dói, mas passa

Eu não consegui... outra vez.

Nos filmes, eles sempre usam uma lâmina de barbear. Fazem dentro de uma banheira grande e bonita, até a água ficar num tom escarlate, escurecendo aos poucos até que nada dentro dela possa ser visto. Até que não reste mais nada.

Eu não tinha uma lâmina dessas, então pequei um daqueles presto barba, quebrei a parte de plástico e retirei apenas o metal de barbear. Não era afiado o suficiente, mas poderia servir.

Apertei o máximo que eu podia contra a pele do meu pulso, mas eu não conseguia fazer muita força. Assim que as primeiras gotas de sangue saíram, minha mão começou a tremer e a dor tornou difícil continuar.

Eu queria apertar mais. Eu queria apertar até que toda a lâmina sumisse dentro de mim. Até o sangue se derramasse por todo meu braço e eu não enxergasse mais a pele, apenas o líquido vermelho escuro, quase negro. Eu queria apertar até que a dor se tornasse tão insuportável que eu não conseguisse mais. E então ela parasse. E então, não restaria nada.

Sem dores, sem lágrimas, sem eles, sem nada.

Eu queria, mas nem isso eu consegui fazer.

Agora restam apenas dois pequenos riscos levemente avermelhados em contraste com a minha pele clara. Riscos que riem de mim, que me olham de maneira acusadora, com desprezo e escárnio.

Inútil, eu as ouço dizer. Um grande desperdício.

E eu sei que elas tem razão. Se nem pra isso eu tenho capacidade, então não há nada que eu possa esperar.

Mas o que fazer? Se não consigo viver como estou e não consigo sair disso. Me sinto como aquelas boias flutuando no meio do mar, sendo levada na direção que as correntezas queiram, sem chance de escolha, sem opção de fuga.

Perdida, no meio de algo que não posso controlar. Seguindo o caminho dos outros, sem saber pra onde ir, sem conseguir mudar isso. E nem como acabar com tudo.

Eu só queria que isso parasse. E eu não sei como.