A confiança

1.5K 124 176
                                    

Tayla estava no quarto tratando de Alune há horas, e a pressão de ficar sentado diante da mesa da cozinha, observando Leona e Shin conversarem estava deixando Aphelios rabugento.

Sett dissera algo sobre ir tomar banho no riacho, e Aphelios estava cogitando a ideia de segui-lo. Apesar de ter recusado o convite pretensioso do chefe de tomarem banho juntos, parecia melhor do que ficar diante de uma Solari e um velho maluco. 

"Está com uma cara péssima, Aphelios", Leona comentou, desviando os olhos castanhos de Shin.

Aphelios a ignorou, cutucando o braço enquanto olhava fixamente para um ponto aleatório da cozinha.

"Sei que está preocupado, eu também estou", Leona continuou, "Mas se Tayla…".

"Tayla vai falhar", o Lunari murmurou.

"Não vai, eu tenho fé que…".

"Não", Aphelios a interrompeu mais uma vez, "Não é questão de fé. Quem fez isso com ela foi o seu povo, e se você realmente a amasse como diz que a ama, teria a protegido".

Aquilo afetou Leona mais do que deveria, e a noite em que prometera à Alune que a protegeria, não importando o que acontecesse, veio à sua mente. Desviou o olhar, tamborilando as unhas na mesa.

"Eu tentei convencê-la a fugir comigo", Leona soltou, e só aquela frase chamou toda a atenção de Aphelios, "Para irmos para longe, vivermos uma vida normal, juntas".

"Alune nunca aceitaria", Aphelios frisou.

"Sim. Fui tola de propor isso, sei que ela ama você e seu povo demais para abandoná-los. Foi aí que me questionei: quem, além de Alune, é importante para mim? Por quem eu arriscaria minha vida?", ela deu um sorriso fraco, "Eu achava que não teria ninguém, que estaria feliz dedicando-me à Alune, mas eu amo o meu povo e amo os Lunari".

Aphelios torceu o nariz, "Seu conceito de amor é esquisito".

"Só por que eu os amo, não significa que eu concorde com tudo. Eu sempre soube que havia algo errado. Matando inocentes por conhecerem nossa magia, proibindo que nós aprendêssemos sobre o mundo lá fora, controlando tudo sobre quem devemos amar e no que devemos acreditar".

Aphelios lembrou-se que Sett disse-lhe algo parecido, sobre não gostar do método dos Lunari.

"E por isso fugiu?".

"Não quero viver minha vida inteira sob uma ditadura que está em conflito com outra. Traí os Solari e forcei Alune a trair os Lunari", ela riu, "Eu sou terrível".

Aphelios permaneceu em silêncio por alguns segundos, percebendo que velho Shin havia cochilado sobre uma das mãos, e achou a cena levemente engraçada. Levantou-se de súbito, virando as costas para a mulher.

"Para onde vai?", Leona indagou.

"Banho".

Aquele assunto deixava Aphelios incomodado, como se estivesse sendo traído desde o dia em que deu seu primeiro suspiro na vida. 

A bolsa junto com suas roupas e os itens de banho estavam com Sett, então bastava encontrá-lo. Sentia-se sujo, parecia que não banhava-se há semanas. 

Ao deixar o casebre, suspirou diante do sol das 15 horas e retirou o casaco, caminhando até o riacho. De repente parou. Céus, no que ele estava pensando? Era um banho afinal, e o Lunari não estava nem um pouco a fim de encontrar Sett nu.

O barulho da água corrente encheu seus ouvidos enquanto Aphelios encarava o chão, perdido em pensamentos, mas logo ele sacudiu a cabeça. Já tinha um tempo que o chefe havia saído, com certeza já teria terminado seu banho. Assim que avançou, agora mais confiante, Aphelios descobriu que estava completamente enganado.

ImersoOnde histórias criam vida. Descubra agora