Hoje o capítulo será narrado de forma diferente. Quem ainda não conhece essa personagem pode encontrá-la no livro "Valiosa Memória" que será retirado para revisão. Você pode encontrá-la também no mini conto "Onde Se Esconde A Tristeza"
Espero que goste do capítulo. Deixe sua opinião nos comentários. ♡
Observo o rostinho sereno por mais alguns segundos até me certificar de que aquele pequeno ser estava mesmo dormindo. Ao sair do quarto verifico algumas mensagens enviadas pela diretora da ONG. Nos comunicavamos praticamente vinte e quatro horas por dia, mas depois que Renata chegou em Minha vuda tive que mudar minha rotina para me dedicar em cuidar dela. Por esse motivo o contato com a diretora virou virtual, e eu tive que pensar em algum método novo para continuar ajudando vítimas de violência sexual.
Criei um site onde as pessoas podem me procurar sem revelar sua identidade, achei que não daria certo, mas essa iniciativa apenas alavancou o alcance de nossa ONG. Sei como uma vítima se sente. Eu mesma passei anos sem revelar para ninguém o que sofri por medo e vergonha de ser julgada. Desabafar foi uma grande iniciativa e me ajudou muito. Sei que muitos jovens não tem com quem contar nesse momento difícil, por conta disso procuram outras saídas que podem ser muito dolorosas e até estragar suas vidas, mas se eles tiverem a oportunidade de conversar com alguém que lhes entendam, muitas tragédias podem ser evitadas.
Além de me disponibiliza a conversar, também escrevo artigos sobre o assunto. Pretendo deixar bem claro que as vítimas não têm culpa de absolutamente nada e que têm o direito de denunciar, mesmo que isso não apague o que já ficou marcado em seus corpos e em suas lembranças.
Recebo a mensagem de mais um anônimo. Nossa conversa nos emocionou bastante, logo percebi que se trarava de uma adolescente sem apoio emocional. Ela provavelmente estava abrindo seu coração me dizendo tudo que o preenchia, esse provavelmente foi um passo muito grande que ela teve que tomar.
Ela se sentia culpada, não sabia o que fazer de sua vida, tentei convencê-la a me enviar seu contato. Ela ficou receosa pois sabia que com isso o anonimato acabaria. Mas depois de mais alguns minutos conversando ela resolveu ceder. Me enviou número de telefone e endereço. Mandei mais algumas mensagens para ela prometendo que ligaria apenas quando a mesma se sentisse segura, porém ela parou de visualizar as mensagens, fiquei preocupada com ela e esperei alguns minutos, mas nada dela aparecer novamente.
Foi então que resolvi ligar. Minha mente tentava adivinhar o motivo pelo qual a menina não estava mais me respondendo. Eu tentava soar positiva, talvez ela esteja apenas ocupada com algo, talvez ela esteja distraída. Entretanto eu não conseguia ignorar o sentimento ruim que apertava meu coração.
Três toques e nada. Eu já começava a entrar em desespero, até que barulho de ambiente substituiu os bips de espera, foi então que pude respirar aliviada sem saber que seria por pouco tempo.
Ninguém disse nada, foi então que decidi começar a conversa.
— oi… Eu disse que ligaria apenas quando você se sentisse confortável, mas você parou de me responder e eu acabei ficando preocupada.
Nenhuma resposta. Eu sabia que ela estava me escutando, podia escutar sua respiração. Provavelmente a mesma não estava tendo coragem de falar nada e eu tentei entender. Claro, eu posso ganhar sua confiança aos poucos, só assim conseguirei ajudá-la de verdade.
— Eu sei que você pode estar assustada, envergonhada ou algo do tipo. Mas não precisa se preocupar. Se não quiser falar não terá problemas… — Mantenho minha voz mais calma e amistosa possível, não irei assusta-lá de forma alguma. — Agora, se você ainda está na linha é porque não se importa de ouvir minha voz, e eu não me importo em falar mesmo sem ter sua resposta. Par a mim isso não é incomodo algum, contanto que eu possa te ajudar.
Sua respiração ficou mais rápida que anteriormente. A menina se manteve em silêncio por mais alguns segundos até que finalmente pude ouvir sua voz do outro lado da linha.
— Você não precisa mais se preocupar. Pode ficar tranquila que nunca mais precisará perder seu tempo comigo, sei que não mereço depois do que fiz. — Sua voz estava groge e arrastada e pelo que ela me disse eu poderia imaginar o que estaria acontecendo.
— O que você fez? você está em casa? — Não consigo esconder meu desespero.
— Eu já disse que não precisa se preocupar… Já é tarde demais. — Sua frase foi proferida de maneira quase incompreensível, pude escutar seu choro e quase chorei junto.
— Eu preciso saber seu nome! — Digo desesperada já indo até o computador e anotando o endereço que ela havia me mandado anteriormente.
— Meu nome… — Murmura confusa. — Mu nome é Cléo, mas isso não importa, mais.
— Cléo, eu preciso que você continue na linha. Me fala mais um pouco sobre você. — Na verdade eu só queria que ela continuasse acordada.
— Eu-eu não acho que você vai gostar de saber… — Procuro minha bolsa que havia deixado em algum lugar que não me recordo no momento.
— Claro que vou, Cléo. Pode me contar. — Espero por alguns segundos mas nada é dito por ela. — Cléo, você ainda está aí? — A falta de resposta me desespera. — Cléo! — Grito frustrada abrindo a porta de casa e não recebo resposta. Desligo e tranco a porta.
Começo a caminhar mas paro a poucos centímetros de minha porta. Não acredito que iria deixar minha filha sozinha!
Abro a porta rapidamente e vou até o quarto, ela ainda dormia tranquilamente, mas não tinha tempo para admirá-la. Não posso ficar longe dela por nenhum minuto, não ficarei tranquila enquanto não estiver ao seu lado para protegê-la e não a negligenciarei para que mais nada de ruim aconteça a ela.
Pego a mesma no colo e só assim posso sair. Uma parte de minha mente estava tranquila por ter minha filha em meus braços. Por outro lado, me encontro desesperada por saber que a vida de uma jovem está correndo risco e talvez eu possa reverter a situação se chegar a tempo.
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Com Muita Dor, Cléo
SpiritualPara Cléo, a pior coisa que existe é ver as pessoas que mais ama duvidar de seu caráter, e isso acontece quando ela mais precisa, no momento em que ela se sentia fraca, sozinha, despedaçada, abandonada. Cléo nunca iria tirar aquelas imagens da cabe...