Contos da meia noite

Caminhante das Sombras

Eu não me lembro quando tudo começou, mas um dia, um maldito dia, tudo deixou de ser normal. Afinal, quem consegue entrar nas sombras e se mover de um lugar para o outro como se estivesse pegando um táxi? É, ninguém né?

Bem, desculpa te desapontar, mas eu consigo. Eu acho que foi uns quatro anos atrás, quando eu tinha quinze anos que esse estranho poder se materializou. Eu estava presa em casa com meus pais discutindo sobre alguma coisa que eu tinha feito e que tinha incomodado alguém. Do que importa a maldita opinião dos outros?

Tudo que eu queria era desaparecer dali. Ir para algum lugar onde as vozes exaltadas dos dois não me alcançassem, onde os olhares acusatórios dos outros não pudessem me ver. Foi então que aconteceu.

Eu estava com os olhos fechados na época e por isso não entendi o que ocorreu. Eu simplesmente abri os olhos e me vi cercada pelo nada, por uma escuridão que se estendia até o infinito com alguns borrões aqui e ali.

Eu não entendia nada do que estava acontecendo, mas hoje eu sei que eu tinha deslizado para dentro das sombras. Era isso que eu conseguia fazer além de umas outras coisinhas, como ou porque era um mistério, mas isso era irrelevante. O importante era que eu podia fazer isso.

Ainda me recordo de ter de alguma maneira flutuado a um dos borrões mais próximos e ver meu quarto borrado além dele. Olhei para outro borrão e vi a sala lá de casa, vi meus pais discutindo exaltadamente, mas assim como eu queria, eu não conseguia ouvir as vozes deles.

Um sorriso se alargou em meus lábios enquanto eu ria, uma risada silenciosa e me jogava para longe daquele borrão que mostrava meus pais. Eu não entendia nada do que estava acontecendo, mas qual era o problema? Eu tinha conseguido o que eu queria.

Sem perceber, acabei me esbarrando com um dos borrões aleatórios na escuridão e então tudo se distorceu enquanto eu era jogada para fora dali e caia no chão em um beco entre duas casas. Quase matei alguns cachorros que estavam deitados no chão se escondendo nas sombras do forte sol que queimava tudo ali durante a tarde.

Os animais me olharam cheios de confusão. Provavelmente se perguntando de onde uma garota magrela como eu surgiu.

Tentei desesperadamente voltar para dentro daquele lugar, mas eu não fazia a mínima ideia de como tinha ido parar lá dentro e por isso não consegui repetir o feito. Foi a maior dor de cabeça voltar para casa e ouvir as reclamações de meus pais de que eu tinha saído sem autorização deles.

Até hoje me pergunto como eles teriam reagido se eu contasse a verdade. Bem, acho que sei, provavelmente eu teria um longo histórico dentro de um hospício ou algo do tipo.

A segunda vez que minhas habilidades se mostraram para mim, foi quase um ano depois quando estava brincando de esconde-esconde com alguns amigos. Me escondi em um canto escuro atrás de um muro e fiquei esperando para que me encontrassem. No final, a pessoa que perdeu no pedra, papel e tesoura e estava procurando pelos outros veio até onde eu estava, aquele era um ótimo local para se esconder e o maldito sabia disso.

Acabei indo mais para o canto, tentando ao máximo me esconder nas sombras e então senti algo acontecendo, como se a escuridão ficasse mais forte ao meu redor, me engolindo e então o garoto olhou bem para mim, ele franziu a testa e foi embora confuso por não encontrar ninguém.

Não acreditei no que tinha acontecido, novamente algo estranho envolvendo as sombras e minha vontade de querer me esconder e sumir tinha ganhado forma. Tinha sido diferente da vez com meus pais, mas ainda assim o objetivo tinha sido o mesmo.

Quando a brincadeira de esconde-esconde terminou, eu fui correndo para casa e fiquei tentando invocar novamente aquela coisa estranha. Eu já tinha entendido que ela só se materializava quando eu não queria ser vista ou encontrada.