Esse conto pode conter gatilho como: depressão e alcoolismo. Caso seja sensível, evite de ler.
📚 Em breve publicado fisicamente 📚
Um dia no meio de toda uma gritaria me peguei olhando para o céu e encontrei refúgio na lua. Algumas pessoas dizem que tem algo meio solitário na lua que a torna bonita, eu discordo. Não é algo solitário, é auto suficiência. Tudo bem, não julgo quem facilmente confunde solidão com não precisar de nada ou ninguém, erro de amador.
É interessante pensar no conceito de auto suficiência e o porquê incomoda tanto as pessoas. Digo, a lua está lá fazendo o trabalho dela e querendo ficar quietinha na sua e aí o que a gente faz? Vamos descobrir a lua! Vamos ser os primeiros a pisar na lua! Para que? Deixa-a em paz!
Quando somos crianças vagamos em assuntos sem nexo para fugirmos da realidade alarmante e toda as vezes que os gritos começavam dentro de casa eu corria para ver a lua e agora que sou adulta corro para o bar.
Com quanto tempo fazendo a mesma coisa ela acaba se tornando rotina? Entrei no bar pela terceira vez naquela semana, sentei-me na mesa afastada próxima do banheiro (ninguém quer sentar-se lá) e pedi um whisky. Odiava essa bebida no início, mas depois de engordar muito com a quantidade enorme de cerveja optei por algo mais forte.
Não reconhecia mais a cara dos garçons, era algo cansativo tendo em vista que eles não duravam seis meses no posto e logo entravam mais. Não era de relevância lembrar deles e eles não precisavam saber de mim.
Estava saboreando minha bebida com os olhos cerrados e tentando me concentrar para não pensar em nada. No terceiro copo as frases não se formavam direito e era o mais perto que eu conseguia chegar de desligar a mente.
Meu campo de visão foi atrapalhado quando o garçom se pôs na minha frente, tirou o avental e se sentou. Percebi que havia depositado na mesa uma coca e me perguntei se havia pedido aquilo... Não. Quando acomodado ele abriu a latinha, pegou um canudo e deu uma grande sugada. Encarei-o boquiaberta sem poder formar as palavras. Ele sorriu e então disse:
- Você é meio solitária né?
Nessa hora a frase formou totalmente na minha cabeça sem demais empecilhos.
- Lembro de ter pedido um whisky, mas não lembro de ter pedido acompanhamento psicológico.
Ele deu uma leve risada e bebeu mais um pouco e sua próxima frase pareceu arquitetada para me atingir.
- É difícil ver uma pessoa triste e não fazer nada. O que houve?
- Meu pai morreu.
E esse foi meu momento de glória. Encarei satisfeita a expressão de empatia derreter em seu rosto enquanto dava mais um gole amargo no meu whisky. Durou segundos pois logo uma nova expressão se formou... Não era piedade, era algo parecido com compreensão. Odiei.
- Trabalho aqui a oito meses e nos oito meses você sempre vem pelo menos umas duas vezes na semana, toma três ou quatro copo de whisky e vai embora sem falar com ninguém. Já perguntei para o cozinheiro da casa e ele - que trabalha aqui dois anos - disse que você manteve essa rotina nos últimos anos também. Quantos pais você tem para viver nessa depressão cumulativa?
Ponderei sobre o assunto. Poderia fazer uma piada ou apenas não responder e mandar ele ir embora, mas estava gostando daquele jogo.
- Só precisei de um para destruir minha sanidade mental, ele era bastante competente nisso.
- Entendo... - Sugou novamente sua Coca-Cola - E quando de fato ele morreu?
- Ontem, estou voltando do velório.
Houve um momento embaraçoso de silêncio até que o garçom se levantou e saiu sem dar qualquer satisfação. Já estava na compreensão de que ele não voltaria até que mais um copo foi depositado na minha frente.
- Achei que iria querer outra bebida para te abastecer enquanto me conta sua história.Observei meu expectador por alguns segundos, ele tinha algumas tatuagens em seus braços que dava um ar mais selvagem, porém seu rosto ainda parecia de um menino que estava terminando o último semestre da faculdade. A manga da blusa estava dobrada até o ombro, me interessava o fato de que ele não tinha um braço torneado para fazer aquilo... E parecia que tinha retornado da praia recentemente pois estava queimado de sol. A parte cômica de tudo aquilo era que nos instantes que ele segurou o copo com a bebida alcoólica conseguia enxergar um homem que provavelmente tinha tantas responsabilidades quanto eu, mas com a Coca-Cola em mão e tomando com canudinho... Não consegui segurar o riso.
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Short StoryContos baseados em histórias reais trazendo átona vivências e convivências. E ai, Tu conta ou eu conto? ** Campeão Geral do concurso Curtas&Boas ** ** Terceiro lugar no concurso Carmina Burana com o conto "Prazer" **