que seu peito subia e descia, perpassando a respiração ofegante por entre os lábios semiabertos, não estava nem um pouco bem. Vê-la assim trouxe aquele tipo inquietude ao meu peito que pressiona tanto que chega a doer, como se o músculo cardíaco estivesse se rasgando, lenta e gradativamente, em dois. Mas os anos de convivência me permitiram conhecer mais de Ismália do que ela sequer imaginava e, ali, eu sabia o que fazer para tentar tornar as coisas um pouco mais doces.

Só esperava que desse certo.

- Pra onde a gente vai? - ela entoou num fio de voz e, quando busquei seu rosto com o olhar, a percepção das bochechas molhadas rasgou mais alguns centímetros do órgão pulsante em meu peito.

- Primeiro, padaria da esquina. - respondi, abrindo um sorriso fraco. - Depois, praia.

Um brilho sublime enfeitou suas orbes e o canto dos lábios se repuxou num sorriso mínimo.

- Obrigada... Por me tirar de lá. Eu nunca pensei que fugiria do meu próprio aniversário, na verdade. - torceu o nariz em uma careta. - De que buraco saiu aquele bendito rato? Semana passada, Judite colocou veneno em tudo quanto é canto da casa...

- Eu não tenho ideia, mas a luta de vocês dois foi fantástica. Deveria virar filme, inclusive. - brinquei, recebendo dela uma risada suave.

- Minha mãe vai me matar quando eu chegar em casa. - afirmou, as orbes se arregalando ligeiramente ao constatar o fato. - Eu tô tão ferrada... Mas não poderia passar mais um minuto naquele lugar.

Suspirei, na tentativa de refrear todas as palavras que se alojaram na minha garganta. Eu sabia que tinha que falar cada uma delas em voz alta, ou, hora ou outra, acabariam me sufocando naquela nuvem tóxica das coisas não ditas. Talvez eu nunca mais tivesse uma oportunidade como a que surgiu naquele dia. Talvez...

Ah, merda. Eram tantos talvez.

Assim que chegamos na padaria, pedi a Ismália para ficar do lado de fora, mas depois de um cruzar de braços e aquele erguer de sobrancelha que lhe era típico, desisti da ideia da surpresa e só dei de ombros.

O cheiro quente dos pães que saíam do forno acariciou minhas narinas e, sem perceber, soltei o ar num suspiro. Observei Ismália, as orbes transbordando gula na direção de todos os doces que coloriam o balcão por trás do vidro e eu senti as notas do dinheiro que ganhara semana passada ajudando meu pai na loja saírem voando. Quase pude ver cada uma delas flutuando no ar para longe de mim, com seus pares de asas celestiais.

- Vai, escolhe o que quiser.

Ela me encarou, com um brilho surreal nadando no castanho das suas íris. Então, pegando-me desprevenido, envolveu os braços ao redor do meu pescoço num abraço firme que tirou todo o fôlego remanescente em meus pulmões. Sequer tive tempo de corresponder, pois, meio segundo depois, ela já se afastava rumo aos seus tão amados doces, deixando-me para trás com um sorriso abobalhado no rosto.

Ismália, Afonso e o Rato Devorador de CoxinhasOnde histórias criam vida. Descubra agora