|Parte I|

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Os dedos calejados passeavam tranquilos pela terceira corda do violão

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Os dedos calejados passeavam tranquilos pela terceira corda do violão.  Com a cabeça voltada para cima, o rapaz tentava perceber quanto ainda precisaria mover as tarraxas para que a nota fosse alcançada em sua perfeição. Brendon mantinha os olhos fechados, deixando com que o som invadisse os seus pensamentos e a vibração lhe desse a direção certa a seguir. No entanto, não conseguira ficar mais de um minuto com as pálpebras coladas. Estava ansioso para que suas pupilas contemplassem, mais uma vez, a figura da jovem debruçada no sofá desconfortável do camarim. Mesmo com o corpo desaconchegado sobre o estofado amarelo, o sorriso que lhe estampava a face era contínuo. Os olhos emocionados, fixos nos dele, eram sempre daquela forma: acolhedores e amorosos.

— Estou tão nervoso — ele disse, encarando os cachos loiros que desabavam abaixo dos ombros. — Ainda bem que posso ver esse seu sorriso antes de entrar.

Ela correspondeu com a face corada, e os dentes perfeitamente brancos e alinhados pareciam ainda mais à mostra.

— Eu te amo, V...

— Está na hora, campeão. — O produtor, que também era amigo pessoal do cantor, abriu a porta com rapidez.

— Eu já volto, meu amor — sussurrou à moça.

Nem sempre ela ia até o palco com ele. 

O rapaz caminhou pelo corredor, ao lado do produtor, com passos coordenados em perfeita sincronia.

— A casa está cheia! — disse o homem calvo.

— Eu nem sei como agradecer, Joseph. Tudo o que tem conseguido para mim, esse lugar, a banda... — Brendon desviou-se de uma das pessoas da equipe que estava na coxia e prosseguiu: — Valeu mesmo, cara!

— Ora, o que é isso? Não começa a chorar agora, não. — Joseph deu dois tapas no ombro de Brendon. — Deixa para fazer isso no final do show. As fãs gostam — murmurou, por fim, e deu uma piscadela.

Antes de entrar no palco, Brendon posicionou o instrumento à frente do corpo e prendeu a respiração por três segundos. Aquele exercício, que a terapeuta sempre lhe passara contra a ansiedade, nunca funcionava muito bem, mas ele tentava.

Pé ante pé, aproveitou a escuridão proposital e caminhou sorrateiramente até o meio do tablado. Em seguida, ajeitou o microfone em uma posição confortável e esperou que o baterista começasse a introdução da primeira canção.

As luzes foram acesas, gritos ensandecidos ecoavam da plateia. Era cada vez mais frequente aquele tipo de recepção por parte de algumas pessoas. Brendon começava a se sentir uma verdadeira estrela do show business.

A noite adentrou ao embalo das primeiras composições do músico, que cuidava com zelo do seu repertório. Só havia um momento do show no qual ele não cantava uma música escrita com as próprias mãos. Nunca, jamais, em hipótese alguma ele deixava de interpretar o cover de sua banda predileta. Era sempre a mesma canção. Ele a repetia em todas as apresentações como forma de reforçar a promessa que fizera à moça que o aguardava no camarim depois de todos os shows: You're never gonna be alone¹.

Estava já no final da sua versão própria quando algo incomum chamou a sua atenção do lado direito da estrutura montada para venda de bebidas. O laranja incandescente reluziu em seus olhos, fazendo com que o coração travasse por um milésimo de segundo.

O que veio depois foi um amontoado de sensações ruins e desesperadoras. Gritos, mas não de amor ou de felicidade, eram de sofrimento, afiliação e agonia. As chamas tão logo se alastraram que foi impossível conter a multidão. Os materiais inflamáveis que circundavam o palco, repleto de ornamentos, cederam ao calor de imediato.

— Brendon, vem! — O rapaz sentiu o corpo paralisado ser puxado para o lado contrário ao da entrada.

— Eu não posso. Ela está lá dentro! — retorquiu.

— Não adianta, você vai morrer se voltar. Não vale a pena, Brendon!

— Você já amou alguém? — perguntou em gritos.

Joseph fez uma série de gestos incompreensíveis, tentando arrancar o cantor do palco a qualquer custo.

— Então me solte! — O rapaz puxou o próprio braço em um solavanco.

Joseph sabia que as chances de Brendon sair intacto eram mínimas. O espaço onde ficava o camarim estava no caminho das chamas, e estas pareciam furiosas e impiedosas. Sentiu-se culpado por não ter conseguido impedi-lo, mas precisava salvar a própria vida. Então, depois de pensar por três segundos exatos, o produtor volveu o corpo para onde imaginava ser seguro e correu o mais rápido que pôde.

Nos corredores de acesso aos cômodos internos, Brendon podia sentir o calor se aproximar, era acompanhado pelos sons das estruturas mais frágeis se rompendo. Ainda com esperanças de salvar o que havia de mais precioso em sua vida, o cantor abriu a porta do camarim, em prantos.

Era tarde demais, o fogo já o acompanhava na entrada...

***

1 - Você nunca vai estar sozinha

790 palavras

You're never gonna be aloneOnde histórias criam vida. Descubra agora