Capítulo 9

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- Ela não tinha o direito de contar pra ele, Sophie!

- Se acalma, Margot! - pediu, se aproximando de mim com sutileza e me ajudando a caminhar até o sofá da varanda.

Assim que comi um ou dois biscoitos, saí da casa do Alex e da Grace. Mandei uma mensagem para que Sophie viesse à minha casa para a gente  discutir sobre seja lá o que ela tinha em mente de uma vez. E agora eu tinha outra pulga atrás da orelha: por que o Alex teve aquela reação? O que de ruim ela falou para que ele me olhasse daquele jeito?

- Se ela contou, o que tem demais nisso? - perguntou, pegando a garrafa de cerveja do chão e levando até a boca.

Nos sentamos de frente para o jardim. O sol já estava se pondo e eu nem reparei em como este dia passou rápido. Há pouco eu estava acordando e agora está quase na hora de dormir outra vez. Acho que a minha vida se resume a isso, afinal.

- O que tem demais? - repeti, suspirando enquanto batia a minha mão no braço do sofá. - O que ele vai pensar de mim? Hein? Que eu aceito presentes caríssimos de homens que não conheço e que vou a lugares com eles dentro de seus carros de luxos e... Ah! Meu pai odiaria saber disso.

Eu estava olhando fixamente para a paisagem à minha frente. Mas agora os meus olhos estavam marejados, embaçando a minha visão e me impedindo de apreciar a vista.

- Margot, se está assim porque acha que o seu pai não se orgulharia de você, está se enganando! Ele sempre irá se orgulhar de você aonde quer que ele esteja! - engoli meu choro diversas vezes antes de concordar.

- Eu só queria que ele estivesse aqui, sabe? - o caroço na minha garganta pareceu aumentar à medida em que eu falava até eu não conseguir falar mais.

Ela deixou a garrafa no chão outra vez e chegou mais perto de mim. Me envolveu em um abraço e colocou minha cabeça em seu colo. Me deitei aos poucos até me deitar por completo. Não falamos nada por meia hora. Ela acariciou meu cabelo enquanto eu deixava que lembranças de quando o meu pai ainda estava vivo viessem à minha mente.

- Uma vez - comecei, com um sorriso a se formar no meu rosto. -, quando eu e o Alex ainda éramos crianças, fomos brincar no quintal e eu o desafiei a subir em uma árvore; aquela que era gigante e que a minha mãe odiava. - expliquei, levantando a cabeça para olhar no rosto de Sophie. - O Alex se desequilibrou e caiu... Ele quebrou o braço e eu me culpei tanto por aquilo. No restante do dia ele falou que por ter sido eu a desafiá-lo a fazer aquilo, eu sentiria a mesma dor que ele estava sentindo - comecei a rir. - E isso é tão engraçado porque eu acreditei verdadeiramente naquilo e até tenho uma cicatriz psicológica. Se é que isso existe. - Puxei a manga da minha camiseta para mostrar a ela.

- Acho que deve existir, sim - falou, passando o dedo por cima da minha tatuagem de um gatinho.

- E então, naquela mesma noite, meu pai me disse que a culpa não era minha e que essas coisas acontecem - continuei. - Ele dormiu sentado na cadeira do lado da minha cama porque eu fiquei com medo de que o Alex podesse ir ao meu quarto quebrar o meu braço ou mexer nas minhas coisas... Eu tinha um zelo com os meus livros, jamais confiaria nele.

- Crianças... - Ela falou, ainda acariciando meu cabelo e agora com um sorriso no rosto.

Nas inúmeras vezes em que eu tinha lembranças com o meu pai, meu dia melhorava instantemente. E foi exatamente assim que aquela tarde terminou: com boas energias e algumas garrafas de cervejas.

(...)

- Amanhã você me pega às oito e meia, sem falta! - Chris balbuciou.

Eu estava próxima da porta da sala, doido para ir embora mesmo que eu tivesse acabado de chegar. Olhava para o relógio e para ela sem parar. Às vezes me dava um bugue e eu deixava por isso. Mas, bom, ela não estava gostando nada disso.

- Oito e meia eu não posso! - criei coragem pra falar. - Tenho que abrir a clínica às sete e pretendo tirar apenas uma hora de almoço. Depois disso só estarei livre às cinco e meia da tarde.

Ela cruzou os braços e com um ar de desprezo na voz falou:

- O seu trabalho é mais importante do que a sua amiga? - você quer mesmo saber? - Hein?

- Se você fosse mesmo minha amiga sequer teria feito essa pergunta.

A deixei com a boca aberta e com fumaça saindo pelas orelhas. Eu queria rir, mas me controlei. Chris consegue ser extremamente chata na maior parte do tempo, e vê-la experimentar do próprio veneno foi um tanto quanto prazeroso.

Eu ainda me sentia mal, mas ao mesmo tempo bem por ter calado a boca dela. Talvez eu regressara para os meus doze anos, mas não importava. Eu finalmente criei coragem pra dizer o que penso na cara dela. E parte de mim está comemorando que eu tenha feito isso.

Quando eu estava chegando em casa, recebi uma mensagem de Sophie que dizia: "Precisamos conversar, sério. Acabei por me dispersar e não fui direto ao ponto. Teve um motivo para eu ter ido te ver hoje à tarde. E acho que agora estou pronta para falar sobre ele".

Respondi a mensagem pedindo para que ela me encontrasse no pub perto da faculdade.

Por favor, não seja sobre o Harry, pedi mentalmente de dedos cruzados enquanto desviava do meu caminho.

(...)

Cheguei antes de Sophie ao pub e puxei conversa com o segurança que estava do lado de fora. Normalmente eu não sou muito de conversar com estranhos, mas a bateria do meu celular acabou e eu não tive outra escolha. Ele era legal e até me mostrou a foto dos seus três filhos e da sua esposa; uma família muito linda, inclusive. Contei a ele que estava esperando uma amiga e ele me contou uma história sobre amizade vivida por ele e um amigo da época da escola. Foi um bom passar de tempo, mas confesso que fiquei aliviada ao ver Sophie sair de um táxi e acenar para mim do outro lado da rua.

— Foi um prazer conversar com você, Jamie. — Acenei com a cabeça e depois fiz um sinal de tchau com a mão. Ele devolveu o cumprimento e voltou à sua postura de homem forte e sério.

Me virei para Sophie com um sorriso sincero no rosto e balancei a cabeça. Ela mexia na bolsa, à procura de algo.

— Acho que fiz um amigo... — Disse, me virando de relance para Jamie.

— É fácil gostar de você, Margot. — Seu olhar se levantou para mim. Ela estava com o rosto vermelho novamente e desta vez um pouco inchado.

— Está tudo bem? — peguei-a pela mão e caminhamos juntas para dentro do pub, onde nos sentamos a uma mesa vazia nos fundos do lugar.

— Eu não sei... — Ela apoiou a cabeça nas mãos e suspirou pesadamente. — Arthur está com aquele papo de: "Eu quero terminar, você não me merece".

Ela não olhava mais para mim, por certo estava com vergonha de si mesma.

— E você andou correndo sem parar por horas para descontar sua frustração, não é? — tomei suas mãos com as minhas e a acariciei.

Ela fez que sim com a cabeça.

— Sophie, sabe que não precisa dele. Você é uma mulher forte e independente. Pode fazer o que quiser quando quiser, porque você é dona de si, incrível, maravilhosa e perfeita em todos os aspectos. Sem contar que é linda! E essa não é nem a sua melhor qualidade. Você ajuda abrigos de animais e sempre me dá uma força na clínica. Visita asilos e orfanatos. Presenteia crianças carentes e até as leva para passear quando pode. Trabalha de segunda à sexta e às vezes nos finais de semana também. — Cheguei mais perto dela no banco e a abracei. — Quando eu crescer, quero ser igual a você.

Ela apertou a minha mão e deixou um beijo na minha bochecha.

Sophie também fez parte de um relacionamento abusivo, mas diferente de mim ela sofre as consequências até hoje. Arthur pra ela se tornou necessário, mesmo que ele não ligue nem um pouco para a mesma. Sempre que os dois brigam, ela corre por horas sem destino certo. E sempre passa mal e desmaia em algum canto da cidade. Mas seus desmaios duram cerca de cinco minutos e quando ela aparece vermelha e suando, eu já sei que aconteceu de novo.

— Eu te amo, Margot! — sussurrou no meu ouvido com os olhos a fitar um quadro do meu lado esquerdo.

— Eu também te amo, Sophie.

Sweet Creature | H.SOnde histórias criam vida. Descubra agora