Dez | Angel, O demônio.

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Os olhos de Lídia percorriam os túmulos à sua volta, e um arrepio tomava conta de seu corpo. Seus pés tomavam cuidado para não esbarrar em nada naquele ambiente, e o calor intenso da tarde faziam com que sua testa acumulassem gotículas. Igual a suas mãos. A garota não sabia se aquilo era o verão ou o nervosismo. A sua aversão por cemitério desde que havia sido encontrada naquela noite - desacordada, e quase sem vida - era inegável.

Cinco anos. Na visão dos indivíduos que assistiam a situação de longe, já era tempo de esquecer um trauma, mas mesmo após muita terapia, e até mesmo forçar a entrada de vários remédios no seu organismo, Lídia não esqueceu. Muitas pessoas achavam até mesmo que a garota estava enlouquecendo quando descrevia o que viu, e que aquilo tudo seria um efeito colateral das anestesias que Angel havia dado à ela para fazer o parto. A jovem convenceu a si mesma daquele fato por muito tempo, mas haviam dias que sua mente não conseguia no surrealismo dos acontecimentos, ainda mais quando lia o obituário da irmã, - morte por estrangulamento - haviam várias marcas de mãos infantis em seu pescoço.

A garota deslizou as mãos por cima do tecido fino, e conseguiu sentir a marca da cicatriz sobressaltada que ainda tinha na barriga. Aquele corte quase a fez conhecer a morte de perto. Se não fosse Natália, que acordou horas depois do impacto que havia recebido na cabeça, e ligou desesperadamente para ambulância, com certeza, o destino poderia ter sido diferente. Ela havia perdido muito sangue naquela noite, e era para ter perdido muito mais, mas a perfuração que havia em sua barriga misteriosamente parou de sangrar.

A garota sentiu mãos quentes deslizando em seus ombros, e assim que olhou para o lado, deu de cara com Apolo, carregando em seu rosto uma expressão atônita. Dentro daqueles cinco anos, o rapaz tornou-se o seu marido, e era muito preocupado pelos traumas não superados que perpetuavam em sua mente, apesar de - assim como quase todo mundo - ter dificuldades para entender que uma garota tão aparentemente boa como Angel teria sido capaz de tudo aquilo. Os mais religiosos diziam que ela estava possuída. Os familiares diziam que a jovem foi influenciada por uma pessoa até então desconhecia. Mas Lídia sabia; Angel era o próprio demônio.

- Está tudo bem, amor? - Apolo questionou, deslizando a mão por seu braço e segurando em sua mão. - Se quiser, pode voltar... Eu fico com os seus pais.

- Não. Está tudo bem. Eu prometi para eles que viria visitar o túmulo da Angel no dia do aniversário dela, e eles vieram do interior apenas para isso, seria muito ruim se eu corresse agora. - Admitiu, olhando carinhosamente para o casal idoso à sua frente. Os dois traziam consigo flores em mãos.

Os seus pais eram as pessoas que mais tinham dificuldade de aceitar a maldade de Angel, e inclusive, foram os que mais sofreram na sua morte. Lídia nem questionava mais tal fato. Sabia que eles eram velhos demais para tamanha decepção.

- Deveríamos ter deixado Eloisa com a Natália. - Apolo pronunciou, observando a pequena garota de cabelos pretos compridos, e pele branca como a neve, saltitar entre os túmulos. - Quando era criança eu tinha medo de cemitério. Ela parece que está em um parque de diversões.

- Nossa filha nem sabe que há gente morta dentro dessas paredes de mármore e cimento, Apolo. - Lídia riu.

- Não sei não, ela às vezes...

- Às vezes...?

- Às vezes é inteligente demais para idade dela.

Eloísa realmente era uma criança inteligente, e a incrível semelhança que ela tinha com Elisa era surreal. Desde pequena, a garota nunca havia gostado de Angel, e sem influência nenhuma de ninguém. Ela apenas abaixava todas as fotos da casa dos avós em que a suposta tia estava, e quando questionada o motivo de fazer aquilo, ela apenas respondia que não gostava da imagem dela.

Angel, O demônioOnde histórias criam vida. Descubra agora