Capítulo 1 - (re)começar.

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Eu podia começar a contar essa história de quatro maneiras diferentes.
Eu podia começar falando de como foi a chegada dela no condomínio onde eu morava, e em como foi difícil me aproximar ou manter uma amizade. De como o cabelo dela era antes e de como seu olho escureceu conforme o tempo se passou. Podia começar, também, na minha festa de quinze anos, onde os meninos eram bobos (e ainda são) e eu preferi dançar a valsa do príncipe com a minha melhor amiga. Podia dizer como ela ficou bem naquele terno azul escuro. Ou então, eu poderia começar pelo dia do meu casamento, o dia mais confuso da minha vida. Mas dentre todas as opções, acho que eu posso começar pelo óbvio: pelo começo.
Meu nome é GIZELLY BICALHO. Sou neta de Bartolo Montanari, dono de um restaurante de peso em São Paulo. Meu avô nasceu na Itália e morou lá até os quinze anos, que foi quando se mudou para o Brasil com os pais por conta de uma doença da minha bisa que não poderia mais conviver com o clima europeu. Ele então se apaixonou pelo país, pela cultura, pelas pessoas, pela comida. E pela minha vó. Minha avó era uma mulher incrível. Dona madalena, descendentes de Italianos também, conheceu Bartolo quando ele fazia seu trabalho de meio período em uma sorveteria. Cresci ouvindo as histórias deles e a minha favorita sempre foi a de quando eles se apaixonaram.
Bartolo estava vendendo casquinhas no circo que passava na cidade, o dono da sorveteria, Seu marcos, montou uma barraquinha para vender os sorvetes italianos. O circo não tinha barraquinhas de comidas ou bebidas pela falta de verba, mas toda a cidade se mobilizou para montar o lugar e arrecadar fundos para o Circo Abracadabra. O espetáculo seria a noite, mas alguns artistas se interessaram na causa e fizeram uns shows mais cedo no lugar para reunir o pessoal, ao comprar o ingresso para assistir o Circo você poderia assistir todos os shows que estavam tendo.
Bartolo passou a tarde toda vendendo sorvetes, foi a barraca que mais bombou por ter uns sorvetes quase que artesanais, com sabores dos mais variados. A tarde toda ele ficou olhando uma garota, que era a minha vó, e na hora do espetáculo ele levou uma casquinha para ela. Eles viram o show todos juntos, ele usando o uniforme da sorveteria e tudo. No outro final de semana, ela foi onde ele trabalhava. Os dois tinham em torno de 17 anos, Bartolo até hoje tem sotaque forte, na época era pior, ele demorou a aprender o idioma e expressões por achar que voltaria a Itália quando a mãe melhorasse. Infelizmente, minha bisa não aguentou e morreu quando Bartolo tinha 24 anos. Meu bisavô voltou para a Europa, mas Bartolo ficou. E foi aí que ele comprou o terreno da antiga sorveteria do Seu marcos e abriu um restaurante junto com minha avó, o tão famoso BICALHOS
Dona madalena sempre disse que o amor tem que começar simples como um sábado de lazer e leve como a risada da piada boba do palhaço. Tem que ser doce como um sorvete de casquinha. Harmônico como todas músicas que foram tocadas e intenso como as luzes néon da tenda da cigana. Hipnotizante como o mágico do truque inexplicável e nunca enjoar como a pipoca no saquinho. Incrível como algodão doce e sua capacidade de desmanchar na boca, ou de ficar bem pequeno quando apertamos. Gostoso como o refrigerante de saquinho e vivo como as cores de um circo. Pra ser amor, precisa ser o melhor programa de uma tarde de sábado, o sorvete que você espera a semana toda pra tomar, a saudade que não diminui com o tempo. Eu cresci ouvindo e acreditando nesse conto de fadas. Ainda acredito. O amor é o que faz todo mundo ser poeta, ator e até escritor.
Eu não conheci meu príncipe encantado na sorveteria, mas beijei muitos sapos até me casar. E, apesar do meu sonho, não me casei com a pessoa certa. A pessoa certa sempre esteve presente, comigo, mas demoramos a notar. A pessoa certa tem olhos de uma cor indecifrável, um sorriso lindo, queixo quadrado. Não que meu marido seja um cara ruim, ele é incrível. Ele me conhece, cuida de mim, me apoia em tudo. Mas ele não é ela, e eu as vezes acho que tivemos inúmeras chances de ser nós, mas o tempo é uma coisa engraçada. Deu certo na hora de dar certo. Mas acho que no fundo eu sempre soube que o corpo dela encaixava bem demais no meu pra ser só abraço de despedida. Era o abraço que eu queria dormir dentro, todas as noites e inícios de tardes logo depois do almoço.
A gente se conheceu no condomínio onde eu moro. Meu avô é dono do Residencial bicalho, um grupo de 16 quadras num quadrado, com casas em estilo americano: sem portões, no máximo uma cerca para quem gostava. As casas não seguiam um padrão, eu preferia acreditar que era um bairro mágico perdido na grande São Paulo. Lembro como se fosse ontem quando o caminhão de mudança chegou. Eu estava na rua, jogando Bets com Mari, Guilherme, Bia, Manu e Paulinho. Éramos praticamente as únicas crianças do condomínio. Manu, que tinha 10 anos na época, foi a primeira a notar o barulho e avisar para irmos para a calçada. Bia e Guilherme tinham 9, Paulinho tinha 5. Mari faria 8 no mês seguinte. Eu tinha feito 6 há uma semana.
Era cedo, quinta feira. Costumávamos acordar cedo nas férias para aproveitar melhor o dia. No centro das quadras, tínhamos um parque com um tamanho de quatro quadras. Tinha bastante árvores e, quando eu era criança, costumávamos achar que tínhamos uma floresta particular. Do nada, nossa rotina de férias foi quebrada por um caminhão de mudança. Nós morávamos naquela rua e agora teríamos uma nova família morando ali. Será que gostavam de barulho? Será que tinham filhos? Será que teriam um cachorro? Então, o carro da família estacionou logo atrás. Era preto, novo, daqueles grandes com detalhes prateados que a Gizelly de 6 anos não sabia a marca (A Gizelly de 24 ainda não sabe). Do banco da frente saiu um homem, alto e robusto, com ombros largos e uma mulher, um pouco menor em todos os aspectos. Do banco de trás, então, saiu uma menina. Ela usava calças jeans mais justas no joelho e nos tornozelos um sapato estranho que não parecia nenhum tipo de tênis. Uma camiseta preto com uma estampa de um filme que o Guilherme gostava. A garota tinha o cabelo longo preso em um rabo de cavalo alto, o rosto concentrado em algo que ela tinha em mãos. Era um quadrado colorido que na época eu não sabia, mas era um cubo mágico. Ela não olhava nem para o chão, estava focada em girar os lados daquela coisa.
— Conhece ela? — Guilherme  perguntou, baixinho perto de mim.
— Não, mamãe não falou nada dela.
— Não lembra mesmo? — Bia insistiu.
— Eu nem sei quando ela veio ver a casa. — Dei de ombros, segurando meu “taco”, entre aspas, hoje eu reconheço que era apenas um pedaço de madeira.
— A gente devia perguntar se ela quer jogar também. — Mari falou, um pouco ofegante por ter voltado com a bolinha.
— Chama lá. — Guilherme empurrou Bia.
— Não, vai você. — Ela o empurrou de volta. Os dois se conheciam a mais tempo, passavam mais tempo junto e tinham a idade bem próxima, eram quase melhores amigos. Os dois se aproximaram mais ainda com Enzo viajando. Apesar de ser um ano mais novo, Enzo e Guilherme eram a dupla inseparável.
— Eu vou. — Disse, largando o taco no chão e marchando (sim, literalmente marchando) em direção a garota. Próximo a nova família, respirei fundo e disse:
— Moça — chamei a mãe da menina. — Eu sou a Gizelly, minha mãe é a Marcia, a senhora deve ter falado com ela pra comprar a casa. Ela pode brincar com a gente? —Perguntei, apontando. Ela não desviou os olhos do cubo. Os adultos se entreolharam e sorriram.
— Eu sou a Jossi. Pode me chamar de Tia Jo. — A mulher disse. — Marcela, filha?
— Oi, mãe. — A garota levantou os olhos, um tom inexplicável morava ali, fiquei triste por nao ter um lápis de cor, ou giz de cera, ou até mesmo um pote de tinta com aquele tom.
— Essa aqui é a Gizelly, filha da Dona Marcia, lembra? — Marcela concordou com a cabeça. — Ela tá te chamando para brincar com ela e os amiguinhos. Que tal? — Tia Jossi sorriu, mas a garota recuou. Não disse nada, apenas negou levemente com a cabeça e me olhando rapidamente. Meu sorriso desmanchou.
— Tudo bem, quando você quiser brincar é só aparecer, a gente sempre brinca nessa rua. — Dei de ombros, girando nos meus tornozelos e marchando de volta para meus amigos que esperavam uma resposta minha apesar de ter visto tudo. Longe o suficiente para ser seguro, resmunguei: — E eu nem queria brincar com você mesmo, a gente não precisa de nenhuma amiga nova.
— E aí? — Bia perguntou, já desanimada.
— Olha ela é uma chata — cruzei os braços. — Quem tá perdendo é ela. — Fiz um bico. Guilherme, pra descontrair, resolveu brincar:
— Na verdade, quem tá perdendo é o time da Biaaaaa — Ele riu alto, lembrando do combo de pontos que fizemos quando Mari foi buscar a bola no fim da rua.
— Cala boca, seu mané, pelo menos eu consigo acertar a garrafa quando preciso. — Ela mostrou a língua, lembrando do jogo passado onde fomos massacrados. Eu, Guilherme  e Manu voltamos aos nossos lugares, e continuamos o jogo.
Horas depois, quando eu e Guilherme ganhamos o jogo e deu a hora do sol ficar mais forte, voltamos para casa. Eu morava no fim da rua, no 212. Marcela morava no 301. Algumas quadras de distância. Entrei em casa com passos firmes e peito estufado.
— Ih, que cara é essa? — Minha mãe perguntou, cortando o alho para fazer o almoço. — Brigou com o Paulinho de novo?
— Nem foi isso! — Bati o pé, estava só esperando ela perguntar para desabafar com ela. — Chegou’ma menina nova’í e ela é muito chata sabe a gente chamou ela para brincar com a gente e ela teve a coragem mãe ela teve a CORAGEM de olhar na minha cara e dizer que NÃO MÃE VOCÊ ACREDITA NUMA COISA DESSAS?? — Falei tudo muito rápido, a voz subindo em alguns momentos. Cruzei os braços, fazendo bico enquanto minha mãe dava risada.
— Filha, ela talvez só não queira brincar. Ela é nova aqui, não conhece ninguém e pode estar triste por ter se mudado. — Ela me tranquilizou.
— Mas poxa… — mantive o bico.
— Você é igualzinho seu avô em algumas coisas, sabia? — Minha mãe sorriu, colocando um pouco de alho na panela. — Você tem o melhor dos italianos.
— O bom gosto pra comida? — Perguntei, lembrando do meu avô brigando com meu pai que era um crime comer feijão com macarrão.
— Você tem a energia italiana. — Ela limpou a mão no paninho que estava na cadeira. — Você é impulsiva, fala alto, é intensa, filha. — Na época, não entendi nada do que ela disse. Minha vontade foi dizer “mãe eu só tenho seis anos”.
Mas no fundo, ela estava certa. Eu sou extrovertida, eu falo alto, eu mexo muito o corpo. O completo oposto da minha nova vizinha. Depois de um tempo, descobri que ela tinha descendência francesa. Os avós paternos dela moravam lá e o pai veio ao Brasil fazer intercâmbio e acabou ficando por ter se apaixonado. Um típico clichê. A garota nova, apesar de tudo, nunca saia para a rua. Eu só tinha escutado ela dizer duas palavras e mal me lembrava do tom da voz dela. Não sabia se tinha sotaque, mal a via que mal lembrava de seu rosto. Não sabia se tinha conseguido montar aquele cubo idiota. Fevereiro se aproximava rapidamente e com isso o fim das férias.
Lá estava eu, Guilherme, Bia, Mari e Paulinho sentados na calçada. Era uma quarta feira quente, estávamos sentados na calçada em frente à casa da loira, que era em frente à casa da vizinha nova. Fazia cerca de duas semanas que ela tinha chegado. Um moço vendendo picolé tinha permissão para entrar e vender no condomínio as quartas, o que fazia esse ser o melhor dia da semana. O sol naquele horário da tarde não estava tão forte.
— Eu acho que ela é uma vampira. — Guilherme falou, pensativo.
— Realmente, ela é bastante branca… — Bia concordou. Estávamos encarando a janela da sala dela, as cortinas sempre fechadas.
— Será que ela só sai durante a noite? — Paulinho perguntou, seu rosto todo sujo de sorvete de chocolate.
— Será que ela bebe sangue de animais? — Guilherme arregalou os olhos.
— O gatinho da Manu sumiu! — Eu lembrei, sentindo um medo dentro de mim. O diálogo hoje parece bobo, mas na época éramos os próprios detetives do condomínio Bicalho. Nos entreolhamos, sentindo que tínhamos descobrindo um segredo horrível. Sentimos que nosso corpo havia congelado no meio fio. Demos um pulo quando ouvimos um barulho na casa da Vampira.
Estávamos de olhos arregalados e a porta da casa da nova vizinha se abriu praticamente em camara lenta. Tia Jossi acenou sorrindo para alguém dentro de casa e saiu, segurando a bolsa e as chaves do carro. Fechou a porta. Olhou para nós e acenou. Nós não retribuímos de imediato. Ela subiu no carro e saiu. Não tinha brinquedos na garagem. Não tinha uma bicicleta ou patins. Não tinha uma bola ou um pedaço de madeira. Guilherme se levantou.
— Precisamos de alho! — Ele disse, firme, confiante.
— E uma estaca de madeira! — Bia se levantou, também. O carro dos pais da Manu virou a rua e estacionaram. Ela tinha curso as segundas e quartas no período da tarde. Veio correndo falar com a gente.
— O que aconteceu aqui? — Ela perguntou.
— A garota nova é uma vampira que matou o seu gato! — Paulinho disse, parecendo irritado.
— A gente ainda não sabe mas tudo indica que ela é uma vampira. — Eu esclareci, sem querer acusá-la.
— E ela pode beber sangue de animais para não transformar todos em vampiros! — Bia parecia assustada.
— Precisamos de alho, estacas de madeira, uma cruz e lanternas! — Guilherme fez a lista nos dedos.
— Espera aí, gente, vocês estão doidos? — Manu riu.
— A gente tem que matar ela com uma estaca de madeira no coração. É assim que mata vampiros. — Bia respondeu, como uma expert em matar vampiros.
— Estaca de madeira no coração? Qualquer um morre com isso, sua doida. — Ela empurrou a Bia. — De onde vocês tiraram que a Marcela é uma vampira?
— Ela nunca sai de casa, ela não brinca na rua, ela não anda de bicicleta, as janelas estão sempre fechadas e as cortinas também. — Guilherme cruzou os braços, como se isso fosse óbvio.
— Ela pode só não gostar, sabia? — Manu sorriu. — E o meu gato não foi capturado por vampiros.
— Eu ainda acho que ela é uma vampira. — Bia caminhou até chegar ao lado do Guilherme, como se fosse a única explicação lógica.
— Eu tenho medo dela. — Paulinho se levantou, todo sujo com restos do seu picolé derretido.
— Eu acho que eu tenho uma cruz. — Falei.
— Ela não é uma vampira, Gi. — Manu segurou meu ombro.
— Gui e Bia contra a vampira do 301! — Guilherme falou, erguendo a mão para fazer um high five com a Bia. Manu revirou os olhos.
— Vampiros não existem! — Ela insistiu.
— Você disse que o papai noel também, não dá pra confiar em você. —Paulinho foi ficar perto da dupla Van Helsing, que se entre olharam.
— Paulinho tá certo. Papai noel existe. — Falei, cogitando mudar de lado pelo argumento ser na época bastante convincente.
— A Manu pode ser uma também pra defender tanto ela. — Bia sussurrou para Guilherme.
— Sempre achei que a Manu fosse uma bruxa. — Ele respondeu, baixinho.
— Vocês são idiotas. — Ela revirou os olhos. — Eu preciso ir para a casa, tenho que tomar banho.
— Uma bruxa e uma vampira. — Bia parecia pensativa. — A gente precisa de um esconderijo secreto.
— Aquela casinha abandonada na árvore na pracinha! — Ele respondeu. — Eu posso pedir pro meu pai consertar.
— Fechou! — Os dois então saíram correndo para a casa dele, ver se o plano daria certo.
— Você acha que ela é uma vampira mesmo? — Mari me perguntou.
— Eu não sei, mas eu espero que não seja, se não esses dois vão acabar com ela. — Dei de ombros, olhando a casa uma última vez antes de começar a caminhar para minha casa.
Um mês depois, o nosso grupinho tinha uma belíssima casa na árvore, que nossos pais ajudaram a montar por acreditar no valor que aquilo teria para nossa infância. O gato preto da Manu voltou para a casa e Guilherme estava mais certo que nunca que uma comunidade de seres sobrenaturais estava se aglomerando no nosso condomínio. Ele tinha feito uma lista de provas sobre o porquê Manuela era uma bruxa (das boazinhas, porque ela sempre era legal com a gente) e que Marcela era uma vampira que poderia ou não gostar da gente. Pela teoria dele, a única pessoa que poderia falar com ela era a nossa bruxa Manu. A teoria dele se confirmou quando estávamos brincando a noite na rua, com o pequeno Trovão (o gatinho da Manu), quando a porta da casa da Marcela se abriu e eles saíram para subir no carro.
Como sempre, nós congelamos. O pequeno Trovão, por outro lado, se aproximou. Guilherme estava tenso ao meu lado, Bia parecia que podia sair correndo a qualquer momento. O gatinho se aproximou da “vampira” e ganhou um afago atrás da orelha. Nos entreolhamos. Trovão parecia calmo. Manu se aproximou dela enquanto Marcela se abaixou para pegá-lo. Elas trocaram algumas palavras e a vizinha nova entregou o gato para a Manu sorrindo e se afastou acenando.
— O que foi que aconteceu? — Guilherme perguntou, quando ela e o gato voltaram para perto de nós.
— Ela é legal. E gosta de gatos. — Manu respondeu.
— Eu disse que você ia simpatizar com ela, bruxas e vampiras tem tudo pra ser amigas. — Ele disse. Revirei os olhos.
As poucas vezes que a vimos, era noite. E por um tempo, eu mesmo acreditei que talvez ela fosse uma vampira. As aulas começaram e não a vimos ir para aula, ou chegar da aula. Mudando um pouco o foco, a gata da Manu que tinha sumido estava grávida e a gente notou isso logo no começo de fevereiro. Meu pai não gostava de gatos, porém eu insisti muito e minha mãe disse que eu podia pegar um gatinho, mas ele era responsabilidade minha. Na segunda semana de Abril, ele nasceu. Era preto e eu resolvi chamar de Leão. Eu lembro certinho daquela sexta à noite, leão (como eu o apelidei) era um filhote agitado, estava nas primeiras semanas de vida e era muito curioso. Minha mãe falava que eu tinha que deixá-lo dentro de casa, tinha um homem na rua que tinha cachorros de grande porte que eram obedientes, mas detestavam gatos. O gato da Manu era “cara de pau”, fugia sempre deles e parecia se divertir quando era perseguido.
Minha mãe havia pedido para eu tirar o lixo, e eu deixei a porta aberta. Nisso, Leão correu em disparada para fora de casa. Eu demorei a notar que ele saiu, porque um milagre aconteceu naquela noite: Marcela estava do lado de fora da casa, com uma bicicleta e sua mãe fazia algo no jardim. Parecia ter sido nova, ela usava capacete. Apenas notei que meu gato estava fugindo quando vi ele subir a rua. Isso já tinha acontecido antes, mas Guilherme havia pegado ele para mim. Mas hoje era sexta, e os pais dele eram adventistas. Ele não podia sair sexta à noite. Na verdade, nem em casa estava.
— LEÃO! — Gritei, começando a correr. — Mãe, o Leão tá fugindo! — Avisei, tentando inutilmente alcançar aquela bola de pelo e de energia.
Marcela olhou para trás, para mim, e depois para o gatinho. Se virou rapidamente para a mãe e pareceu dizer algo, olhou para mim e fez sinal com a mão para que eu parasse. Eu parei, mesmo sem entender, então ela começou a pedalar, descendo a rua atrás do gato. Um cachorro latiu, e Leão fez a curva. Ela foi atrás. Fiquei parada, esperando, enquanto minha mãe se juntava ao meu lado. Menos de 3 minutos depois, vi a bicicleta subir a rua novamente. Marcela segurava o guidão com apenas uma mão agora, a outra estava segurando algo que estava dentro do moletom vermelho que ela vestia. Se aproximou de mim, parando a bicicleta e descendo com um sorrisinho de canto. Eu não sabia o que significava, mas meu coração de 6 anos deu um salto no meu peito. Ela parou, na minha frente. Puxou o gatinho de dentro do moletom, ela cheirava tão bem. Os cabelos caiam no ombro, bagunçados.
— Obrigada… — Falei, pegando o Leão das mãos delas. Os olhos me encaravam, refletindo os postes amarelados e dando a ela um tom de olhos de gato de rua. — Qual é o seu nome mesmo?
— Marcela. — Ela disse, com aquele sorrisinho sem mostrar os dentes. — Meu nome é Marcela.
E foi aí que eu conheci a garota da minha vida.

Notas Finais

A História não é minha, é uma adaptação, a original é escrita por @xthezahir.

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