Capítulo 1 - O Prólogo de Tudo

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Gota cai
Gota Pinga
Gota Escorre
Gota Rola
Do equipo de soro ou do meu rosto?
Não sei
Gotas se vão
Gotas

Gostaria de poder começar com muitas respostas.
Mas a cada linha, cada página, tenho mais(más) dúvidas...
- Filipe Muniz


*


- Tenho notícias, boas e más – Humberto, o médico que estava tratando meu caso me disse com um sorriso.

"Ele chegou" Ouvi alguém dizer com muita empolgação, a casa estava cheia, as pessoas de sempre, com a alegria de sempre, o novato era eu. "Parabéns" Alguns gritaram como se eu tivesse de jogar o chapéu de formatura pra cima, mas de fato havia me formado de um ciclo. "Seja Bem-Vindo de volta" A maioria deles dizia, e eu sorria, ainda um pouco desacostumado a andar e a vestir roupa que não fosse camisola hospitalar, as calças estavam todas largas.

- Você vai pra casa – Ele disse com o olhar atencioso e a prancheta na mão.

Eu me sentia feliz e a agoniado, parecia que eu havia entrado, de fato, no Lago dos Cisnes, mas agora começava a minha história, havia um lado bom e ruim, mal eu entrei em casa, sentei no sofá, me deram meus bebês, que estavam animadíssimos ao me ver, em janeiro eles foram pouquíssimo ao hospital, eram tão lindos e eu estava com tanta saudade! Do cheiro, de suas mãozinhas, do cabelo amarelado de Miguel ou dos cachos da minha pretinha, seus sorrisos sem dentes, as manhas e gritinhos que me faziam querer apertá-los até estourar.

- Não tem mais porque segurar você aqui, chega ser cruel... – Me olhava parecendo me analisar – Você é um dos melhores e piores paciente que eu tive – Fiz uma cara engraçada – Você não reclama de quase nada, não pergunta muita coisa, não questiona, trata a gente bem, isso faz a gente se dedicar ainda mais, sabe? Mas quando não achamos nada torna tudo ainda mais complicado, e essa é a má notícia, o conselho de médicos não acha prudente te operar com o pouco que sabemos - Disse se apoiando na cama.

E assim como eles cada vez eu sabia menos, do que acontecia lá fora, do que meus filhos faziam, do ballet, cada vez eu me desligava mais das coisas e ficava mais em mim, não perguntava quem, o que ou o famoso porquê? Não, eu só estava à espera de um milagre, de sair e retomar minha vida. E era o que estava acontecendo naquele início de tarde no dia 15, uma quarta-feira, bolo, refrigerante, cupcakes, coisas que eu nem podia comer, depois de quase um mês em dieta hospitalar.

- Acho que eu agradeço, e fico esperando, acho que vamos nos ver bastante ainda, o pessoal vai ficar feliz que eu vou pra casa – Falei à 90 graus, minha habitual posição dos últimos 28 dias.

Tentei dar o máximo de atenção que eu pude às pessoas, mas eu não conseguia me concentrar, eram muitas vozes, nem meus filhos eu estava conseguindo ter uma plena conexão.

- Não está feliz? – Humberto disse me olhando como meu pai me olhava.

Entrei as crianças pra nem lembro quem, pedi ajuda a Val pra que me ajudasse a chegar no banheiro, morria de medo de cair, fomos, realmente fiz xixi, lavei o rosto, minha cabeça estava com mil coisas por minuto.

- Eu estou, mas não muda nada, eu só vou pra casa, esperar aqui, esperar em casa, eu tenho aprendido a ter paciência, mas não gostaria de ter – Falei e ele concordou, e me deu a mão pra eu segurar, as pessoas sempre faziam aquilo comigo.

Sentei no vaso tampado, fiquei ali pensando, não estava tudo bem, não mesmo, a minha casa estava cheia, as pessoas alegres e felizes, e eu estava... Eu estava sentindo raiva, eu me acostumei com o ambiente do hospital, tudo calmo, refeições com horários, rotinas, pessoas mais ou menos fixas, silêncio e paz, na minha cabeça tão barulhenta.

DE AMIGO PARA NAMORADO  - LamentosOnde histórias criam vida. Descubra agora