AS ÁGUAS VERMELHAS

IRA

Aquela foi mais uma noite de caminhada no escuro depois dos castigos feitos por Robert, em quem depositei confiança e depois a perdi novamente.

Quando chegamos à Carcassonne ainda era noite, por sorte ninguém nos esperava. Já estava exausto e traumatizado o suficiente para ter que contar a história. Fomos para os nossos quartos e nos arrumamos para dormir, dissolvendo o grupo de, agora, menos de vinte pessoas, sendo um número não muito confiável (por experiência própria). Retirei a minha perna de metal quase totalmente suja, tomei um banho e pensei nas últimas palavras de Gus.

"Não é sua culpa."

Gus muitas vezes foi duro comigo, mas com o tempo eu percebi a real razão dele se preocupar tanto com o meu bem-estar: era porque não queria que eu passasse pelo que ele passou, assim como ele mesmo disse várias e várias vezes. Entretanto, eu não quis escutar. Pensei em todo o tempo ele que investiu em mim, tanto em Minerva quanto em Carcassonne. Gus me treinou para que, no futuro, eu pudesse ter a capacidade de defender aqueles que amava, aqueles que não podia perder. Todas as pessoas de quem eu me aproximava morriam, e Gus não foi a exceção.

É incrível como nosso cérebro fica dez vezes mais eficiente quando estamos debaixo do chuveiro, nos dando a chance de pensar no passado, presente e no futuro sem nenhuma interrupção, ao som da água quente batendo nas costas e indo embora para não sei onde depois do ralo.

Ava quase foi morta naquela noite, e isto me deixou ainda mais desgastado da guerra. Depois de finalmente termos um pouco de esperança de que ela finalmente terminaria, percebemos que não foi o que realmente aconteceu. Robert usaria todos os cobradores restantes para finalizar aquilo, pois comigo declarando nossa rendição e a ajuda dos carcerários, de alguma perspectiva saímos vitoriosos daquele acampamento... mesmo depois daquela perturbadora apresentação.

John foi direto para sua cama enquanto eu, retirando minha roupa e colocando uma mais confortável, fui para o dormitório feminino tentar consolar Lívia, que parecia bem pior depois de tudo o que presenciou. Ela esteve presente na morte de Martim e agora de mais três pessoas, e uma dessas três era a responsável por eu ainda estar respirando.

Richard era o nome do bondoso senhor que salvou minha vida. Ele me contou enquanto íamos a galopes para o acampamento depois que John e Robert já haviam partido, nos dando a chance de finalmente nos conhecer. Richard mostrou ser alguém bem-educado e com bastante experiência, não dando sinalizando se viveu antes do apocalipse ter acontecido, o que achava quase impossível de se descobrir, isso porque parece que desde quando o fim do mundo aconteceu, a memória das pessoas de antes pareciam ter sido deletadas. Tudo deu a entender que nunca houve um passado glorioso, apenas comunidades voltando-se umas contra as outras.

Foi um choque de realidade ver três balas atravessando o peito de Richard bem ao meu lado, sendo que era para eu ser a vítima, e não ele. Deitei-me em minha cama e fiquei me torturando por não ter pulado na frente das balas. Estava a poucos centímetros dele, só faltou determinação para ter feito isto.

Foi como se o mundo tivesse parado quando percebi a ironia do universo. Depois de Robert ameaçar matar Ava, ele a trocou pelo idoso, pelo jovem carcassonnense e por Gus. Percebi que, se ele apenas matasse ela, os outros três ainda estariam vivos. Para amenizar o peso na consciência, tentei mudar minha opinião de que Ava era mais importante, pois era muita injustiça minha pensar que foi sorte ela continuar viva enquanto outras três vidas foram tiradas. Porém, era impossível pensar que o outro final fosse menos infeliz. Nunca me perdoaria se perdesse ela porque não aprendia a lição de que não se deve confiar nos inimigos.

Eu sabia que se não colocássemos um ponto final em tudo isso, John e eu acabaríamos causando a morte de todos. Nossa determinação atingiu um limite e, naquela noite, decidimos finalmente por um ponto final em tudo.