1. O MÉTODO OPORTUNISTA

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Se é verdade que as teorias são as imagens dos fenómenos do mundo exterior reflectidas no cérebro humano, é necessário acrescentar que, no concernente às teses de Bernstein são imagens invertidas. A tese da instauração do socialismo por meio de reformas sociais – depois do abandono definitivo das reformas na Alemanha! A tese do controlo da produção pelos sindicatos –depois do faIhanço dos construtores de máquinas ingleses! A tese de uma maioria parlamentar socialista – depois da revisão da constituição saxónica e dos atentados no Reichstag ao sufrágio universal. Entretanto, o essencial da teoria de Bernstein ão é a sua concepção das tarefas práticas da social-democracia, o que interessa é a tendência objectiva da evolução da sociedade capitalista que decorre paralela a essa concepção. Segundo Bernstein, um desmoronamento total do capitalismo é cada vez mais improvável porque, por um lado, o sistema capitalista demonstra uma capacidade de adaptação cada vez maior e, por outro lado, a produção é cada vez mais diferenciada. Ainda na opinião de Bernstein, a capacidade de adaptação do capitalismo manifesta-se primeiro no facto de já não existir crise generalizada, o que se deve à evolução do crédito das organizações patronais, das comunicações e dos serviços de informação; segundo, na tenaz sobrevivência das classes médias, resultado da diferenciação crescente dos ramos da produção e da elevação de largas camadas do proletariado ao nível das classes médias; terceiro, finalmente, melhoria económica e política do proletariado, através da acção sindical.

Essas observações conduzem a consequências gerais para a luta prática da social-democracia que, na óptica de Bernstein não deve visar a conquista do poder político, mas melhorar a situação da classe trabalhadora e instaurar o socialismo não na sequência de uma crise social e política, mas por uma extensão gradual do controlo social da economia e pelo estabelecimento progressivo de um sistema de cooperativas.

O próprio Bernstein não vê nada de novo nessas teses. Pensa, muito pelo contrário, que estão em conformidade tanto com algumas declarações de Marx e Engels como com a orientação geral até agora seguida pela social-democracia.

No entanto é incontestável que a teoria de Bernstein está em absoluta contradição com os princípios do socialismo científico. Se o revisionismo se limitasse à previsão de uma evolução do capitalismo muito mais lenta do que é normal atribuir-se-Ihe, poder-se-ia ùnicamente inferir um espaçamento da conquista do poder pelo proletariado, o que na prática resultaria simplesmente num abrandamento da luta.

Mas não se trata disso. O que Bernstein põe em causa não é a rapidez dessa evolução. mas a evolução do capitalismo em si mesma e, por conseqüência, a passagem ao socialismo. Na tese socialista, na afirmação que o ponto de partida da revolução socialista será uma crise geral e catastrófica, é preciso, em minha opinião, distinguir duas coisas: a ideia fundamental e a sua forma exterior.

A ideia é, supõe-se, que o regime capitalista fará nascer de si próprio, a partir das suas contradições internas, o momento em que o seu equilíbrio será rompido e onde se tornará pròpriamente impossível. Que se imaginava esse momento com a forma de uma crise comercial geral e catastrófica, havia fortes razões para o fazer, mas é, em última análise, um detalhe acessório da ideia fundamental. Com efeito, o socialismo científico apoia-se, é sabido, em três dados fundamentais do capitalismo: 1º, na anarquia crescente da economia capitalista que conduzirá fatalmente ao seu afundamento; 2º, sobre a socialização crescente do processo de produção que cria os primeiros fundamentos positivos da ordem social futura; 3º, finalmente, na organização e na consciência de classe cada vez maiores do proletariado e que constituem o elemento activo da revolução iminente.

Bernstein elimina o primeiro desses fundamentos do socialismo científico: pretende que a evolução do capitalismo não se orienta para um afundamento económico geral. Por isso não é uma determinada forma de desmoronamento do capitalismo que rejeita, mas o próprio desmoronamento. Escreve textualmente: "Pode-se objectar que quando se fala da derrocada da sociedade actual, visa-se outra coisa que não uma crise comercial geral e mais forte que as outras, a saber, um desmoronamento completo do sistema capitalista em consequência das suas contradições".

E refuta essa objecção nestes termos:

"Uma derrocada completa e mais ou menos geral do sistema de produção actual é a consequência do desenvolvimento crescente, não o mais provável, mas o mais improvável, porque este aumenta, por um lado, a sua capacidade de adaptação e por outro lado – ou melhor, simultaneamente – a diferenciação da indústria". (Neue Zeit, 1897-1898, V, 18, p. 555).

Mas então uma questão fundamental se põe: esperaremos pelo objectivo final para onde tendem as nossas aspirações e, se sim, porquê e como? Para o socialismo científico a necessidade histórica da revolução socialista é sobretudo demonstrada pela anarquia crescente do sistema capitalista que o envolve num impasse. Mas, se se admite a hipótese de Bernstein: a evolução do capitalismo não se orienta para uma derrocada – e o socialismo deixa de ser uma necessidade objectiva. Aos fundamentos científicos do socialismo restam os dois outros lados do sistema capitalista: a socialização do processo de produção e a consciência de classe do proletariado. Era ao que Bernstein aludia na passagem seguinte: [Recusar a tese do desmoronamento do capitalismo] não enfraquece de modo algum a força de convicção do pensamento socialista. Porque, examinando de mais perto todos os factores de eliminação ou de modificação das crises anteriores, constatamos que são simplesmente premissas ou mesmos germens da socialização da produção e da troca". (Neue Zeit, 1897-1898, V, 18, p. 554).

Num relance, apercebemo-nos da inexactidão destas conclusões. Os fenómenos apontados por Bernstein como sinais de adaptação do capitalismo: as fusões, o crédito, o aperfeiçoamento dos meios de comunicação, a elevação do nível de vida da classe operária, significam simplesmente isto: anulam, ou pelo menos atenuam, as contradições internas da economia capitalista; impedem que se desenvolvam e se exasperem. Assim, a desaparição das crises significa a abolição do antagonismo entre a produção e a troca numa base capitalista; assim, a elevação do nível de vida da classe operária, seja qual for, mesmo quando uma parte desses operários passa a pertencer à classe média, significa atenuação do antagonismo entre o capital e o trabalho. Se as fusões, o sistema de crédito, os sindicatos, etc., anulam as contradições do capitalismo, salvando por esse meio o sistema capitalista da catástrofe (por isso Bernstein chama-Ihes "factores de adaptação") como podem constituir, ao mesmo tempo, as "premissas ou mesmo os germens" do socialismo? É indubitàvelmente necessário compreender que fazem ressaltar mais claramente o carácter social da produção. Mas, conservando-lhe a forma capitalista, tornam supérflua a passagem dessa produção socializada a produção socialista. Assim, podem ser as premissas e os germens do socialismo no sentido teórico e não no sentido histórico do termo, fenómenos que sabemos, pela nossa concepção do socialismo, serem-lhe aparentados mas não suficientes para o instaurar e muito menos para o tornar supérfluo. Só resta, como fundamento do socialismo, a consciência de classe do proletariado. Mas mesmo esta não reflecte no plano intelectual as cada vez mais flagrantes contradições internas do capitalismo ou a eminência do seu desmoronamento, porque os "factores de adaptação" impedem que se produza, reduzindo-se portanto a um ideal, cuja força de convicção repousa nas perfeições que se lhe atribuem.

Numa palavra: esta teoria fundamenta o socialismo num "conhecimento puro", ou para usar uma terminologia clara, é o fundamento idealista do socialismo. Excluindo a necessidade histórica, não deixa de se enraizar no desenvolvimento material da sociedade. A teoria revisionista é obrigada a uma alternativa: ou a transformação socialista da sociedade é consequência, como anteriormente, das contradições internas do sistema capitalista e, então, a evolução do sistema inclui também o acerbamento das suas contradições, acabando necessàriamente um dia ou outro na derrocada sob uma ou outra forma e, nesse caso, os "factores de adaptação" são ineficazes e a teoria da catástrofe é justa. Ou os "factores de adaptação" são capazes de evitar realmente o desmoronamento do sistema capitalista e assegurar a sua sobrevivência, portanto, anular essas contradições e, nesse caso. o socialismo deixa de ser uma necessidade histórica e, a partir daí, é tudo o que se queira, excepto o resultado do desenvolvimento material da sociedade. Este dilema engendra um outro: ou o revisionismo tem razão quanto à evolução do capitalismo – e nesse caso a transformação socialista da sociedade é uma utopia – ou o socialismo não é uma utopia e. nesse caso, a teoria dos "factores de adaptação" perde a sua base.

That is the question: este é o problema.

Reforma ou Revolução? - Rosa LuxemburgoOnde histórias criam vida. Descubra agora