Um | Angel, A audaciosa.

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Mais um dia estava iniciando na cidade de São Paulo, e Lídia começava a perceber que havia passado a madrugada inteira estudando, somente pela luz do sol que começava a invadir a janela de seu quarto. As provas iriam começar naquele dia mesmo, e a garota precisava honrar a vaga que havia conseguido na Universidade de São Paulo, esforçando-se ao máximo para suprir da melhor maneira toda grade curricular do curso de Direito.

Assim que fechou o livro que estava lendo sobre Criminologia do Consenso, Lídia escutou duas batidas na porta de seu quarto. Em passos lentos, caminhou em direção ao local em que havia sido emitido o barulho, e seu coração acelerou em imaginar quem seria. Assim que suas teorias foram confirmadas, sentiu seu corpo todo aquecer. Aquele par de olhos azuis escuros eram tudo o que ela ansiava ver. Todos os dias.

— Apolo? — Ela questionou, esfregando os olhos com o objetivo de dispersar o sono.

— Sou eu. E com café. — Ele levantou o imenso copo de cappuccino, e exibiu um sorriso largo, que destacava-se facilmente entre sua barba cerrada.

A garota pegou o copo de cappuccino, e deu um sorriso sem graça em sua direção. Ela sentia-se incomodada por apresentar-se daquela forma — cabelos despenteados e um pijama qualquer — para Apolo. Ele era um homem encantador, e cada vez que chegava mais perto dele, não conseguia evitar o frio na barriga e nem o coração que batia em ritmos desenfreados.

— Veio ver a Angel? — Lídia questionou, fixando seus olhos no líquido marrom do copo.

— Sim, mas deduzi que havia passado a noite em claro mais uma vez. Eu sei que hoje é dia de prova. — O rapaz sorriu.

— Como sabia disso?

— Tanto tempo namorando sua irmã, aprendi a te conhecer também. — Eles respondeu com um sorriso sutil nos lábios, e em seguida, deslizou uma de suas mãos pelos cabelos da garota. — Seu cabelo desarrumado e sua cara de sono não negam.

— Tudo bem. Eu sei que estou horrível. — Bebeu um gole de cappuccino, tentando ignorar aquele fato. — Não me deixe mais sem graça.

— Não disse que estava horrível. — Apolo direcionou seu olhar mais uma vez para garota, que agora, sentiu seu estômago embrulhar com aquela afirmação.

— Atrapalho? — Uma voz fina tomou conta do ambiente, e eles logo perceberam que não estavam mais sozinhos. Era Angel, parada na porta ao lado.

Desde que Lídia começou a estudar na Universidade de São Paulo, mudou-se para um pequeno apartamento em que dividia com a sua irmã na capital. O local era bem movimentado, e a aglomeração observada pela janela daquele apartamento era bem diferente da cidade pacata do interior.

— Não... — Lídia respondeu.

— Bom. — Angel forneceu um sorriso. — Quero conversar com você, Lídia. — Pronunciou, entrando no quarto da irmã sem ao menos pedir permissão, já que estava entreaberto.

Lídia, antes de fechar totalmente a porta, lançou um olhar triste para Apolo, que encarou a garota com um pesar. A jovem sentia uma extrema conexão por ele, como nunca havia sentido por ninguém antes, mas pela consideração que tinha por sua irmã, sabia que nunca poderia assumir tal sentimento.

A garota fechou a porta, e encarou Angel, com seus cabelos na altura do busto, envolvido por cachos loiros, e olhos verdes, tão intensos como uma esmeralda. Lídia questionava em pensamentos como sua irmã conseguia manter aquela boa aparência logo de manhã, mas sabia que esse era mais um dos fatos inexplicáveis sobre ela.

— Nossa, você está acabada. — Angel pronunciou, com desdém. — Tomou banho hoje?

— Ainda não. — Lídia emitiu um suspiro, olhando sua imagem no espelho. O cabelo castanho claro na altura dos ombros estava bagunçado, e a franja na testa quase formava um topete. — Estava estudando.

— Fala sério, Lidi. Apolo nunca vai olhar para você assim. — A garota loira respondeu com um sorriso ardiloso no rosto, provocando a surpresa da irmã mais nova.

— Para de falar besteira. Ele é seu namorado.

— Como se não fosse óbvio a maneira nada sútil que você olha para ele. — A irmã falou de forma descontraída, deitando na cama bagunçada que havia no local, e encarando o teto. — Você é uma estudante de Direito, ele é um advogado doze anos mais velho que você, se quiser transar com ele, vai ter que se esforçar mais na sua aparência. — Virou o rosto para encarar a Lídia, dessa vez, com pena. — Não adianta ter um rostinho bonito, se você mantém esses cabelos desgrenhados na cabeça, Lidi.

— Tudo bem. A gente ainda está falando do seu namorado, tem noção do quanto é um absurdo disso? — A garota especulou em um tom de voz alto.

— Na verdade, noivo.

— Noivo?

— É, ele me pediu em casamento ontem à noite. — Levantou a mão direita, e mostrou a enorme aliança que tinha nos dedos.

A jovem ponderou por um momento tudo o que Angel havia falado. Não entendia como alguém que havia sido pedida em casamento há um dia atrás, era capaz de fazer aquelas insinuações absurdas no dia seguinte.

— Parabéns. — Respondeu, encarando os próprio pés. Algum motivo dentro de seu coração impedia que ela ficasse feliz por sua irmã. — Ainda não entendo aonde quer chegar.

— Lidi... — Angel respondeu com paciência, ficando sentada novamente na cama. — Como irmã mais nova, você sempre quis tudo o que é meu, e como irmã mais velha, estou falando que pode pegar.

— Eu nunca quis...

— Não se faça de sonsa. — Suspirou, caminhando em direção à Lídia, mantendo seus rostos sincronizados e próximos, um de frente para o outro. — Olha na minha cara e fala que não está apaixonada por Apolo.

Em resposta, a irmã mais nova abaixou a cabeça e balançou a cabeça negativamente. Não tinha coragem de mentir para ela, então seus olhos marejavam por ter que confessar aquilo. Ela havia negado aquele fato muitas vezes, até para si mesma.

— Eu juro que não queria estar.

A loira encarou o rosto abatido da garota à sua frente, e sorriu. Não era um sorriso de compaixão, muito menos de afeto, mas sim, um sorriso traiçoeiro. Ela tinha aquela mesma expressão desde pequena, e somente Lídia sabia o quanto era assustadora, pois as ações seguidas após aquele sorriso sempre eram cruéis ou egoístas, como por exemplo, contar uma mentira aos pais, e até mesmo, se fingir de vítima quando propício.

— Deveria perder a virgindade com ele. — Riu. — Por Deus, não vai se guardar para sempre, né?

— Como você sabe... — Pronunciou, e em seguida, parou sua fala. — Eu não sou virgem.

— Quer enganar quem? Ou virgem, ou lésbica. Nunca te vi com um homem se quer. — Pegou no queixo de Lídia, forçando ela a manter o olhar centrado em seu rosto. — E pelo jeito que olha para Apolo, vejo que só uma virgem estúpida mesmo.

A irmã mais nova recuou um passo para trás, encarando o olhar maldoso de Angel. Ela não entendia aonde a garota pretendia chegar com todo aquele assunto, ou se era apenas uma maneira de deixá-la mais desconfortável ainda.

— Qual objetivo disso?

— O objetivo é te dizer para fazer o que quiser com ele, sem essa ética toda que você costuma ter. Se fosse seu namorado, e eu estivesse afim, não iria pensar duas vezes. — Angel disse, caminhando em direção a porta. — Não importa o desejo e a paixão que Apolo possa sentir por você, ele me ama, e isso nunca vai mudar.

— Você é louca. — Lídia respondeu, balançando a cabeça negativamente com a atitude da irmã.

Angel soltou uma gargalhada e inclinou a cabeça sutilmente para trás, encarando a garota com cabelos castanhos e olhar confuso. Ainda com aquele sorriso audaz no rosto, a loira pronunciou:

— Meu nome é Angel, mas posso ser um demônio às vezes.

Após dizer isso, a garota retirou-se do quarto, batendo a porta com brutalidade. Lídia estava quase perdendo o horário da aula, mas ao mesmo tempo, não conseguia sair do lugar. Seu coração continuava disparado, e seus pensamentos giravam em torno das palavras de sua irmã, principalmente das últimas.

— Eu sei que pode, Angel. — Suspirou. — Eu sei que pode.

Angel, O demônioOnde histórias criam vida. Descubra agora