Dia: 876

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Dia 24 de dezembro de 2035, já é quase natal e adivinha só? Eu não posso nem sair pra comprar um peruzão e comer sozinho no sofá. Culpa daqueles cientistas coçadores de saco, que trabalho demorado... Bom, pelo menos tem café de sobra na dispensa.
São 13:43 da tarde de domingo, eu então começo a ouvir alguns grunhidos vindos perto do apartamento 614 da vizinha . Eu então, chego perto da minha porta, que, por questões de segurança, tem apenas 12 cadeados. Costumo deixar as chaves nos cadeados para ser melhor a abertura dos mesmos. E então, ao abrir a maioria deles, eu coloco só um pedacinho do rosto para observar o corredor, a visão é dificultada por ter um vaso de girassóis, bem ao lado da porta. Me espremo um pouco colocando mais um pouco do rosto para fora e eis então, no meio do corredor, eu consigo ver alguém cambaleando pelos corredores, fazendo alguns grunhidos com a boca e olhando para as lâmpadas, que piscavam sem parar. Dava pra ver suas canelas de primeira vista, sendo elas corroídas por algum tipo de fungo que eu não tenho ideia qual seja pois faltei as aulas de biologia na escola. Mais acima estava sua cintura extremamente magra, era uma mulher, usava calças rasgadas apenas de um lado, o da perna corroída, a outra estava em perfeito estado, com bolsos de fora e uma gosma misturada ao sangue escorrendo pelas suas unhas, algumas quebradas, outras não. Seus dedos estavam dobrados como uma garra. Me aproximo mais um pouco da porta quando derrubo sem querer aquele maldito vaso de girassóis no chão, fazendo um tremendo barulho. Aquela pessoa, por acaso não ouviu absolutamente nada, talvez tivesse um aparelho auditivo ou estava estranhamente obcecada por aquela lâmpada piscante. Aproveitei o momento para por fim, sair pela porta e ver quem estava ali, para minha surpresa, era uma garota do andar de baixo do apartamento 601. Uma garota linda de olhos verdes, estava cursando medicina na faculdade privada que ficava ao final da rua. Lembro de a acompanhar em uma das suas idas à faculdade, dava algumas dicas de estudo também para ajudar. Ela usa uma camisa social azul e estava sempre com uma pasta amarela com alguns papeis do serviço de estagiária. Possui cabelos ruivos e e curtos que constantemente eram separados em mechas presas com uma fivela vermelha. Eu a comparava com uma joaninha apesar que ela dizia ser um golfinho. E é para aquela joaninha na qual eu estou olhando agora. Resolvi então, por impulso, chamar seu apelido: -Amy!? Se perdeu garota? Quanto tempo eu não te vejo... fico até aliviado de finalmente ver alguém real por aq...
Amy então se vira bruscamente em minha direção, fazendo mais um grunhido assustador com a boca, aqui ali me deu arrepios até a espinha. Ela estava com um gesto agressivo no rosto, com a boca borbulhando e olhos negros, que, mesmo sem pupila, ela claramente estava olhando fixamente para mim. Não demora muito tempo para que ela venha correndo atrás de mim, e então eu resolvo levantar a ponta do meu dedo e congelar seus pés no lugar, fico olhando para o seu rosto confuso e gentilmente respondo aos seus grunhidos confusos: 1 para o cara de gelo, e zero para a maluca da calça rasgada.
Não hesitei em fechar a porta em seu rosto, ela era uma garota linda, mas, ela fez por merecer.
Já trancado em meu quarto, pego dois fones de ouvido velhos no guarda-roupa e coloco em meus ouvidos para abafar o barulho dos grunhidos da mulher. O que é que estivera ali fora, já é mais um motivo para que eu permaneça dentro de casa. A melhor solução é colocar uma playlist dos anos 80, e ouvir Paul Anka me acalmando em meio ao caos que estivera em minha vida agora.
Passaram-se horas, eu acabei adormecendo na cama, são 17:35 da tarde, eu tive longas 3 horas de sono. É então que escuto minha porta bater, minha primeira reação, foi fechar os olhos e aumentar o volume novamente mas... as batidas vieram de novo e havia um padrão entre elas seguidos de gritos de ajuda. Não era como um código e sim, como uma pessoa normal faria.
Resolvi então me levantar e ir a caminho do olho-mágico da porta, e bem, era ela. Era Amy, mas, sua boca não estava mais borbulhando e seus olhos estavam claros e lindos novamente. Em meu peito, fica cheio de esperança, e em minha boca abre-se um sorriso de felicidade e um suspiro de alívio. Olho então o olho mágico novamente só para garantir e... ela ainda estava lá. Abri cadeado por cadeado novamente, ela olha em meus olhos e pergunta: - O Oli está? Esse era o apartamento dele. Acho que foi um engano, me perdoe... Amylle começa a se virar cabisbaixa para ir embora, mas começa a sentir uma enorme dor na perna. Ela começa a cair e então eu a seguro em meus braços, levando ela para dentro, sua respiração estava ofegante e seus olhos estavam revirando. Ela acabou desmaiando em minha cadeira, logo após se sentar. Ainda estava extremamente assustado por tudo aquilo que aconteceu, pensar que a Amy havia se tornando em uma espécie de demônio com raiva ou coisa parecida. Era... coisa demais para absorver.
Depois de meia hora, Amy finalmente acorda, assustada e sem entender nada. Estava morrendo de medo, dizia lembrar de estar presa no apartamento desde o início da quarentena. Depois, perguntou quem eu era.
E então eu respondi: -sou eu, seu amigo Oli. Lembra de mim? Eu deixei a barba crescer o que achou?
-Ficou bem merda, Oli. Prefiro sem mesmo... é mais sua cara.
Bem, por um lado ela está certa, eu não faço a barba desde quando tudo começou, talvez seja preguiça, ou talvez seja a falta de vaidade que tenho. Isso tudo me deixou ansioso com o resultado: -Quando será que toda essa merda vai acabar ein? Eu até gosto dessa barba... uma pena.
Amy parece recuperar um pouco da consciência, eu pego um copo d'água para ela, parece estar faminta. Perdeu 16 kg desde quando ficou presa em casa, ela diz.
-As luzes. Você estava vidrada nelas.
-Eu estava!? Mas... eu não lembro de nada desde a hora em que eu consegui sair de casa, isso faz 8 meses atrás, eu acho...
Eu então a conforto um pouco, está um clima quente embora eu esteja ao lado dela. A lua está da cor cinza novamente, e o verão está chegando, me pergunto se o Capitão ainda está cavando na lua a essa hora...
Depois de muita conversa, o tempo passa, e ela então resolve ir dormir. Eu, por outro lado fico acordado vigiando a porta do quarto onde ela está, Uma suíte com um banheiro enorme com banheira e uma grande estante de livros e roupas misturadas. Fico observando ela dormir, que dia... que dia... fico aliviado por finalmente ter alguém para conversar ao invés de Camões ou Shakespeare. Shakespeare é meio tagarela de vez em quando.
O dia amanhece, acabei caindo no sono às 4 da manhã, tive um sono desregulado por conta da preocupação com a garota. Mas rapidamente sou acordado com altos grunhidos vindos do quarto, os mesmos do corredor, os mesmos que Amy fazia enquanto vinha correndo em minha direção. Eu então abro a porta do meu quarto e vejo Amy se contorcendo na cama, no ato, ela grita e esperneia como se estivesse presa e alguém não a deixasse falar. Ela olha pra mim, novamente com seus olhos negros e profundo e diz com uma voz grossa totalmente diferente da dela -ME MATE, ME MATE, ME MATE!
Eu fecho a porta do quarto e ela se levanta da cama em direção a porta, nesse momento, eu a abro novamente apontando agora meus dois braços na direção dela e aperto meus dedos.
Nesse momento, todo o corpo de Amy se congela por completo, a expressão que fica em seu rosto é de puro ódio contra mim. Ela não queria me transformar em um zumbi ou coisa parecida, ela queria...
me matar mesmo.

O Homem De GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora