Assim que Lídia retornou ao apartamento, deparou-se com uma embalagem de remédio depositada acima da mesa redonda de madeira que havia na sala de estar, ao lado de um copo de água. Apolo estava sentado em um sofá próximo, com os cotovelos apoiados no joelho e as mão na cabeça.
Haviam passado algumas horas desde que o dia amanheceu, e o sangue esparramado pelo chão já não estava mais lá. A casa tinha um cheiro forte de limpeza, e o chão brilhava como nunca.
A garota sentou-se ao lado de Apolo, e apoiou levemente a mão no ombro dele, com o intuito de chamar a atenção do rapaz. Ele estava disperso em pensamentos, e aquele gesto fez até mesmo com que se assustasse.
— Foi no hospital? — Havia sido a primeira coisa que Apolo perguntou, consequentemente, olhando para barriga de Lídia.
— Eu não ia, mas decidi ir na volta para casa. Está tudo bem, fora a cara feia que me olharam por verem essa marca aqui, me sinto bem melhor. — A jovem sorriu em direção ao homem. — Tem notícias de Angel?
— Tenho. Tem que esperar o prazo de vinte e quatro horas para registrá-la como desaparecida e começarem as buscas. De certa forma eu sabia disso, mas achei que compensava tentar...
— Por que limpou toda sala? Poderia ser considerado a cena de um crime.
— Estranhamente quando cheguei já estava assim. Achei que tivesse sido você. — Ele olhou assustado em direção à Lídia.
— Tenho que parar de deixar a chave reserva embaixo do tapete.
— Na verdade, a chave reserva está comigo. Angel me deu. As únicas pessoas que tinham a chave daqui eram vocês duas e eu.
— Acha que poderia ser Angel? — Ela sugeriu.
— Mas por qual motivo?
— Querendo encobrir rastros.
— Você acha mesmo que sua irmã é uma vilã... Até tentei ver se a portaria tinha a gravação das câmeras, para que pudéssemos ver se alguém havia entrado aqui. Porém, as câmeras estão em manutenção. — Apolo emitiu um riso baixo. — Entenda, Angel é uma garota boa, só mentia às vezes.
— Mentia?
— Como você deve saber, Angel conseguiu um estágio na área de Direito, ou pelo menos, falou que conseguiu. — Ele balançou a cabeça negativamente. — Eu fui até o endereço do trabalho dela e não era um escritório de advocacia, mas sim, uma casa de família. Ela estava trabalhando como babá, cuidando de um menino chamado Yago. Por isso ela nunca quis que eu fosse ao trabalho dela. — O advogado bufou. — Eu sempre ofereci um estágio para ela, para que pudéssemos trabalhar juntos, Angel sempre recusou. Por que ela preferiria trabalhar de babá do que fazer um estágio na área em que estuda?
— Sinto muito...
— Eu vasculhei as coisas dela no tempo em que você esteve ausente, e descobri que ela trabalhava em quatro casas diferentes além daquela. Eu me pergunto o motivo de tanta mentira. — Murmurou.
— A família de Yago falou se reparou em algo de estranho no comportamento dela?
— Não, eles estão muito abalados... Infelizmente o menininho que ela cuidava desapareceu. Yago Rocha. Vi algumas notícias sobre ele antes disso tudo acontecer com a gente. — Respondeu, cabisbaixo. — Fazem duas semanas que ela foi dispensada do trabalho.
Lídia abaixou a cabeça, não sabia o que responder diante daquilo. Notícias envolvendo crianças e animais sempre tiveram o poder de deixar a garota extremamente triste, e por mais que nem saiba quem seja o pequeno menino desaparecido, não conseguia evitar a sensação de angústia.
— Ei, tá tudo bem. — Apolo especulou, envolvendo os seus ombros com o braço, com o objetivo era confortá-la. — A pílula em cima da mesa é por conta de não termos usado preservativo ontem. Resolvi passar e comprar, para você não ter que se preocupar com isso.
— Obrigada. — A garota caminhou em direção à mesa de centro, e ingeriu a pílula junto com o copo de água. — O que vamos fazer agora?
— Tenho o endereço das outras quatro casas que Angel trabalhava, acho que vale a pena averiguar.
— Como conseguiu esses endereços? — Lídia questionou, cruzando os braços, enquanto observava o rapaz à sua frente com desconfiança.
— Eu encontrei no caderno da faculdade que estava na bolsa de Angel. Acabei descobrindo que faz um certo tempo que ela não vai para aula também. — Ele balançou a cabeça negativamente. — Vila Mariana, Barra Funda, Ibirapuera e Jardim Guedala. Quatro localidades totalmente diferentes e distantes daqui. Cada localidade tem o nome da criança que ela cuida na frente; Camila, Fernando, Caio e Elisa.
— Como sabe que é o nome das crianças? Poderia ser outra coisa...
— O nome de Yago também estava lá, na frente do bairro, com a rua e o número em que ele morava. — Admitiu. — Você vai comigo?
— Vou... Claro.
A vontade de Lídia era de dizer não, pelo simples fato de ser sensível a aquele tipo de coisa. Ela reconhecia suas limitações. Porém, ao mesmo tempo, também sentia uma obrigação de descobrir os reais planos de sua irmã, então sabia que independente de suas inseguranças, seu dever era achar Angel.
[...]
— Apolo? — Lídia encarava o homem ao seu lado, sentado no banco do motorista, e cabeça pressionada contra o volante. O carro estava estacionado, e o rapaz estava daquela forma por longos minutos, sem mexer um único músculo. — Apolo?
O volante também era pressionado fortemente pelas mãos de Apolo, e Lídia conseguia sentir sua raiva e confusão com relação ao que havia acabado de descobrir. A garota também sentia-se daquela mesma forma, porém, seu jeito pacífico tentava absorver as informações recentes como um acaso, ou uma simples coincidência.
— Porra! — O advogado gritou. — Cinco crianças desaparecidas, porra!
Lídia abaixou a cabeça ao ouvir mais uma vez aqueles fatos. Haviam cinco crianças desaparecidas, em localidades diferentes, com vidas diferentes, e idades diferentes, e a única conexão que havia entre todas aquelas crianças era Angel. Exclusivamente Angel.
A garota deixava os seus cabelos voarem com o vento que entrava pelo vidro aberto do automóvel. Ao mesmo tempo que a brisa atingia seu rosto, seus olhos eram direcionados para imagem que estava em suas mãos. A última família que haviam visitado era de Elisa Macedo, e eles haviam fornecido uma imagem para que ajudassem com a busca caso tivessem visto a pequena garota em algum lugar. A menina de quatro anos sorria de forma genuína. Os seus cabelos pretos destacavam-se em meio à sua pele alva, e os olhos da garotinha conseguiam ser tão azuis quanto aos de Apolo. Lídia deixou uma lágrima escorrer de seus olhos ao pensar no que aquela criança poderia estar passando.
— Você acha que... — Lídia especulou, mas logo pausou o que estava dizendo por receio de como Apolo se comportaria ao ouvi-la insinuar que Angel estaria por trás daqueles desaparecimentos.
— Acho. — O rapaz olhou em direção à garota ao seu lado, e por fim, forneceu um sorriso torto. — Tenho certeza.
— Sério? — O questionamento foi desferido com surpresa.
— Sim. Eu também acho que a mesma pessoa que raptou as crianças, raptou Angel. — Confessou.

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Angel, O demônio
KorkuAnjos nem sempre tem imensas asas brancas e cabelos loiros encaracolados. Demônios nem sempre usam uma capa preta com uma foice. Lídia Cisneros consegue comprovar isso após o desaparecimento misterioso de sua irmã, Angel. Ao investigar o passado obs...