Capítulo 1

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Apenas me deixe o assombrar, deixe-me ser o seu fantasma.

Ghost — Parachute

8:00!

O despertador tocou e relutante ele se levantou, se encaminhou até o banheiro, abriu o chuveiro e se jogou debaixo na esperança de que a água gelada levasse consigo as angustias trazidas por ele. Junto às vestes, vestiu o casaco preto de costume e saiu de seu apartamento, caminhando sem saber ao certo para onde estava indo. Deixou apenas que seus desejos o guiasse naquela manhã primaveril.

Suas pernas pareciam ter vida própria e o dirigia por uma estrada longa e curva. À medida que andava os grandes prédios cediam espaço para casas comuns e, em sua maioria, antigas. Inúmeros estilos arquitetônicos se faziam presentes, mas havia algo de semelhante entre elas, os belos jardins, que mesmo no outono estavam perfeitamente floridos, exceto em uma, onde o capim tomava conta, revelando, mesmo que sem intensão, que não havia ninguém ali. Ao menos não mais.

Os números 442 pareciam brilhar diante de seus olhos. O lugar parecia triste e era quase impossível acreditar que ali já houvera algum traço de felicidade. Mas outra coisa o chamou mais atenção, depois de inúmeros meses tinha um carro parado em frente à casa e a somente alguns metros de si. Momentos depois ele viu a materialização de seus desejos, ou em partes. De lá de dentro saíra uma moça de longos cabelos negros, feições meigas e olhos castanhos carregando uma caixa e depositando-a no porta-malas do carro. E ela estava acompanhada.

- Estão todas aí? — perguntou um homem jovem de cabelos curtos e corpo malhado.

- Não. Está faltando uma. Você se importa de ir até lá buscar?

Uma voz doce e suave declamava cada palavra, acentuando os "a" com seu sotaque sulista naturalmente embelezador.

- Tudo bem, já volto.

E assim o rapaz se embrenhou novamente no escuro da casa.

Ele ainda estava parado no mesmo lugar, sem que nenhum de seus músculos se mexessem, apenas observando-a. Tão graciosa quanto a outra. De repente sua voz irrompeu em sua garganta, tomando a si próprio de surpresa.

- Amelia? - gritou.

 A moça procurava quem poderia ter sido até que finalmente seus olhos pairaram sobre ele, assustados. Ela não podia disfarçar o quão admirada estava.

Ele andou os mínimos metros que os separavam, ficando frente a frente com ela.

- Não sabia que estava por aqui. — continuou ele.

Sem muita certeza do que responder, Amelia tentou se mostrar ao menos espantada possível.

- Nem eu sabia que você estava... — procurou por uma palavra que se adequasse ao contexto e não fosse tão ofensiva -... Livre.

Ela parecia indignada, mesmo se esforçando para fingir que não.

- Consegui o direito de responder em liberdade. O juiz achou melhor que fosse assim.

O silêncio desconfortante tomou conta dos dois.

- E você, o que faz aqui? — essa era a pergunta que ele gostaria de ter feito desde o principio.

Desconfiada ela respondeu:

- Já faz algum tempo, alguém deveria vir até aqui e buscar as coisas dela... Bom, com os meus pais longe, eu sou a única pessoa que pode fazer isso. E você?

Ele ponderou sobre o que falar, mas a verdade era que nem mesmo ele sabia responder o motivo pelo qual estava ali, então deixou que as palavras saíssem naturalmente de sua boca.

O Assassinato de Charlotte MillerOnde histórias criam vida. Descubra agora