O Sr Miller

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Meu pai não era o mais santo de todos. Ter que criar um filho super, sozinho é dureza. Tive pedra nos rins aos 17 anos, ou melhor, gelo nos rins. 3 pedras maciças de gelo se alojaram feito diamantes preciosos, tirando a parte do "preciosos". Passei 6 longos meses internado no hospital, aquela merda doía pra caramba. Ele passou 5 meses sem sair do meu lado, no 6º mês ele precisou aceitar uma proposta de emprego em Narikala Fortress, como pediatra.
Saí do hospital sozinho em outubro de 1985.
Na escola, não fui muito popular. Tinha poucos amigos. Sempre soube me cuidar sozinho, resolver meus problemas e manter a calma. Isso foi até a comemoração de dia das mães, onde todos levaram suas mãe e eu... tive que levar a minha avó racista que olhava torto para os vizinhos negros da região. Sempre achei errado, pois não tinha maldade na cabeça até então. Sempre que falo dela, me lembro do Corvo Lunar. Um projeto de batman visionário que era extremamente racista. Ele era capaz de manipular as sombras e o clima. Culpava toda a sua adolescência precária em um agente negro que tomava conta do dinheiro do Corvo. Cresceu sem os pais, morreram poucos anos depois em um acidente de carro junto com sua irmã mais velha. Ele foi o único sobrevivente, tem centenas de cicatrizes pelo corpo com cirurgias e experimentos, desde então, ele parou de crescer e ficou com a aparência de alguém de 34 anos para sempre. Ficou puto e começou a pensar que todos os negros eram iguais, quem passou por cima deles, foi um motorista de caminhão negro também. O Corvo usa apenas uma luva de couro em uma das mãos, "o toque de Deus" ele diz. Logo depois dos pais morrerem, foi levado à adoção e foi adotado por pais militares que lutaram na 2ª guerra mundial. Eram dois malucos, que tinham rifles espalhados por toda a casa. Cismaram que ele teria que se alistar no Vietnã em 1955, onde fez 2354 mortos em combate usando uma máscara de praga com o bico cortado e estrelas brilhantes no lugar das viseiras.
Mesmo sendo um assassino de primeira, ele tinha um coração imenso para crianças, seu filho tem 25 anos hoje em dia, sua mulher foi morar na Itália e nunca mais voltou.
Nos jantares de família, eu sempre ficava por trás nos assuntos. Nunca ganhei uma feira de ciências ou fui o aluno mais inteligente da sala. Los primos, chamava eles assim por terem um sotaque extremamente irritante de mexicano, sempre tinham conquistas incríveis para contar: ganhar um torneio de beisebol, arranjar uma namorada, ter pentelho no saco... por aí vai. Meu pai, nas reuniões, sempre esperava que eu tivesse alguma novidade com que ele se orgulhasse, mas, ficava desapontado sempre. Não dizia nada pois não queria me deixar pra baixo nessas horas. Ele sabia da minha tristeza e insegurança, mas, não me culpava por isso e dava um tapinha nas minhas costas olhando diretamente para mim com aquele olhar de "eu entendo, está tudo bem"
Talvez, se a mãe estivesse viva hoje, saberia me confortar melhor. Meu pai dizia que ela tinha uma voz de anjo e seus cabelos brilhavam ao sol. Me pergunto se ela também tinha poderes. Eu a admiro sem nem mesmo a conhecer.
O "Sr Miller", era chamado assim pelo sua charmosa carequinha, que ele tinha desde os 20 anos. Era zoado na faculdade por isso, mas, tinha uma garota que não o zoava. Até esse ponto, todos sabem quem era essa garota. Ele usava uma gravata borboleta vermelha com listras azuis. Não usava óculos, mesmo com 2,3 graus de miopia no olho esquerdo e um pouco de astigmatismo também. Usava uma camisa por dentro da "calça de carpinteiro", como dizem, branca, e um cinto de couro de cobra. Sapatos sociais pretos e sempre saia com o "cabelo" penteado. Estava na moda na época. Papai sempre foi um cara estiloso, para compensar a sua charmosa carequinha.
Se formou em pedagogia aos 22 anos, na mesma faculdade da minha mãe, que tinha 24. Foi lá onde o romance dos dois começou a criar raízes. Moravam juntos em uma rua do Brooklin antes de se mudarem para a Geórgia em 1967. E foi lá, um ano depois, onde eu nasci.
Meu pai se foi logo depois do meu aniversário de 29 anos, por conta de um câncer de pulmão. E me deixou, como herança, esse apartamento. Esse maldito apartamento que cuido com tanto carinho e que me fez passar por tanta coisa. Ele é a minha batcaverna agora. Ele é enorme, tem dois quartos, e uma varanda gigantesca para fazer churrascos com O Capitão. Uma sala relativamente grande e uma lavanderia com máquina de lavar no fim da cozinha. Está caindo aos pedaços hoje em dia, mas, eu ainda não desisti de tudo isso.
Acabei de terminar o cartaz para a Aurora, ela então aparece na varanda do outro prédio mandando um joinha com as duas mãos para o alto. Eu achei que ela fosse tímida, vendo que ela me enviou uma carta ao invés de simplesmente falar comigo.
Tudo bem, pode ter sido por questões de segurança. Bem, eu vi pouco da Aurora na distância em que eu estou. O que deu para ver foi que ela era uma garotinha negra de cabelos nem tão longos e nem tão curtos assim. Parece gostar de pintar o cabelo, uma mecha rosa e o resto é todo branco. Ela parece ser bem jovem, na real. Faz sentido ela usar o "senhor", na maioria das frases. Usa uma camisa branca com listras cor de rosa e uma máscara branca com um sorriso bonitinho de lado. Tem bom gosto para shorts, ela tá usando um daquelas com algumas estampas, não muitas, mas na medida.
Ela some da varanda e escuto um click, bem na minha porta. -mas que porr...
A porta principal começa a bater, eu assustado vejo pelo olho-mágico e... era a Aurora na porta. Como que ela veio parar aqui tão rápido? Ela é uma super também?
Eu abro os 12 cadeados e rapidamente abro a porta com uma cara de batata no rosto.
-Boa dia senhor do gelo!! Eu sou sua maior fã!!
Por um momento eu penso "cacete, eu tenho fãs que não são da polícia. Ela é da polícia?"
-Fala... garota... como caralhos você veio parar aqui tão rápido?
Ela então tira a máscara da orelha e guarda no bolso esquerdo, e tira um pedaço de papel da bolsa, que, eu não consegui ver da varanda. Ela olha pra mim e me responde com a voz diminuindo a cada frase, de forma modesta, claro.
-Ah, é só um... truquezinho meu...
-Hm, entendi, quer dizer que você é um super também?
Ela responde, passando por debaixo dos meus braços e indo em direção à cozinha. -Bem, é o que parece. Que suéter fedorento, senhor... sabia que é falta de educação atender as pessoas sem calça?
Eu olho para baixo e percebo que só estou usando uma cueca por debaixo do suéter. Essa baixinha também tem visão raio-X?
-Olha sua... desculpe. Foi um descuido meu.

-Relaxa, vovô! A casa é sua. Só vim ver como as coisas estavam. -Eu então começo a coçar a cabeça pensando se aquilo era mesmo real, mas, logo depois me conformo com a situação e pergunto. -Quantos anos você tem?

-Ah, eu tenho 17 anos! Fiz aniversário no domingo de natal. Antes de você saber da minha existência e ficar lutando com um zumbi.

-Não era bem uma zumbi... era minha... amiga de trabalho? Amiga de trabalho. É, amiga de trabalho.

-Aham, sei...
ela então olha para varanda e decide fechar a porta de vidro que dava acesso à ela. Ela diz que assim os pombos não entram e contaminam a casa com doenças. Principalmente o vírus C, a doença viral que estava contaminando o mundo. Eles podiam retrair a doença e espalhar para as pessoas simplesmente cagando em suas cabeças. Eu sempre disse para a vizinha do 614 deixar de cuidar dos pombos em sua janela. Ela só tinha eles como companhia desde quando os netos pararam de visita-la. Eu ficava mal por isso.
-Odeio pombos.

-É, velhote, eu também...

O Homem De GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora