UM

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23 de abril de 1980

    Querido diário,

     Não posso deixar de rir ao escrever isso. Acho que estou meio velha para esse tipo de coisa, mas eu precisava compartilhar os últimos dois anos da minha vida. Foram incríveis, só para adiantar.

     Não sei exatamente o que vou escrever, mas um dia, talvez, eu precise de um lembrete de que foi tudo real, que ELE foi real.

      Talvez, aquela que eu era antes volte e as palavras aqui ajudem a trazer a que me tornei depois dele de volta, eu gosto mais dela, acho que sempre fui ela.

      Além de manter as lembranças intactas, eu preciso fazer um balanço de como as coisas estão hoje. Ao meu lado o motivo de você existir dorme tranquilo, os cabelos compridos estão bagunçados. Acabamos de transar e uau... Minhas pernas ainda tremem...


...

      Fecho os olhos pausando minha leitura e podendo sentir as mesmas sensações daquele dia. Olho para o lado dele na cama e, com clareza, mentalmente reproduzo aquela cena. Ele deitado ao meu lado, o lençol cobrindo apenas o meio de suas pernas, os braços cobrindo o rosto, a pele ainda com resquícios de suor e as marcas das minhas unhas.

      Inspiro voltando a leitura.

...


    Foram orgasmos fantásticos, parei de contar depois do terceiro. Estamos reestabelecendo a nossa vida a dois e, como sempre, tem funcionado bastante. Nos completamos, nos bastamos e ele me prova isso todas as noites, as vezes de dia também, quando me possuiu de maneira urgente, desesperada e apaixonada.

   Ainda lembro o dia que o conheci, eu tinha vinte e cinco e o sol estava quente...

Rio de Janeiro, outubro de 1977.

    Ainda não acredito que a Tainara me convenceu mesmo a vir à praia. O sol está me matando e tem areia em todo canto do meu corpo.

─ Vem Pah! ─ Ela grita e caminho quase me arrastando.

─ Já vou! ─ grito impaciente ─ A gente não podia ter ido ? ─ comento e ela revira os olhos.

    Hoje é o nosso dia de folga, algo raro, e como sempre eu pretendia ficar em casa com as pernas para cima, comendo pipoca e vendo algo na televisão, mas não, Tai queria praia, mandei ela olhar pela janela, claro que não seria suficiente e ela insistiu em me arrasta para a praia e descemos Ipanema em direção ao Arpoador.

─ Você vai gostar... Nunca duvide de mim dona Patrícia! ─ Ela caminha de costas e apontando um dedo desafiador para mim. Começo a rir, Tai é completamente maluca. Moramos no mesmo prédio. Na verdade, no mesmo andar, mais especificamente uma de frente para outra.

─ Tudo bem, mas é bom você ter razão ou arrasto essa sua cara bronzeada por toda praia. ─ ameaço, ela me mostra o dedo do meio e para colocando a bolsa no chão e já estendendo a canga para se sentar.

    Paro ao lado dela, olho em volta e não vejo nada que justifique termos andado tanto para estacionar aqui. A praia do Arpoador ainda é mais na frente.

─ Está de gozação certo? ─ Olho para ela indignada de braços cruzados.

─ Senta resmungona. Aguarde mais alguns minutos, você verá. ─ Ela diz confiante e faço o que ela manda.

   A parte da praia em que estamos fica em frente a um bar chamado Miragem, muito apropriado já que aparentemente estamos no meio do deserto.

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