Capítulo 6 - "eu estava aqui o tempo todo só você não viu..."

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O tempo passou. Marcela e Rafa começaram a namorar 6 meses depois, e eu fiquei algumas vezes com o Caio. Ele era um fofo, em todos os aspectos, atencioso, carinhoso, sempre me trazia chocolates, era um ano mais velho, mas minha mãe deixou a gente namorar. Sim, meu primeiro namorado foi Caio, e terminamos porque a gente confundiu as coisas e adivinha: Ele tinha um crush na Rafaela. Sim, a namorada da Marcela. Rafaela e Marcela passavam bastante tempo junto, mas eu nunca tinha visto elas juntas. Vi uma foto ou duas delas dando um selinho, mas acho que era uma característica da Marcela: ela não deixava o namoro dela tão público. Quando terminei com Caio, continuamos amigos, ele adorava ir no condomínio jogar bola com Enzo e Gui. Eu já tinha meus quatorze anos, namorei com Caio por uns 5 meses. Estávamos todos lá em casa, íamos fazer uma tarde de ver filmes. Bem, todos exceto Marcela. Mas quando ela chegou, preferia que não tivesse vindo. Ela entrou pela porta, logo atrás dela a Rafa, segurando o dedinho dela.
— Oi, Gi. — Ela sorriu para mim.
— Oi, Marcela. — Respondi, fechando a porta. Guilherme abafou a risada. Encarei ele, no sofá, ele estava assim fazia um tempo. Depois que superou o crush na Marcela, às vezes tinha crise de risos quando eu e ela conversamos. Eu tinha que perguntar sobre isso para ele depois.
— Oi. — Rafa sorriu pra mim. Forcei um sorriso de volta.
— Oi, meninos. — Marcela cumprimentou eles com um soquinho na mão. — Oi, meninas. — Fez o mesmo com Mari, Manu e Bia.
— Então essa é a tão falando Rafaela? — Bia brincou, elas só tinham se visto no jogo, quase um ano atrás.
— Sim, Rafaela, a própria. — Marcela sorriu. Revirei os olhos. Guilherme, novamente, deu risada.
— Do que tu tanto ri, Gui? — Perguntei, levemente irritada.
— Depois de conto, Gigi. — Ele falou, se acomodando no sofá, divertido.
— Vish, eu acho que sei o que é. — Enzo riu do lado dele e os dois brindaram o copo de refrigerante num acordo silencioso.
— É sobre a Gi gostar d.... — Paulinho começou.
— Shiiiiu.... — Caio colocou o dedo nos lábios de Paulinho, que corou. Franzi o cenho. Havia muitas perguntas a serem feitas por ali.
Perguntas que não foram respondidas naquela tarde, nem naquela semana, perguntas que eu só fui saber quais eram as possíveis respostas no meu aniversário de dezoito anos. As vezes eu me peguei me perguntando se eu ter tudo essas respostas ainda com 14 anos mudaria algo. Talvez, eu não a teria mandado embora aquele dia, não teria duvidado dela, não teria sido tão insegura. Talvez a gente nunca tivesse tido aquela briga, e talvez ela tivesse ido a minha festa de dezoito anos, e eu tivesse me casado com a pessoa certa. Não que meu marido seja a pessoa errada, mas parando para pensar, nos casamos por comodismo, por não acreditar que acharíamos alguém para nos conquistar. Foi aquelas promessas idiotas de melhores amigos: Se até tal idade ainda estivermos solteiros, a gente casa. O motivo da promessa, por outro lado, foi bom: Um dia Marcela me contou sobre uma pesquisa que leu, que dizia que 80% das pessoas que já passaram dos dezesseis anos já conhecem as pessoas com que vão se casar. Eu e meu marido não tínhamos nada especial para não fazer parte desses 80%.
Esse dia, onde eu tinha quatorze anos e Marcela ainda namorava, eu e ela tivemos nossa primeira briga. Mas a que destruiu tudo e que definiu o ponto atual da história, foi três anos depois. Talvez (e eu já refiz a cena da briga mil vezes na minha cabeça por um ano inteiro) se eu tivesse pelo menos a escutado, eu não estaria chorando no banheiro agora. Eu afirmar que meu Kairós começou quando demos o primeiro beijo foi porque, agora, com meus atuais 24 anos, a nostalgia está tão grande no meu peito e as coisas estão tão incertas que parece uma grande piada. Eu não achei que a droga dessa música fosse tão longa, ou talvez, meus flashbacks são tão rápidos que eu acho que passou uma década e na verdade, foi só mais uma frase. Ou talvez Steven Tyler está fazendo o tempo passar mais devagar para Cryin' ficar ainda mais intensa.
Voltando para aquela tarde, Guilherme decidiu que filme veriamos. Na verdade, tentou decidir. Toda vez que fazíamos a Cine-Tarde na minha casa, uma dupla escolhia os filmes. Guilherme e Enzo, Bia e Manu, Paulinho e Mari, e eu e Marcela. A última vez, eu e ela tínhamos decidido ver Star Wars Episódio IV: Uma Nova Esperança, sim, de 1977. Apesar de sabermos que na ordem cronológica deveríamos começar com o de 1999, Marcela decidiu que deveríamos ver na ordem que saiu, porque Star Wars era apaixonante, não importando os gráficos ou efeitos especiais. Mas ninguém aceitou ver um filme tão ultrapassado. Então, quando Gui decidiu que veriamos A Hora do Pesadelo, de 1984, Marcela foi a primeira a se pronunciar:
— Não. — Ela disse, cruzando os braços. Rafa estava sentada ao lado dela, revirei os olhos.
— Porque "não"? — Ele molhou os lábios, segurei um sorriso, eu sabia o que ele faria agora, lá vinha Guilherme Sabe-Tudo Gui. — É um clássico dos filmes de terror, de mil novecen...
— Mil novecentos e oitenta e quatro. — Marcela o interrompeu. Ela nunca interrompia alguém. — Adivinha? Sete anos depois de Uma Nova Esperança, que, convenhamos, se encaixa bem mais no termo clássico.
— A Hora do Pesadelo revolucionou os filmes de terror adolescente.
— Star Wars é um exemplo, revolucionou os efeitos e na trilha sonora, sem falar que quem trabalhou na sonoplastia do filme é renomado até hoje.
— Freddy Krueger é o assassino mais criativo da história do cinema. — Ele inflou o peito, molhando os lábios. — Wes Craven revolucionou em ter uma protagonista feminina forte, e um tanto sombria. Nancy é um ícone.
— Nós temos a Leia que é líder da resistência contra o império e ainda é princesa de um planeta.
— Mas a Heather Langenkamp arrasou na atuação, tem até um documentário sobre ela ser Nancy.
— Mas ela sempre foi esquecida, ela fala isso no documentário, afinal, nem bonecos sobre ela existia e Freddy Krueger era aclamado, tanto que no segundo filme da franquia chutaram ela para por um herói masculino. — Ela cruzou os braços. Abafei o riso. Guilherme estava começando a faculdade de cinema, mas Marcela sempre se antenou bem nos assuntos para poder debater e conversar com ele, e com os pais. Ela era fascinada por qualquer tipo de manifestação artística, e nisso entrava filmes.
— É um clássico. Retirou a produtora da falência num estalar de dedos.
— Eu já disse que a Leia era General da resistência e Princesa de um planeta, ao mesmo tempo? — Marcela franziu o cenho, séria. Rafa riu e abraçou o braço dela. Revirei os olhos, de novo. — Sem falar que Star Wars: Uma Nova Esperança lucrou trinta vezes mais que seu filminho de terror.
— Mentira. — Guilherme cruzou os braços.
— Joga no google. — Marcela respondeu, esperando ele fazer. Gui pegou o celular, com a cara amarrada e jogou a questão no google. Bufou e jogou o celular no sofá.
— Vamos ver... — Marcela pegou, com aquele sorrisinho sem mostrar os dentes no rosto. — Meu Star Wars conseguiu 775,4 milhões de dólares na bilheteria de Uma Nova Esperança.... Agora vamos ver o filme do pedófilo que invade sonhos... Opa, olha só, 25,5 milhões. Agora a gente vai na calculadora... — Ela continuava sorrindo. — Divide o 775,4 por 25,5 e teremos.... 30,4, aproximadamente, que como eu disse, dá trinta vezes mais. — Ela devolveu o celular para Guilherme.
— Você não pode saber tudo isso sobre cinema. — Ele murmurou.
— Na verdade, sei só sobre esses filmes. Eu sabia que você ia escolher esse, então eu só montei meu discurso. — Ela deu de ombros. — Como vocês não quiseram ver o antigo, mas o de 1999, vamos ver A Hora do Pesadelo de 2010.
— Como sabia o filme que eu ia escolher?
— Você é previsível, Guilherme. — Ela deu de ombros. Ele abriu a boca, mas ela riu e disse: — "O que você quis dizer com isso?" — Imitou, ele revirou os olhos.
Então, nos sentamos para ver o filme. Normalmente, eu sento ao lado da Marcela, no canto do sofá, só perdidinho dela. Mas, bem, Rafa estava sentada ali agora. Me juntei a Caio e Paulinho no tapete. Ambos sorriram para mim e meu peito aqueceu de forma estranha. Algo em mim sempre fazia eu querer reparar e me aproximar dos meninos de maneira romântica, mas essa parte era racional. A parte racional, também, dizia que Marcela era apenas minha melhor amiga e que era loucura, eu estava confundindo as coisas ao olhar pra ela e... querer ser a garota que está sentada ao seu lado, abraçadinha.
De toda forma, era estranho pensar que eu me envolveria com uma menina da mesma forma que me envolvi com o Caio. Tudo bem, Brenda e Luizinha (sim, minhas bonecas) estavam casadas lindamentes e tinha uma casa em frente ao mar, mas essa era a única referência de relacionamentos entre garotas que eu tinha. E a Marcela abraçada a namorada dela, mas essa referência lésbica me fazia revirar os olhos. Tudo bem que eu já tinha jogado a frase "Meninas se beijando" no google e todos os resultados me pareciam estranhos, porque acho que nenhuma delas queria mesmo estar ali e os outros sites tinham nomes bizarros e vários x e, bem, demorou para eu entender que sites eram aqueles (essa história fica pra outra hora).
O filme seguiu, e não pode negar que estava com medo, eu não costumava ver filmes de terror (não vejo até hoje, e meu marido também não gosta). As cenas de suspense e músicas que davam medo começaram, eu e Paulinho já estávamos praticamente enfiados um no braço do outro de tanto medo. Olhei para Marcela, no sofá, rindo com rafa escondida na curva do braço dela. Continuei observando, de cantinho de olho. Rafaela se aconchegou nos braços de Marcela, que a olhou de um jeito carinhoso e grudou os lábios nos dela. Achei que, como o selinho que demos aquele dia, elas já iam se soltar. Mas não aconteceu.
Rafa segurou o rosto dela, com a mão leve, e elas deram um beijo calmo, lento, tranquilo. Não dá para explicar a dor que eu senti, mas foi como se meu coração caísse do meu peito e se estilhasasse no chão, como um cristal delicado. E realmente era, meu lábio inferior tremeu, e eu sabia que estava prestes a chorar. Me levantei, rapidamente, sentindo meus olhos encherem d'água e subi as escadas. Não dei respostas, mas ouvi as perguntas. Corri para meu quarto, fechei a porta e me joguei na cama, chorando contra o travesseiro sem nem entender porque doia tanto. Queria voltar no tempo, pra esse exato momento e me abraçar forte. Dizer pra mim que aquilo que estava sentindo era normal, e tinha nome, e era Coração Partido. E aquela era apenas a primeira vez que eu ia sentir isso, e apesar de doer como se não desse pra respirar, a próxima vez iria ser ainda pior.
A porta do meu quarto, então, abriu. E antes de notar sua voz, ou seu olhar, a primeira coisa que eu senti foi o perfume. O que nunca mudou, e o que eu tinha a sensação de sentir aqui, dentro desse pequeno banheiro branco. O perfume de Marcela invadiu meu quarto e eu consegui detecta-lo e identificá-lo só com uma narina. Ela se aproximou, e senti o peso dela na cama. Ela se sentou.
— Gi? — Chamou.
— Eu não quero falar com você... — Resmunguei.
— Okay, não precisa falar comigo, só... vem cá. — Ela chamou, com uma voz mansa.
— Eu não quero, eu tô brava com você. — Reclamei, me sentando na cama e cruzando os braços. O que caralhos (desculpa mãe) estava acontecendo comigo?
— Porque tá brava comigo?
— Eu não sei!
— E como eu vou resolver isso?
— Eu não sei!
— Tem alguma coisa que você sabe?
— Eu sei que eu não gosto de você.
— O que? — Ela perguntou, a encarei. Marcela fez uma feição confusa.
— Eu não gosto de você.
— Pensei que eu fosse sua melhor amiga.
— Você era.
— Porque era? — Ela parecia... triste?
— Porque você faz eu sentir coisas que eu não quero sentir. — Suspirei. O que veio a seguir foi tão rápido que Eminem sentiria inveja: — Você faz eu me sentir confusa, e estranha comigo mesma, é como se eu nunca fosse suficiente porque uma hora eu sou tudo pra você e na outra, de repente, é a Rafa. E eu fico me perguntando se é porque ela canta, ou se é porque ela toca ukulele, ou se é porque ela usa um perfume mais doce, ou se é porque o cabelo dela não é estranho como o meu, ou se é porque ela tem o corpo mais bonito que o meu porque o Guilherme disse que...
— Gi, chega. — Ela falou. Me olhando. Me encarou por longos segundos, como se processa tudo que eu disse naqueles três segundos onde os olhos dela estiveram fixos aos meus. Ela abriu a boca para falar, mas de tudo que ela poderia ter tido ou me contado, ela resumiu em: — Tá complexada com seu corpo desde quando?
— Desde que ouvi Guilherme falar que garotas com peito pequeno não são tão bonitas. — Menti. Foi antes disso, mas ela não precisa saber. Esperei ela continuar, talvez, então, fosse me contar alguma coisa. Me dar uma luz.
— E desde quando você dá atenção pelo que sai da boca dele? — Ela revirou os olhos. — Olha, você é linda, é a minha melhor amiga, eu amo o seu perfume e o seu cabelo meio cacheado e meio liso, eu amo o jeito que você canta e porque você... — Ela se interrompeu. Respirou fundo. — Sua amizade é o que mais importa para mim. — Ela molhou os lábios. Tive a sensação de que quis dizer mais sobre tudo aquilo, mas não disse. — Dá próxima vez que algo fizer você dúvidas disso, fala comigo, por favor. — Ela se levantou e.... saiu. Marcela simplesmente saiu pela porta.
Saiu como não tinha nada para deixar, ou levar. Só... saiu. Como se eu não estivesse ali. Como se eu não tivesse coisas para falar. Antes de eu assimilar tudo, ouvi a porta da frente abrindo. Ela foi embora. Ela realmente foi embora. Eu não sabia se ela era louca por fazer isso ou eu era louca por ter surtado. Marcela partiu aquele dia sem me dar explicações, o que é um hábito bastante irritante dela, e eu queria poder dizer que essa foi a única vez que eu a vi fazer isso, ir embora assim. Mas, bem, a outra foi culpa minha. E tem tantos pontos nessa história que eu queria poder viver de novo para entender exatamente tudo que aconteceu porque, era mais que óbvio, ela era mesmo apaixonada por mim. Eu só fui saber o que aconteceu nesse dia três anos mais tarde. As coisas entre eu e ela sempre precisaram de tempo para acontecer e fazer sentido. Todo o jogo de palavras, de dúvidas, de coisas que ela quis dizer pra mim naqueles três segundo foram ditos três anos depois. Mas na hora eu não liguei aquilo a isso, eu estava tão brava por um motivo tão bobo. Queria ter me lembrado do pouco que ela disse, o que ficou nas linhas da frase que ela interrompeu, de que indiretamente ela quis dizer que eu era a coisa que mais importava para ela. Ela quis dizer. Ela quase disse. Mas eu não lembrei disso e hoje eu sei que faz toda a falta.
Tudo que Marcela não quis dizer esse dia eram respostas que eu queria ter tido, mas talvez eu não devesse tê-las aquele dia. Talvez só piorasse tudo saber o que se passava na cabeça dela aquela hora, mas, como disse, três anos depois foi o meu grande erro. Ela sempre foi aquele quebra cabeça de 5 mil peças que ela quis me ajudar a montar quando eu tinha dez anos, ela sempre foi tão complexa quanto aquele cubo mágico que ela consegue montar em poucos segundos. Ela sempre foi essa complexidade e hoje, vendo tudo com maturidade e com muita analise, consigo notar que sim, Marcela Mc Gowan era apaixonada por mim.
Eu só queria ter conseguido acreditar nisso antes.

Notas Finais

A História não é minha, é uma adaptação, a original é escrita por @xthezahir.

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