Capítulo 10 - "'cause I worry about you the whole night, dont repeat my"

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Eu ainda lembro da primeira festa que eu fiquei louca. Lembro do motivo, do que eu fiz e das consequências disso. Eu não sei por onde eu começo a contar esse dia. Marcela já estava na faculdade, primeiro ano dela. Eu, Paulinho e Mari éramos os únicos do grupo que ainda não tinham terminado o ensino médio. Mal nos víamos, eles estavam tão focados nos estudos e trabalhos e em malditas festas de universitários. Eu ficava triste por Marcela só responder minhas mensagens a noite, e nunca poder ir lá em casa, e eu ver fotos dela em uma ou duas festas. Bufei irritada na aula ao pensar nisso. O professor falava sobre física, eletrostática, eu acho. Eu não estava num bom dia pra isso. A semana inteira era ruim, acho que talvez o mês, o ano… Eu não dormia direito e me sentia cansada o tempo todo, meu fone tocava Tédio, do Biquini Cavadão. Estava tão desanimada com tudo. Peguei meu celular.
:::Whatsapp:::
“clube dos cinco porém com nove”
Você [8:32]:
estou em aula n faz nem 2h e ja n aguento mais
Palindo [8:33]:
vc n estava aguentando desde q chegou aq
guizito [8:35]:
eu queria era ver vcs aq
guizito [8:35]:
na moral a única coisa que me motiva a continuar nessa aula eh minha festa hoje a noite
Rafa [8:37]:
tá tudo ok pra hj entao?
guizito [8:38]:
claro
Enzo [8:40]:
eu qro cachaçaaaaaa
Bia a [8:41]:
já comprei tudinho meninossss ta no esquema ja
Você [8:42]:
vai ter festa hj? posso ir??
guizito [8:43]:
por mim tá mais que convidada!
Bia a [8:44]:
se tia Marcia concordar eu te dou carona, baby g
Você [8:42]:
vou pedir simm
Você [8:42]:
ai queria um chocolate agora
Palindo [8:43]:
vc ta falando isso desde segunda feira
::::::
Era verdade, já era sexta feira e desde segunda eu estava querendo chocolate. Olhei a hora, 8:45. Desculpa, eletrostática, mas eu vou tirar um cochilo. Me deitei na carteira e fechei os olhos, dormindo segundos depois. Tive um sonho estranho, não me lembrava direito dele, mas acordei com Paulinho batendo no meu ombro.
— Que foi, inferno? — resmunguei, estralando a língua.
— O monitor tá te chamando….. — Ele sussurrou. Ergui a cabeça com tudo, vendo as pessoas me olhando e, na porta, o monitor.
— Gizelly Bicalho? — Ele chamou. Porra (desculpa mãe), fui pega dormindo na aula. Concordei com a cabeça. — Vem comigo. — Chamou. Droga, Gizelly, pega no flagra. Me levantei e sai da sala. Me virei para ele já falando:
— Desculpa por dormir na aula, eu não estou tendo uma semana boa e… — Não era mentira, mas quando olhei para ele, ele tinha um sorrisinho no rosto, espera, que cheiro é esse? — Que foi?
— Te chamei porque alguém veio aqui procurando por você. — Ele falou.
— Quem?
— Atrás de você. — Ele falou. Me virei, lentamente, mas eu já havia reconhecido o perfume.
Vestida com jaqueta de couro e blusa de banda, estava ela. O cabelo bagunçado, curto, na altura dos ombros. Ela sorrindo e me puxou para um abraço. Tinha algo de diferente nesse abraço, ela me segurava apenas com um braço.
— Ei, o que está segurando ai? — Perguntei, tentando olhar atrás dela.
— É surpresa, Bicalho, calma! — Marcela falou, com aquele sorriso. O monitor saiu do corredor. — Lembra o que disse no grupo mais cedo?
— Não, porque eu estava dormindo na aula e não lembro direito nem em que universo estou agora. — Falei, balançando o corpo animada.
— Costuma visitar outros universos, Gigi?
— Você não sabe de metade das coisas que eu faço, Sereia. — brinquei. — Sou uma policial interuniversal.
— Ai meu Deus. — ela arregalou os olhos. — Eu cometi algum crime interuniversal?
— Uhum. — Molhei os lábios. — Eu sei o que fez no verão passado. — Cruzei os braços, entrando na brincadeira.
— O que eu fiz de tão ruim no verão passado, te roubei um beijo? — Ela sorriu. Xeque-mate. Era óbvio que usávamos a frase para uma referência norte-americana para os meses de junho, julho e agosto. E, bingo, ano passado, nesse período, estávamos no sítio dos Mc Gowan. Eu tinha inúmeras histórias sobre aquelas férias.
— Eu não vejo nada de ruim nisso… — Murmurei. — Me mostra logo o que tem atrás de você!
— Bem, alguém…. — Ela começou. — Reclamou mais cedo sobre o dia estar chato, porque não aguentava mais aula, e…. disse que queria chocolate. E eu pensei “ah, eu estou saindo da faculdade agora, eu posso passar no mercado e comprar doces para ela mas… qual será que ela vai querer?” — Marcela me estendeu a sacola que tinha dezenas de chocolate. — Eu não sabia qual queria então peguei um de cada, tem diamante negro, kit-kat, bis, twix, snikers…
— Você pegou a prateleira inteira de chocolate e jogou aqui? — Eu perguntei rindo e revirando a sacola. Ela realmente havia pegado um de cada.
— Acho que sim. — Marcela sorriu, sem graça. Puxei ela para outro abraço.
— O que seria de mim sem você? — Perguntei e ela abafou a risada. — Ei, porque tá rindo?
— Nada, esquece… — Marcela continuou rindo.
— Me fala! — Insisti.
— Repete o que disse. — Ela pediu, cruzando os braços.
— “O que seria de mim sem você”? — Repeti.
— Hétero? — Ela falou segurando a risada e eu molhei os lábios e revirei os olhos. Bingo, de novo.
— Eu sou extremamente hétero, okay? — Falei, balançando os ombros.
— Se está dizendo… — Ela ergueu os braços, em rendição.
— Eu não tô nem um pouco afim de voltar para a aula, acho que podemos ir para a sala de música devorar esses docinhos… Mas vai ter que escondê-los na sua mochila até chegarmos lá. — Mc Gowan concordou com a cabeça.
Começamos a andar para a sala de música, mas precisei ir ao banheiro antes. Ela me esperou, e quando saí da cabine, ela mexia no cabelo na frente do espelho. Ela havia tirado a jaqueta e amarrado na cintura, as mangas da camiseta estavam dobradas para virar uma regata. Aerosmith, como sempre. Fazia dez anos desde que a conheci e essa entrava para a lista de coisas que nunca mudou. Marcela agora era alta, os olhos não eram mais tão claros e o rosto ganhou traços firmes que deixavam ela com um maxilar que me fazia derreter só de pensar em como eles ficavam quando ela fechava a cara. Queria ter fotografado ela naquele momento, tão distraída.
— Vai ficar me encarando? — Ela perguntou, sorrindo. Me aproximei, indo lavar a mão e revirando os olhos. Decidi ignorá-la.  O que veio a seguir foi puro impulso. É, eu sou impulsiva, eu estava com saudade, ela estava com saudade. Éramos adolescentes e nosso corpo não tem controle. Ela estava me olhando.
— Vai ficar me encarando? — Repeti, tentando imitar o timbre dela. Ela se aproximou e encostou a cabeça na minha, rindo baixo e o ar quente pegando na minha orelha. Meu corpo arrepiou. Eu com certeza não devia ter dormido ano passado na constrangedora palestra do “não é loucura, são os hormônios” que fazem todo ano com a turma do primeiro ano.
— Tá tudo bem? — Ela perguntou, rouco e tão, tão sussurrado perto da minha orelha que eu só me virei, encostando minha testa na dela e passando minhas mãos no seu pescoço. Maldito coturno punk, a fez ficar ainda mais alta.
— Me beija logo. — Pedi, no mesmo tom, mas um pouco impaciente. Ela abraçou minha cintura, me erguendo e me colocando sentada na pia de pedra do banheiro.
Me beijou como quem precisasse disso para viver. Mãos na minha cintura, lábios no meus, a vontade de sempre. Suspirei, acho que talvez foi saudade, com a adrenalina disso ser teoricamente contra as regras da minha escola mas, porra, ela beijava tão bem. Eu queria que me beijasse mais, queria que me apertasse mais, eu queria sentir ela, nesses meus dezesseis anos eu já sabia o que estava acontecendo comigo, e com a minha calcinha. Puxei a nuca dela, arranhando sua nuca.
— Gizelly? — Disse uma voz. Empurrei Marcela com tudo e olhei para a porta do banheiro. Mari. Era Mari Gonzalez. — Uau. — Ela disse olhando para a Marcela e depois para mim.
— Não é o que você tá pensando. — Respondi, sem pensar.
— Eu penso que estavam se beijando, porque eu vi isso. — Ela falou, rindo. — Meu Deus, a Bia tava certa.
— A Bia sabe? — Meu coração falhou a batida.
— Tem alguém que ainda não sabe? — Minha boca secou. Como assim todo mundo sabe? E se chegar no meu pai? Meu Deus, não pode estar acontecendo. — Gi, você sabe que tudo bem você e a Marcela estarem ficando, né? Tipo, vocês são uma graça juntas, eu realmente apoio se isso for o que fazer vocês felizes. — Meus olhos focaram no olhar felino de Marcela, que estava caída no chão.
Não tinha problema nós estarmos ficando. Não tinha.
Mas eu não conseguia acreditar nisso.
xxx
A noite, eu fui a tal festa, e hoje, sentada chorando no banheiro, eu admito que queria não ter ido. Okay, eu me arrependi de ir na manhã seguinte, mas hoje eu realmente não queria ter ido. Sem dúvidas. Mesmo com o que aconteceu depois, eu não queria ter ido. As 19:30h, Bia passou lá em casa me buscar. Eu usava meus all star de sempre, jeans de cintura alta e uma camiseta listradinha. No carro, estávamos só nós.
— Tem certeza que quer ir? — Ela perguntou, quando saímos do condomínio. — Tipo, não é uma festa pra sua ideia, sabe? A diversão real é beber e beijar pessoas que você não conhece e nem vai conhecer, e você não pode beber, então… Acho meio que não vai ser divertido.
— Não, tudo bem. — Sorri. — Acho que eu só quero passar mais tempo com vocês, ou… Sei lá, me distrair um pouco de só escola, escola, escola…
— Ah, tudo bem, então. — Bia sorriu. — Então acho que preciso te contar uma coisa, para que você não se assuste lá…
— Por favor não me diga que você vai começar aquela história de “quando duas pessoas se gostam muito elas…” porque eu sinceramente não quero ter esse diálogo tô fugindo disso com minha mãe já vai fazer três meses. — Falei tudo muito rápido, com medo do que podia vir.
— O que? — Bia riu alto. — Eu não vou te explicar sobre sexo, a não ser que você queira… — Ela me encarou estranho.
— Ah, não, por favor, eu não estou nem um pouco interessada nessa coisa.
— Certeza mesmo?? — Ela molhou os lábios. Eu sabia o que ela iria falar.
— Não! — Falei, tentando a impedir de continuar.
— Porque se eu bem me lembro… — Bia continuou, rindo. — Alguém, não citarei nomes, mas alguém, costuma olhar atenciosamente...
— Bia cala a boca! — Comecei a bater na perna dela.
— … uma pessoa, e quando essa pessoa estava no último jogo…
— BIA!
— … Quase que pulou da arquibancada para olhar ela melhor. — Escondi o rosto com as mãos. Céus, Mari estava certa: ela sabia da Marcela. Droga, e se isso sair do meu controle? Quantas pessoas sabem? Quantas desconfiam? Quantas já sussurram sobre isso quando me viu? — … Gi? Tá me ouvindo?
— Ahn? — Respondi, perdida. Mal ouvi o que ela disse.
— Eu disse que não tem problema.
— O que não tem problema?
— Você e a Marcela.
— O que tem a gente? — Minha boca secou. — Muita gente sabe disso? Eu nem sei se temos algo a gente só ficou algumas vezes e…
— Ninguém sabe, mas é que eu conheço você a muito tempo. — Ela sorriu, tranquilizadora, mas então tomou uma expressão divertida. — Espera, você e a Marcela ficaram?
— A gente se beijou algumas vezes, mas… Não é como se tivéssemos algo. A Mari viu a gente se beijando hoje mais cedo na escola…
— Vocês estavam se beijando na escola?? — Bia virou, chocada.
— Olha pra frente! — Pedi, apavorada. Ela estava dirigindo, não podia fazer isso. Ia nos matar. — Mas sim, ficamos. Ela foi me levar chocolate.
— MEU DEUS GIZELLY. — Ela aproveitou o sinal vermelho pra soltar o volante e surtar. — Vocês se beijaram e não me contaram???
— A gente não fala disso. — Cruzei os braços. Será que Marcela contava para alguém sobre nós?
— Mas meu Deus, Gi, vocês já…?
— NÃO BIA PELO AMOR DE DEUS EU NÃO QUERO FALAR DISSO — Gritei, envergonhada. — Tudo que eu não quero é minha melhor amiga me explicando sobre sexo.
— Espera. — Ela pegou o celular e abriu uma conversa. — Pode repetir isso?
— Isso o que?
— Que eu sou sua melhor amiga? — Ela sorriu, divertida. — Quero esfregar isso na cara da Mari.
— Vocês duas são minhas melhores amigas.
— Gi, amiga, você não pode ter duas melhores amigas. — Ela segurou minha perna.
— Claro que posso. — Dei um tapinha na perna dela. — Assim tenho duas opiniões que confio para qualquer coisa. Acho, na verdade, extremamente saudável e…
— Nem continua. — Ela pediu silêncio mexendo a mão na minha frente. — Tá falando igual ela.
— Ela quem?
— Ela, ué, Marcela Mc gowan. — Bia molhou os lábios. — “Acho, na verdade, extremamente saudável…” — Ela imitou, num tom profissional, com direito a mexer a mão de maneira dramática.
— Ai, Bia, você me estressa, sabia? — Bufei, cruzando os braços.
— Enfim, o que eu iria dizer é, já que vai nessa festa tem uma coisa que eu queria que soubesse… — Bia respirou fundo e apertou o volante com certo nervosismo.
— Você usa droga. — Falei, achando que tinha acertado.
— O que? Não! — Ela riu, se acalmando um pouco. — Que ideia de doido, Gizelly, eu ia dizer que eu… — Respirou fundo, de novo, e falou: — Eu sou bissexual.
— vOCÊ O QUE
— Eu sou bissexual, Gizelly, qual a surpresa, você também é! — Ela falou, como se não entendesse meu surto. Eu nunca tinha imaginado Bia beijando meninas.
— Eu não sou bissexual! — Falei, aquele rótulo me deixava… estranha.
— Você gostava do Caio, e agora gosta da Marcela… Meu deus você é M-sexual.
— Você quer calar a boca? — Bufei. — E eu não gosto de meninas, okay? A Marcela é a exceção.
— Hm, tá, okay então. — Ela pareceu… irritada?
Continuamos o percurso até a festa sem falar muito. A ideia de ser bissexual me incomodava. Não que eu tivesse algum preconceito, longe disso, apenas… Apenas eu não podia ser. Meu pai, minha família… Nem sei se minha mãe iria apoiar. Eu estava paranóica. Chegando lá, ainda era meio cedo. O casa que Guilherme usou para festa estava com tudo pronto, petiscos, bebidas, caixas de som em todos os cômodos. Mari, Manu, Gui, Enzo, Rafa, Caio, Luna, Carol… Todos estavam passando da cozinha para a sala, arrumando fios e as luzes para a noite. Vindo do piso de cima, surgiu Marcela, com um alicate e furadadeira na mão. Usava um cinto de ferramentas e tinha as mãos sujas de serragem de madeira.
— Gi? — Marcela perguntou, olhando para os meninos. — O que faz aqui?
— Vim pra festa. — Respondi, dando de ombro. A cara dela fechou.
— Okay. — Foi apenas o que ela disse. Não entendi muito bem.
Marcela ficou para festa, e isso me deixou estranha. Eu sabia que ela saia com a galera da faculdade e sai feliz em fotos, mas agora… Não sei, ela parecia desconfortável com música alta e pessoas dançando. A festa era de “boas-vindas”, já que estávamos inaugurando a casa que o Guilherme conseguiu comprar para ele. Ele tinha feito um ótimo esquema acústico, já que a música estava ambiente no começo, sem eco e o som saindo com boa qualidade. Quando aumentou para realmente iniciar a festa, a música manteve a qualidade e se espalhava bem no ambiente. Marcela estava sentada no sofá, bebendo refrigerante e comendo nachos com guacamole. Ela parecia deslocada, o que pra mim não fez sentido, ela gostava de ir em festas, eu acho. Sentei do lado dela.
— Tá tudo bem?
— Uhum. — Ela respondeu, estava mastigando.
— Não parece.
— Não é muito minha praia, sabe? — Marcela falou, depois de engolir. — Isso aqui.
— Pensei que gostava de festas.
— Eu gosto, mas… Não é esse tipo de festas. — Ela me olhou, diferente. — Tá dizendo isso pelas fotos que viu no meu facebook?
— Ahn… Não. — Menti. Ela notou. — Okay, sim, foi.
— Está com ciúme, Gizelly? — Marcela sorriu.
— Não. — Cruzei os braços.
— Olha, se veio aqui pra passar mais tempo comigo, devia ter me avisado, e eu te levava para as festas que eu vou. — Ela me puxou, me abraçando de lado. — Porque são bem diferentes dessa aqui.
— Eu adoraria. — Virei para encarar ela. Estávamos tão perto, queria beija-lá.
— Ih, ô lá! — Gritou algum menino. — As mina vão se beijar mano!
Meu estomago gelou. Todos olharam para nós, e eu senti... Vergonha. Eu me senti realmente mal. Marcela pareceu irritada, e eu nunca a tinha visto realmente irritada. Guilherme se aproximou, acho que ouviu o comentário. Parou em frente ao sofá, logo atrás dele vinha Bia.
— Não tem nada pra ver aqui! — Ele gritou. — Você. — Guilherme apontou pro menino que fez o comentário. — Vai embora daqui. E o próximo que fizer esse tipo de comentário vai pra fora também.
— Parece que nunca viu um beijo na vida. — Bia disse, cruzando os braços e a festa ficando num clima meio tenso. Olhou pra mim e estendeu a mão.
Nisso fomos para a cozinha, peguei um copo e fui servir refrigerante. Bia encheu o próprio copo com uma bebida rosa com cheiro de morango. Eu precisava me distrair, eu me sentia… mal. Mal comigo mesma. Hoje sinto mais raiva do vergonha, porque comentários desse tipo me reviram o estômago. Guilherme era tão meu melhor amigo… É até hoje. Apesar de tantos deslizes que deu e o que aconteceu mais tarde nessa festa, eu acho que não me arrependo. Ele cuida de mim, é tão carinhoso até hoje em dia. Acho que me manter perto dele foi uma das coisas que eu mais agradeço por ter feito. Apesar de que a festa de hoje era ideia dele, e eu esteja chorando no banheiro, eu ainda sou grata a ele por tudo. Olhei Bia, colocando um canudo preto no copo.
— O que está bebendo? — Perguntei.
— Batidinhas de morango. — Ela respondeu.
— Você quer um pouco, Gi? — Guilherme perguntou, se aproximando e pegando uma garrafa de cerveja para ele.
— Tem álcool, Gui, tá doido? — Bia brigou.
— Um copo só, Bia. — Ele disse, pegando um copo vermelho de bebida e olhando pra mim. — Você quer provar?
— Uhum. — Respondi.
— Não acredito nisso. — Bia revirou os olhos e saiu da cozinha. Peguei o copo com canudo e bebi um pouco. A bebida era doce, gelada, mal dava pra sentir o álcool. Guilherme me observou tomar.
— Tá tudo bem, Gi? — Ele perguntou. — Olha, o cara é um babaca, okay? Sabe… Tudo certo você e a Marcela ficaram, sabe? Não tem nada de errado nisso. — Gui sentou ao meu lado. — De verdade, não se sinta mal por isso.
— Como não me sentir mal, Gui? — Bufei, numa tentativa de aliviar o peso. — As pessoas olham, uma vez estávamos no shopping de mãos dadas e todo mundo olhava como se fôssemos duas alienígenas. Eu só queria… Sei lá, ser normal.
— Você é normal, Gi. — Guilherme se aproximou, me abraçando e beijando o topo da minha cabeça. — Você não devia se sentir culpada por amar.
— Mas eu me sinto, Gui! — Larguei o copo na mesa. — Eu me sinto porque eu só queria fazer isso de forma normal e não atrair olhares e… comentários e… sussurros… e… Droga. — Respirei fundo, pegando o copo e virando tudo de uma vez.
— Ei, ei, ei! — Guilherme se assustou. — Vai com calma, garota!
— O que tá pegando? — Enzo entrou na cozinha. — A Gi resolveu beber? Show! Vem, tu tem que experimentar uma caipirinha!
— Enzo, ela só tomou um copo de batidinha, ela não pode beber. — Guilherme falou, já se levantando e impedindo o Enzo de se aproximar de mim. Ele parecia bêbado.
— Deixa de ser careta, Guilherme, que que tem a menina beber uma? — Enzo o empurrou de leve e olhou pra mim. — E ai, Gigi, você quer? Provar uma caipirinha? Faço uma no jeito aqui e agora pra você.
— Okay. — Respondi. Eu tinha que sair do ar um pouco.
— Gi, não faz isso, sério. — Guilherme se aproximou, me olhando de pertinho. — De verdade, não faz isso.
— Deixa de ser careta, Guilherme. — Sorri, dando um soquinho na mão do Enzo, que ria alto.
Eu não lembro quantos copos tomei, ou o que exatamente tomei, mas acho que é difícil achar algo naquela festa que eu não tenha tomado. Vodka, caipirinha, batidinha, cerveja… O mesmo copo para tudo, as bebidas já tinham o mesmo sabor. Minha cabeça não conseguia focar em nada, eu finalmente sentia que estava dormente. Meu peito parecia vazio, a música estava ecoando dentro da minha cabeça e eu mal conseguia pensar. A sensação que eu tinha era de estar me afogando, todos os sons tão pertos mas nada decifrável. O ar começou a faltar na muvuca de gente na sala, resolvi ir para a cozinha. Parei na porta. Marcela estava sentada, segurando uma latinha de cerveja. Ao lado dela, havia uma menina. Os cabelos cacheados um pouco acima do ombro. A garota segurava um copo de bebida como o meu e estava com uma mão no ombro de Marcela. Elas riam e conversavam e eu não conseguia identificar o que falavam. A menina com certeza era mais velha que eu, com mais curvas que eu… Suspirei, pesadamente, mas ela não pareceu notar. Estava tão concentrada na garota.
— Que foi, Gigi? — Guilherme perguntou, vindo perto de mim. Ele passou grande parte da festa me olhando. — Tá se sentindo bem? — Nessa frase eu notei que ele estava preocupado. Eu tinha bebido tanto. Ele observou a cozinha e viu as meninas. — Ah… — O que isso significava? Ele sabia de algo? Elas estavam saindo? Voltei os olhos para elas, agora a garota tinha sentado. Continuavam rindo e conversando baixo. Olhei para Guilherme. — Olha, não fica assim, é só uma menina da faculdade del… — Não o deixei continuar.
Eu surtei nesse momento. Puxei Guilherme pela gola da camiseta de botões dele e juntei nossos lábios, mas ele recuou logo em seguida me olhando estranho e confuso. O empurrei, deixando ele perdido e continuei andando pela festa. Achei Enzo com um copo maior que o meu bebendo algo. Peguei o copo sem nem perguntar o tinha e virei o copo. A bebida queimou, ardeu. Quando olhei pra ele de novo, estava tonta. Quando que a sala começou a girar? Enzo me segurou pela cintura.
— Ei… — Disse ele, se aproximando de mim. — você tá bem? — Ele me puxou pra perto dele, mas algo estava errado. Ele não parecia preocupado. Eu não conseguia distinguir muita coisa. A cena de que talvez Marcela estivesse beijando a garota de antes invadiu minha cabeça. Eu preciso me distrair. — Gi?
Olhei Enzo, os olhos claros refletindo as luzes da festa. Puxei ele colarinho, beijando ele. Diferente de Gui, ele retribuiu na hora, ajeitando o corpo para me pôr contra a parede. A boca dele estava gelada e com gosto de álcool. Ele cheirava cerveja e tinha gosto dela, também. Suas mãos apertavam minha cintura. Espera, eu não quero isso. Tentei empurra-lo, mas ele continuou ali. Ouvi pessoas ao nosso redor gritando e flashes sendo ligados. Eu não queria mais beija-lo, eu não queria o toque dele. Eu estava tonta, meu estômago revirava. Ele não pareceu notar.
— QUE PORRA É ESSA?? — Uma voz gritou e Enzo foi puxado para trás. Marcela estava com o rosto vermelho, o maxilar travado, os punhos cerrados. Os olhos pareciam de um leão atacando. — Você tá louco, Enzo??? Qual a droga do seu problema!??? — Ela o empurrou contra a outra parede. — Você embebedou a Gizelly, seu…. Vous fils de pute! Tu és stupide, putain! Dégoûtant! Vous garçon stupide! — Ela empurrou Enzo, eu jurei que ela iria bater nele. Ele caiu no chão, Marcela se preparou para bater nele, mas Guilherme a segurou por trás.
— Não vale a pena! — Ele gritou. — Você vai se arrepender se bater nele, não vale a pena! — Guilherme soltou Marcela um pouco longe, ainda em alerta. — Eu falo com ele, deixa comigo. — Marcela bufou, ajeitando a blusa e olhando pra mim. Minha alma gelou, o olhar dele estava matando. Eu senti todo o nervosismo dela. Senti vergonha. — A festa acabou, todo mundo, pra fora! AGORA! — Guilherme berrou, balançando os braços para a galera ir embora. O som foi desligado pelo celular dele e ele segurou Enzo e o ergueu. — O que deu em você? — Ele perguntou, Enzo olhou para o chão, envergonhado. Eu entendia ele. Estávamos envergonhados e levariamos broncas dos nossos melhores amigos.
Marcela se aproximou de mim, a cara tão fechada que achei que ela me daria um soco, diferente disso, ela me deu a jaqueta jeans dela. E segurou meu braço, me levando pro lado de fora da casa, enquanto isso Enzo levava o maior puxão de orelha da vida dele. Ai eu senti raiva de Marcela, por simplesmente me olhar feio e me puxar pra fora da casa. Eu odiava quando ela não falava nada. Quando ficava quieta, quando não me contava as coisas. Que ódio dessa garota. Ela me entregou um capacete, sem me olhar direito e subimos na moto dela. Aquela maldita moto Harley Davidson que eu lembro o som até hoje. Aceleramos e começamos ir para a casa. Eu sentia raiva da Marcela. Garota estúpida, mandona e…. E ela teria alguma palavra difícil para adicionar a lista de coisas que não gosto dela. Outra coisa que não gosto nela, menina idiota, com seu francês chique e dialeto complicado. Que ódio de você, Mc Gowan.
Eu não conseguia acreditar que ela estava brava comigo. Afinal, o que eu fiz? Bebi e beijei pessoas, coisa que ela também, provavelmente, fez ou faz. Qual o sentido de estar puta da vida comigo? Ela não me queria bebendo? É isso? Mas também bebeu. Ela não queria me ver beijando alguém? Então porque me deixou sozinha? Simplesmente não fazia sentido. Nada fazia. Chegamos no apartamento onde ela morava para ficar mais perto da faculdade. Mesmo eu estando, muito provavelmente, bêbada, ela ainda tomou um cuidado besta comigo. Eu tenho fobia de elevadores e ela sabia. Começamos a subir os lances de escada, em silêncio. Droga, Marcela, fala alguma coisa. Eu estava surtando e… alcoolizada. E de bêbada soltinha, eu fui pra bêbada paranóica. Eu queria xingar ela por causa de coisa que ela provavelmente nem lembrava mais. Chegamos no apartamento dela. Três andares. Minha cabeça começou a rodar, eu estava tonta, muito tonta. Meu estômago embrulhou e minha pressão pareceu cair de uma vez, Marcela me segurou. Eu perdi a consciência por alguns instantes, quando abri novamente, água fria caia na minha cabeça. Mãos seguravam meu ombro, eu sentia frio, muito frio, estava embaixo do chuveiro de roupa. Tentei sair de lá.
— Não, não. — Disse a voz séria dela. Claramente ainda estava irritada.
— Eu não sei porque está brava comigo… Porque eu estou pensando em voz alta? Meu deus eu perdi o completo controle da minha vida…
— Você não sabe porque eu estou brava contigo?
— É, afinal, você bebeu.
— É, Gizelly, mas eu não tenho dezesseis anos. — Ela bufou, erguendo meu rosto e fazendo a água cair nele. Com a ajuda de um pseudo-afogamento no chuveiro, minha mente deu uma clareada.
Ela me deixou sozinha no banheiro depois que desligou o chuveiro. Mandou eu tirar a roupa molhada e saiu. Me enrolei na toalha, tremendo. Achei que ela me daria algum remédio, mas ela não fez isso. Me entregou uma fatia de pão e um copo de suco de maracujá. Não disse nada. Ela me irritava tanto ao fazer isso. Me entregou uma muda de roupas, um short bem solto e uma camisetona. Ela não me entregou nenhuma calcinha ou algo além disso. Arrumou a cama no sofá para mim e estendeu minha roupa. Não me disse nada e foi para o quarto. Ouvi ela ligar para alguém, que soube depois ser minha mãe, e avisar que eu estava bem e dormiria na casa dela. Marcela não me deu bronca naquele dia. Não me deu nenhuma punição. Ela sabia o que eu ia sentir no outro dia, e sabia, provavelmente, que a sensação de não saber o que ela pensava fazia qualquer coisa virar castigo para mim. Ela era tão… misteriosa. Tão… quieta. Nunca sei o que se passa por trás dos olhos de felino.
O meu castigo foi a ressaca. “Eu não tenho dezesseis anos” era a única frase dela que eu tinha. Eu havia sido imprudente e irresponsável. Guilherme, Bia, Enzo e Marcela eram maiores de idade. No outro dia, com a cabeça mais clara do álcool, eu me arrependi de beijar os meninos. Eles eram como irmãos para mim. Eles são até hoje. Cerca de uma hora depois de eu acordar, ela me trouxe o café. Pão, suco e um comprimido. Eu já havia passado uma hora com a pior dor de cabeça que eu já tive na vida, então ela me deu um remédio para melhorar isso. Eu aprendi minha lição. Ela não precisou dizer nada, ou fazer nada. Se eu tivesse ido para minha casa, levaria uma bronca, se tivesse ficado na festa, poderia acabar fazendo mais coisas das quais me arrependeria. Droga, Marcela.
Você sempre sabia o que fazer.

Notas Finais

A História não é minha, é uma adaptação, a original é escrita por @xthezahir.

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