1 - Keylan

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Ela: Como eu queria conseguir dormir...Isso para mim faz tempo que não é possível, nisso eu invejo a minha irmã. Em noites como essa eu saio para caminhar. Ponho a minha roupa mais confortável e vou...sozinha, na noite silenciosa. Isso nunca me incomodou e nem me assustou...

Ele: As noites de minha existência são todas iguais, a não ser por raros momentos em que me pego observando as pessoas em suas rotinas noturnas, mas sem nunca interferir, e nessa cidade são poucos que me chamam atenção, muito poucos.

Ela: Já fazem algumas noites que me sinto como se estivesse sendo observada, resisto a tentação de olhar em volta, de gritar para que, quem quer que seja, apareça, mas não o faço. O que eu sei é que nunca estou sozinha.

Ele: Havia algo de diferente nela, eu podia sentir, eu sempre a vi sair de casa, a noite, sozinha, de pijama e um moleton azul com um desenho de um unicórnio, com os longos cabelos castanhos presos no alto da cabeça com um elástico, que bobagem minha reparar nisso. Ela parecia cansada, como se a muito tempo não tivesse uma boa noite de sono, como normalmente eles tem, e havia algo nela que me atraia. Ela não era igual as outras...

Ela: A minha irmã não era adepta de caminhar, preferia o conforto do sofá e um balde de pipoca, ou então uma boa balada...só sobrava a minha companhia, e por mim estava tudo bem.
- Cuidado, Louise. Não demora...
- Tudo bem, eu volto logo.
Eu já estava acostumada a sair só. Minhas crises de insônia existem desde que eu me lembro. Eu sempre fui mais ativa a noite e a minha irmã nunca teve problema com isso. E desde que eu e a Fabi vinhemos morar nesse bairro, sozinhas,eu passei a caminhar à noite, no começo ela até tentou me acompanhar, mas não foi muito longe. O quarteirão onde moramos não é muito longo, mas é rodeado por árvores que impedem que a luz dos postes iluminem a rua corretamente, deixando tudo um pouco assustador e sombrio. Próximo a um beco eu ouvi um barulho, esperei, não o ouvi mais, julguei que fosse um gato...Não era.

Ele: Eu estava lá. Os nossos encontros noturnos pareciam ser inevitáveis, eu tentava ir para outros lugares, me afastar, mas não conseguia a presença dela me atraia...Mas nessa noite havia algo estranho no ar, havia uma energia diferente, pesada, e ela percebeu, tanto que estava mais exitante na caminhada. Foi quando um barulho chamou minha atenção para um beco, ela parou, dava para ouvir o seu coração acelerado, a respiração ofegante, mas ela continuou andando. Depois um cheiro muito forte de whisky barato e cigarro, um cheiro tão forte que era difícil respirar, foi então que de trás de uns sacos de lixo, surgiu uma figura assustadora que a agarrou.

Ela: Eu não sei de onde ele veio, mas ele estava lá, agarrou o meu pescoço e tapou a minha boca com mãos sujas e fedorentas a cigarro, o que tornou a tentativa de gritar impossível. Tentei lutar contra ele, mas foi em vão, ele era muito maior e mais forte que eu. O cheiro de bebida choca me nauseava, eu temía o pior, mas foi então que eu o vi...

Ele: Ela era pequena demais para lutar contra aquele homem, que burrice a dela sair sozinha aquela hora em uma rua escura. Eu podia ouvir o coração disparado, a respiração forçada, daquele jeito ela não iria resistir muito mais...Eu tinha que intervir.

Ela: Quando ele nos separou eu fui jogada contra uma parede, ao cair no chão bati minha cabeça na calçada...a minha mente nublou, eu via apenas trechos do que estava acontecendo. Ele se aproximou, seu rosto era lindo, parecia um anjo, me pegou no colo e...
- Esqueça. - Uma mão cobre o meu rosto. - Durma. - Eu apaguei.
No dia seguinte, (ou quase dia) eu acordei no batente da minha casa...
- Lou? Lou, onde você estava? O que houve com você?
Minha irmã estava na porta de casa, de roupão, ela nunca sairia de casa assim...
- Me responde. Eu estava preocupada...
- Eu não lembro...

Ele: Eu a pus para dormir e a fiz esquecer do que aconteceu, a fiz esquecer de mim. Eu ainda podia sentir o cheiro dela, o corpo quente e pulsante dela colado ao meu...
- Keylan, onde você estava? Já é quase dia...
- Me desculpe, princesa, eu me atrasei um pouco.
- Me conta uma história?
- Claro, qual você quer ouvir?
Talvez isso me distraia

Ela: A minha cabeça parecia ia explodir .
- Você não lembra mesmo o que aconteceu ontem?
Ela já havia me feito essa pergunta várias vezes e a resposta era sempre a mesma...
- Não, eu não lembro.
- Tudo bem, eu vou trabalhar. Qualquer coisa me liga.
- OK.
A preocupação dela era válida, por que além de um galo roxo na testa, havia marcas de dedos no meu pescoço. À noite eu não fui caminhar, não estava com a mínima disposição. Me sentei na escada e fiquei observando a noite, estava tão tranquila...

Ele: Ela estava bem, apenas com um hematoma na testa. Estava tão linda sob as sombras projetadas pelas árvores, com os cabelos revoltosos pelo vento, o peito subido e descendo pela respiração...
- Então é aqui que você fica toda noite...
- Kênia...eu...
- Calma irmãozinho, eu não vou contar pro papai que você caça perto de casa.
- Obrigado.
Eu acho que dessa vez eu escapei. Se a Kênia descobre o real motivo de eu estar aqui...

Ela: Algumas noites após o meu 'incidente', fui caminhar, a noite estava mais calma e silenciosa que de costume, e estava mais fria que o normal. Foi quando algo chamou minha atenção...
- Olá? - Era uma criança, ela chorava muito. - Oi, princesa, o que você faz aqui a essa hora?
- Eu me perdi, não sei onde está a minha mãe...
- Calma, vem cá, eu vou te ajudar. - eu a abracei e então...
- Kênia, não!!!
Senti uma dor lacinante no meu pescoço, e me senti muito fraca...

Ele: Eu me atrasei naquela noite, não caçava a dias, eu precisava me alimentar.
- Durma. - Quando ela desmaiou. - Por que você fez isso, Kênia?
- Eu estava com fome e ela tem um cheiro tão bom...e um gosto...E eu queria saber por que você vem tanto aqui. O que é, Keylan? Ela é só uma humana.
Eu respiro bem fundo...eu quase a perdi...
- Você não tem jeito. Esquecer. - Eu passo a mão na frente do rosto dela. Furo meu dedo e coloco um pouco do meu sangue na ferida aberta pela Kênia no pescoço dela, que logo se fecha.
- O que você está fazendo?
- Curando ela. Não podemos caçar aqui.

Ela: Algumas horas depois...
- Lou...Lou? Louise, acorde.
- Aí...Oi, Fabi...O que aconteceu?
- Você dormiu na calçada, de novo...
- Que horas são?
- Quase meia noite. Vem, vamos entrar. Amanhã é dia de praia.

Ele: Eu a observei até que a irmã
dela a encontrasse. Já em casa...
- Por que você fez aquilo, Keylan?
- Kênia, por favor, você conhece essa regra melhor do que eu.
- Sei. Para onde você vai?
- Vou sair.
- Mas já é dia.
- Eu sei. Volto logo.

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