2: Ismália e os Trambolhos do Desastre

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A culpa não foi minha

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A culpa não foi minha.

Para começar, eu não queria nem um pouco aquela festa de aniversário. Foi tudo invenção da minha mãe, que começou a reclamar do meu baixo astral com a chegada dos tão famigerados dezoito anos e, para tentar tirar as nuvens escuras de desgosto que pairavam sobre a minha cabeça, decidiu reafirmar a tradição de origem pagã historicamente construída pela sociedade e fazer aquela bendita comemoração.

Eu passei semanas tentando convencer a mulher da inviabilidade de uma festa daquele calibre, utilizando-me de argumentos convincentes até mesmo para evitar que o mundo seja comido por alienígenas, como a minha menstruação e uma gripe que eu sequer tinha, mas programaria meu sistema imunológico para desenvolver na fatídica data em questão.

Fatídica, sim. Porque ela determinaria a minha morte. Inclusive, os possíveis confeitos que seriam jogados na minha cabeça deveriam ser substituídos por terra, para acelerar o velório. E mesmo sabendo que nunca iam passar de tirinhas de papel colorido caindo como neve em todas as direções depois do estrondo que as libertaria de dentro daqueles tubos esquisitos, eu ainda tinha um vaga-lume quase morto de esperança.

Nossa casa, com certeza, estaria parecendo um campo de concentração nazista, porque mamãe, sem se conformar com o fato de que eu tinha menos amigos que dedos nas mãos, distribuiria os convites para qualquer coisa viva que passasse por ela, e não me surpreenderia nem um pouco encontrar, até mesmo, um porco de óculos tomando refrigerante no sofá.

Infelizmente, nada do que eu disse conseguiu convencê-la. A festa ia acontecer no dia seguinte e não tinha como escapar, a menos que eu roubasse o corola que o seu Ademir, meu vizinho, vivia estacionando em frente à sua casa com as portas destrancadas ou pedisse carona a algum hippie viajante para fugir da cidade. A segunda eu já tinha descartado há algum tempo, mas a primeira permanecia sob análise minuciosa.

E, lamento dizer, você acabou de ler quatro parágrafos imensos polvilhados de coisas que poderiam ser resumidas com a simples frase "ruim para burro, tragédia inevitável que terei de encarar a todo custo". Merece um prêmio de paciência, com direito a algumas rosquinhas de vento e xícaras de alguma bebida complexa que não existe, porque ninguém sabe fazer ainda, incluindo eu.

- Qual é, não vai ser tão ruim assim.

As palavras de Afonso me fizeram rolar os olhos. Ia ser, sim, ruim para cacete. Era uma festa, e a lei primordial delas era justamente não serem nem um pouco legais. Pelo menos, para mim.

Girei o corpo para encarar meu amigo, agarrando firmemente a cestinha de plástico que abarcava os potinhos minúsculos de vidro e penduricalhos que eu estava juntando dinheiro para comprar há meses, quando decidi que queria mudar um pouco a decoração do meu quarto.

Passara três semanas na casa da minha tia, ajudando-a na arrumação daquele sobrado imenso e, também, nos cuidados com seus quinze gatos para conseguir as notas necessárias. Era o único motivo de estar rodando feito um pião maluco em plena sexta-feira à tarde pelo centro da cidade, tão escorregadia de suor feito um porco em forno médio besuntado na manteiga, com o Afonso em meu encalço utilizando-se de todas as suas artimanhas retardadas para sugar todo o resto de paciência que ainda existia em mim.

Ismália, Afonso e o Rato Devorador de CoxinhasOnde histórias criam vida. Descubra agora