6.1: Ismália e os Conselhos Incríveis

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Depois de tomar minha caneca por entre os dedos, coloquei o café recém feito da garrafa e levei a porcelana aos lábios, com os quadris apoiados no balcão

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Depois de tomar minha caneca por entre os
dedos, coloquei o café recém feito da garrafa e levei a porcelana aos lábios, com os quadris apoiados no balcão. O líquido quente se dissolveu na ponta da minha língua, derretendo-se numa explosão de sabores que iam do doce ao ácido. Então, coloquei a mochila no banco elevado ao meu lado e fisguei o celular de um dos bolsos.

Cacei a minha conversa com Afonso e não consegui conter um suspiro de frustração, que acompanhou meu mordiscar de lábio quando vi que não tinha me respondido desde ontem à noite, quando mandei um gif novo de gatinhos dançantes que tinha achado vagando pela Internet.

Deixei que minha memória passeasse por tudo o que aconteceu na tarde do dia anterior, tentando encontrar algo que eu poderia te feito ou dito de errado. Apesar de saber que não era do feitio do Afonso ficar de birra quando algo assim acontecia, não consegui evitar viajar.

Depois que terminamos de enxugar o chão e arrumar a pizza, eu troquei de roupa, dei uma das minhas camisas enormes que um dia foram dele para que não ficasse com a molhada e uma calça não usada do meu pai, da coleção de vestes que ele deixou no guarda-roupas do quarto da minha mãe e ela ainda não tivera coragem de se livrar. Depois, comemos assistindo BoJack Horseman e Afonso foi embora pouco antes de Rosana chegar do trabalho. E estava perfeitamente normal, não parecia ter sido picado por nenhum mosquito da discórdia.

Claro, tinha a alternativa dele ter sido abduzido por um grupo de vacas mutantes espaciais que poderiam estar mantendo meu pobre amigo em cativeiro com trabalhos forçados. Mas, como esse tipo de coisa só tinha o mínimo sentido na minha cabeça, a única coisa que me restava era formar teorias mirabolantes e enlouquecer até o meu cérebro virar sorvete de caixinha — se é que isso existe.

Merda.

- Cadê aquele teu amigo cacheado? - Judite questionou, como se estivesse lendo meus pensamentos, seu velho sorriso indiscreto sambando nos lábios enquanto deslizava um prato para baixo do fluxo de água que jorrava da torneira.

- O Afonso? - fingi casualidade, enfiando o retângulo eletrônico no bolso traseiro da calça para, em seguida, levar a caneca de volta aos lábios. Mas fui rápida demais, e um gole generoso do café quente pinicou na minha língua, espalhando a ardência dolorosa pela região sensível. - Ai, meu caralho do céu...

Eu tinha - urgentemente - que parar de construir frases assim. Sério. Provavelmente, estaria na minha lista de pecados do juízo final e seria mais um dos motivos que me colocariam para descer de tobogã rumo ao tão famigerado colo do capeta.

- É, ele mesmo. - Judite, aparentemente, não ouvira.

- Ah, tá bem. Eu acho. - dei de ombros, mesmo sabendo que ela não estava me vendo, apenas para tentar afirmar para mim mesma que o fato de não ter certeza dessa afirmação estava incomodando mais do que deveria.

Seu sorriso alargou ainda mais.

- Vocês me lembram muito eu e meu marido quando éramos adolescentes. - fez uma pausa, enquanto deslizava o pano de prato por alguns talheres.

Ismália, Afonso e o Rato Devorador de CoxinhasOnde histórias criam vida. Descubra agora