Capítulo 34 - Tenta me reconhecer no temporal

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Eu já havia passado por momentos difíceis. Já havia acordado de madrugada levar amigos para a emergência, já havia parado na emergência algumas vezes também, por motivos que nem gosto de lembrar… Achei que depois de ter basicamente morado em um quando minha mãe adoeceu, aqueles corredores brancos jamais me trariam tanta angústia outra  vez. Mas lá estava eu, caminhando de um lado para o outro, com uma garrafa de água na mão. Eu sentia que a recepcionista já estava tão agitada quanto eu, vendo meu desespero evidente andando de um lado para o outro. Gizelly já estava lá dentro uma eternidade, meu coração mal cabia no peito. Acho que eu já havia decorado todo o piso da sala de espera e analisado todos os erros de design interno daquele lugar… Com certeza aquele lugar não deveria ser tão mórbida, a luz branca em excesso fazia minha cabeça começar a doer depois de algumas horas. Eu estava tão agitada que nem notei quando a enfermeira se aproximou e chamou meu nome. Me virei, um pouco assustada.

— Olá, Marcela, certo? — A enfermeira era jovem, provavelmente era recém formada. — Eu trouxe boas notícias, mas preciso que se acalme, eu, algumas enfermeiras e os médicos conversamos, mas antes de termos essa conversa eu preciso que você tome isso, é água com açúcar, para você se acalmar. — Ela me estendeu o copo e indicou a cadeira para me sentar, eu ri pegando o copo.

— Eu dividi quarto com uma estudante de farmácia, eu sei que isso aqui é só um placebo… — Sorri, bebendo. — Mas mesmo sabendo disso, funciona. A mente humana é uma loucura. — Continuei bebendo, a moça da recepção ainda me olhava, provavelmente ela falou com alguma enfermeira sobre eu estar quase tendo um colapso nervoso naquela sala. — Obrigada, pode falar.

— O médico preferiu drenar o sangue do pulmão primeiro, para fazer os exames e localizar o projétil, ela deu sorte, na verdade, porque como a bala ficou alojada e ela desmaiou, isso diminuiu a frequência cardíaca e fez ela não desesperar e tudo mais, o que fez a bala ficar paradinha lá dentro… — Ela fez um gesto com a mão. Franzi o cenho com um sorriso, eu sentia que ela estava explicando as coisas para mim como se explicasse para uma criança. — Isso serviu como um tampão, impediu que o sangue entrasse, ou saísse. O pulmão encheu bem pouco com sangue, o que foi ótimo, isso significa que ela está até que estável agora, passou tudo bem nos exames e o médico está pronto para cirurgia, as chances de ser um sucesso são enormes. Ai precisamos da autorização. — Ela respirou fundo. — Mas tem que ser dos pais. Eles estão vindo?

— Na verdade ela não tem muito contato com o pai, a mãe mora em São Paulo e eu só quero ligar depois de ter notícias concretas, o pai dela demoraria 40 minutos para chegar aqui. — Expliquei, torcendo para que ela deixasse eu dar a autorização.

— Nesse caso, você pode assinar como responsável. — Ela sorriu.

— Eu posso fazer isso daqui uns cinco minutos? Eu vou ligar para a mãe dela e contar tudo.

— Tudo bem. — Ela sorriu, parecia, talvez, nervosa como eu. — Se continuar se sentindo agitada e ansiosa, fala com a recepcionista, diz que quer chegar sua pressão, a gente faz uns exames rápidos e se preciso te prescreve um calmante, acho que vai passar a noite aqui.

— É, eu vou…. Obrigada, é muito gentil da sua parte. — Sorri, vendo ela se retirar da sala. Me levantei ainda nervosa.

Saber que Gizelly estava bem já era um alívio, parecia que uma pressão de mil toneladas havia soltado do meu peito. Peguei meu celular, discando o número da Tia Márcia e ensaiando como daria a notícia. Na minha cabeça, o menor dos problemas era o garoto que invadiu meu apartamento. O que ele estava fazendo lá, exatamente? O porteiro estaria cuidando disso. Coloquei o telefone na orelha, ouvindo a ligação chamar. Comecei a contar, lentamente, esperando a ligação ser atendida. Eu já estava no doze quando ela atendeu:

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