Ao rever o programa socialista, Bernstein começa por abandonar a teoria do desmoronamento do capitalismo. Ora essa teoria é a pedra de fecho do socialismo científico. Rejeitando-a, Bernstein provoca necessàriamente o desabamento de toda a sua concepção socialista. Ao longo da discussão, é obrigado, para sustentar a sua afirmação inicial, a abandonar sucessivamente, uma após outra, as posições socialistas.
Sem a derrocada do capitalismo, a expropriação do capitalismo é impossível. Bernstein renuncia a essa expropriação e coloca como objectivo do movimento operário a realização progressiva do "princípio cooperativo". Mas o sistema cooperativo só pode ser realizado no interior de um regime capitalista. Bernstein renuncia à socialização da produção e contenta-se em propor a reforma do comércio, o desenvolvimento das cooperativas de consumo.
Mas a transformação da sociedade através das cooperativas de consumo, mesmo com o apoio dos sindicatos, é incompatível com o desenvolvimento natural e efectivo da sociedade capitalista. Bernstein renuncia, portanto, à concepção materialista da história.
Mas a sua própria concepção do desenvolvimento económico é incompatível com a teoria marxista da mais-valia. É por isso que Bernstein abandona a teoria marxista do valor e da mais-valia e, simultâneamente, toda a doutrina económica de Marx.
Não pode haver luta proletária de classes sem um objectivo final determinado e sem base económica na sociedade actual. Bernstein abandona a luta de classes e prega a reconciliação com o liberalismo burguês.
Entretanto, numa sociedade de classes uma tal reconciliação é um fenómeno natural e inevitável; Bernstein contesta, por fim, a própria existência de classes na nossa sociedade: a classe operária é para ele uma massa de indivíduos isolados e dispersos, não só política e intelectualmente, mas também econòmicamente. A burguesia, aglomerada politicamente por interesses económicos, também não constitui, segundo ele, uma classe, e a sua coesão só é mantida por uma pressão exterior de cima ou de baixo.
Mas, se não existe fundamento económico na luta de classes e, se se nega, no fim de contas, a própria existência de classes, afirma-se, por isso mesmo, a impossibilidade não só de uma luta futura do proletariado contra a burguesia, mas ainda a sua luta anterior. A própria social-democracia e os seus êxitos tornam-se totalmente incompreensíveis. Ou então explicam-se como o resultado da pressão política do governo; surgem não como uma consequência natural, histórica, mas como o resultado fortuito da política dos Hohenzollern; representam não os filhos legítimos da sociedade capitalista mas os bastardos da reacção. É assim que Bernstein passa, com uma lógica rigorosa, da concepção materialista da história para a do Frankfurter Zeitung ou do Vossische Zeitung.
Depois de ter abjurado de qualquer critica socialista da sociedade capitalista, contenta-se em considerar satisfatório o sistema actual, pelo menos no seu conjunto. É um passo que Bernstein não hesita em dar; considera que na Alemanha de hoje, a reacção não é muito forte: "nos países da Europa Ocidental não se pode falar em reacção política"; pensa que em todos os países do Ocidente a "atitude das classes burguesas em relação ao movimento socialista é mais ou menos uma atitude de defesa e não de opressão" (Vorwärts, 26 de Março de 1899). Não existe pauperização, mas uma melhoria do nível de vida dos operários; a burguesia é politicamente progressiva e mesmo moralmente sã. Não se pode falar de reacção ou de opressão. Tudo é feito para melhorar o melhor dos mundos... Depois de ter dito o A, Bernstein é, lógica e consequentemente, levado a recitar todo o alfabeto. Começou por abandonar o objectivo final do movimento. Mas, como na prática não pode haver movimento socialista sem finalidade socialista, é obrigado a renunciar ao próprio movimento.
Toda a doutrina socialista de Bernstein se desmorona dessa maneira. A orgulhosa e admirável construção simétrica do sistema marxista é, para ele, um montão de escombros onde os destroços de todos os sistemas, os fragmentos do pensamento de todos os grandes e pequenos espíritos encontraram a vala comum. Marx e Proudhon, Leo von Buch e Frantz Oppenheimer, Friedrich-Albert Lange e Kant, Prokopovitch e o doutor Ritter von Neupauer, Herkner e Schulze-Gaevernitz, Lassalle e o professor Julius Wolff: todos contribuíram para o sistema de Bernstein. A cada um foi buscar o seu bocado. Que tem isto de espantoso? Abandonando a perspectiva de classe, perdeu todo o ponto de referência marxista; renunciando ao socialismo científico perdeu o eixo de cristalização intelectual em torno do qual os factos isolados se agrupavam num conjunto orgânico de uma concepção coerente do mundo.
Esta doutrina composta por fragmentos de todos os sistemas possíveis, sem distinção, pode parecer, à primeira vista, uma abordagem livre de preconceitos. Com efeito, Bernstein não quer ouvir falar numa "ciência de partido" ou, mais precisamente, de uma ciência de classe, de um liberalismo de classe ou de uma moral de classe. Julga representar uma ciência abstracta, universal, humana, um liberalismo abstracto, uma moral abstracta.
Mas a sociedade real compõe-se de classes com interesses, aspirações, concepções diametralmente opostas e de uma ciência humana universal no campo social. Um liberalismo abstracto, uma moral abstracta são a consequência da fantasia e da utopia pura. O que Bernstein julga ser a sua ciência, a sua democracia, a sua moral universal, tão impregnada de humanismo, é simplesmente a moral da classe dominante, quer dizer, a ciência, a democracia e a moral burguesas.
Na realidade, negar o sistema económico marxista e converter-se às doutrinas de Bernstein, Boehm, Jevons, Say, Julius Wolff, não será trocar a base científica da emancipação da classe operária pela apologética da burguesia? Evocando o carácter universalmente humano do liberalismo, degradando o socialismo até o transformar numa caricatura, Bernstein retira ao socialismo o seu carácter de classe, o seu conteúdo histórico, em resumo, todo o seu conteúdo; inversamente, faz da burguesia campeã do liberalismo na história, a representante do interesse universalmente humano.
Bernstein condena a excessiva importância atribuída "aos factores materiais" considerados como forças todas-poderosas da evolução, guerreia o "desprezo pelo ideal" da social-democracia; institui-se campeão do idealismo, da moral, enquanto, simultâneamente, se ergue contra a única fonte de conhecimentos morais para o proletariado, a luta de classes revolucionária; fazendo-o, acaba por pregar para as classes operárias o que é a quintessência da moral burguesa, a reconciliação com a ordem estabelecida e a transposição da esperança para a lei do universo moral. Por fim, reservando os ataques mais violentos contra a dialéctica, não estará a visar o modo de pensar específico do proletariado consciente, lutando pelas suas aspirações? Não será a dialéctica o instrumento que deve ajudar o proletariado a sair das trevas onde mergulha o seu futuro histórico, a arma intelectual que permite ao proletariado, ainda sob o jugo material da burguesia, triunfar, convencê-la de que está condenada a morrer, a provar-lhe a certeza infalível da sua vitória? Esta arma não terá desempenhado a sua obrigação no âmbito do espírito da revolução? Bernstein, abandonando a dialéctica, entrega-se ao jogo intelectual menor das fórmulas equilibristas tais como "sim, mas", "por um lado, por outro lado", "ainda que, contudo", "mais ou menos", adopta, lógicamente, o modo de pensar histórico da burguesia decadente, modo de pensar que reflecte fielmente a sua existência social e a sua acção política. O jogo menor do equilíbrio político traduzido por fórmulas: "por um lado, por outro lado", "sim, mas", preciosas para a burguesia actual, encontra o seu fiel reflexo no modo de pensar de Bernstein; e o modo de pensar de Bernstein é o mais sensível e seguro sintoma da sua ideologia burguesa. Mas, para Bernstein, o termo burguês já não designa uma classe; é um conceito social universal. O que significa simplesmente – lógico até às suas últimas consequências, até ao último ponto colocado sobre o último i – que, abandonando a ciência, a política e o modo de pensar do proletariado, abandona igualmente a linguagem histórica do proletariado pela da burguesia. Porque por Bürger (burguês e cidadão) Bernstein entende sem diferenciações, burguês e proletário, homem em geral. É que efectivamente o homem é para ele o burguês, e a sociedade humana é idêntica à sociedade burguesa.
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Reforma ou Revolução? - Rosa Luxemburgo
NonfiksiA social-democracia, dizia Bernstein, devia deixar de ser o partido da revolução social, tornando-se o partido da reforma social. Isso era a expressão teórica de um movimento de integração do partido à ordem capitalista. Coube à Rosa Luxemburgo enfr...