O Mensageiro

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"São 6 da manhã na cidade de Townsville", eu sempre adorei essa frase. O capitão adorava assistir ao desenho na central, o homem de lata achava incrível também, perdia toda a postura de comunista canalha. O Cap era viciado em desenhos, era bem mimado quando criança mas pelo menos aprendeu a ter respeito desde novo. Ele tinha uma certa ligação com a lua, tinha planos de enterrar os pais lá, eu achava uma ideia bem idiota na verdade, mas, sempre apoiei ele. É bom lembrar desses momentos de vez em quando enquanto escrevo, me lembra o tempo de quando eu era vivo, vivo por fora e vivo por dentro. Nessas manhãs, eu imagino pessoas que conheço no trabalho fazendo suas coisas rotineiras: fazer o café, escovar os dentes, assistir a um noticiário... quando se conhece alguém no trabalho é algo totalmente diferente de conviver lado a lado com ela. Era assim com a Amy. Uma vez a vi fazendo dois mistos quentes em casa pela brecha da porta que estava um pouco aberta enquanto eu ia para o supermercado comprar mais café. Ela estava, por algum motivo, com aquelas luvas enormes de pegar bolo no forno. Ver aquilo era algo deprimente. Não é algo íntimo como se estivéssemos vendo nossa mãe chorar. É ruim, como quando nosso pai faz um poema sobre peitos e nos faz ler em voz alta para saber se está no ritmo. Ver as pessoas como realmente são... as estraga.
Eu gostava muito da Amy, não a amava, mas, gostava. Não amar alguém, não significa ter um coração frio como dizem, é só desconfiança mesmo. Algumas vezes, você machuca tanto seu casco de tartaruga na vida, que após todos os pesares ele se reveste e fica mais forte. Você aguenta mais as porradas da vida.
A vida é assim mesmo, ela tem o poder de tirar e dar, assim como tirou a Amy. Ela parecia ser alguém incrível e agora tá descongelando no meu quarto. É bizarro...

Alguns pombos começaram a aparecer, joguei algumas pedras de gelo para me deixarem de luto em paz. No mesmo instante, a tv do quarto 614 liga de novo, está passando a abertura de The Big Bang Theory. Eu sei aquela abertura de cor "Our whole universe was in a hot, dense state Then nearly fourteen billion years ago expansion started, wait The earth began to cool, the autotrophs began...", aquela velha odiava aquela série. Acho que ela não entendia as referências. Mas, por que a tv ligou sozinha? A senhora Martha ainda está lá? Coloquei a minha cabeça pra fora da janela e gritei seu nome duas vezes. Ninguém respondeu, e os pombos começaram a me olhar de forma totalmente estranha. Pombos são estranhos e a conta de luz vai vir cara para aquela velha... depois de longas duas horas, a tv desliga novamente, com um rangido de madeira logo depois. Eu chamo a senhora Martha novamente, mas, sem resposta outra vez. Acho que estou ficando louco, e esteja ouvindo coisas, ou, a senhora Martha esteja viva e surda.

"A noite chegou, continuo escrevendo por aqui. Os dias estão ficando cada vez mais monótonos e isso é de enlouquecer qualquer um. Talvez eu saia amanhã para tomar ar fresco, a casa está ficando muito fria cada vez que o gelo encobre os apartamentos. Ainda não há sinal de ninguém nos outros andares, minha última visita foi algo que nem posso explicar. Ainda espero ansioso por alguém batendo em minha porta dando boas notícias, mas, tudo que tenho é...(rabiscos)"
Por um breve instante eu escuto algumas batidas na porta principal, recrio então um bastão de gelo com as mãos e o empunho sobre minhas costas, não com medo, mas, com confiança. Estou ainda vestindo aquele maldito suéter fedorento, deveria comprar algo diferente no shopping, não vou pegar muita fila se for de manhã cedo. Não tem mais ninguém na rua mesmo. Me aproximando da porta e olhando no olho-mágico não vejo ninguém. Abro a porta, agora com um bastão na mesma direção da minha perna, de forma mais desequilibrada. Abro os cadeados, depois a porta, em seguida olho para os dois lados, como se estivera observando em uma rua movimentada de sexta-feira. Não há ninguém por perto, e então, eu olho para baixo e vejo uma carta. Não recebo uma dessas a anos, não sei o que esperar disso mas... vamo lá!
Pego a carta do chão, e a primeira coisa que vejo em seu verso é "para o senhor de gelo", eu por acaso tenho cara de senhor? Levo a carta para dentro, fecho os cadeados e me sento no sofá vermelho que ganhei de aniversário de 23 anos da minha bisavó. Abro a carta e nela está escrita o seguinte: "senhor de gelo..." puta merda, "senhor" de novo? Tá bom, Oliver... se acalma e continua lendo. Antes disso, eu pego a minha caneta e risco "senhor" e coloco "homem", me sinto mais confortável assim: "homem de gelo, vim por meio desta carta amigável, dizer que sou sua vizinha Aurora do prédio 23! Eu vi o senhor irritado com alguns pombos hoje cedo da minha varanda, confesso que achei o senhor uma graça e dei boas risadas. Você não está sozinho, pode me pedir suprimentos sempre que precisar. Nós temos que nos ajudar nesses tempos. Se você leu isso, coloque um cartaz com um Grande Saturno desenhado na ponta da sua varanda"
Saturno é um planeta lindo, sempre gostei de astrologia quando estudava em meio período na faculdade. O universo é algo tão gigantesco e somos apenas... pequenas migalhas vagando por aí. O Capitão é privilegiado por poder voar por aí numa boa e visitar esses lugares incríveis, será que ele sabe do surto que tá tendo pelo mundo? Talvez eu ligue para ele. Mas é sério que eu vou ter que fazer um cartaz mesmo?

O Homem De GeloOnde histórias criam vida. Descubra agora