Capítulo 5 - Perdedor

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Demorei alguns segundos pra voltar ao normal, enquanto isso, ouvia a mulher atrás de mim abraçando e beijando meu melhor amigo. Quando me virei, já esperando que ela não se parecesse com uma avó de cinquenta e poucos anos, fui ofuscada pelo vestido cor de rosa gritante. Aquilo era rosa demais pra uma pessoa só.

- Ah, você deve ser a filha da Kate! Se parece tanto com a sua mãe. - a mulher se aproximou, colocando a mão em meu rosto.

O elogio me acertou no estômago. Por mais que eu adorasse ficar cada dia mais parecida com a minha mãe, na questão das manias, pensamentos, atitudes, uma parte de mim sabia que fisicamente não podíamos ser parecidas. A foto que tínhamos no corredor da mamãe Jéssica inundou minha mente, me fazendo ficar tonta. Precisei me apoiar no sofá antes que caísse dura no chão.

- Eu sou a Jane. - e me abraçou - Vitória me falou tanto sobre você! Eu acho muito linda a amizade de vocês dois. - ela segurou o neto pelo braço.

Levantei os olhos para Henry, que estava atento a cada movimento meu, os olhos quase arregalados, esperando que eu lhe pedisse ajuda.

- Pensei ter ouvido que eram namorados. - Yuri surgiu, silenciosamente no meio da sala. Ele estampava um sorriso cínico, por de trás do copo pequeno com um líquido transparente.

- É melhor irmos embora, acho que a Maria não está se sentindo bem. - Henry cortou o primo, apoiando meu braço no dele.

- Hum, ela ou você? - ouvi Yuri resmungar.

- Mas você acabou de chegar! Eu tenho que conversar com você, há muito trabalho a ser feito. - a avó de Henry protestou.

Em um movimento lento, Henry olhou de maneira desconfiada para ela. Então voltou a me olhar, se demorando um pouco mais do que o necessário.

- Que tipo de trabalho? - eu ele perguntamos juntos.

- Sua mãe não te contou nada? - a mulher pareceu confusa.

Ele fechou os olhos, comprimindo os lábios.

- Me espera aqui, eu volto em cinco minutos. - ele sussurrou para mim - Vamos conversar em particular. - ele se direcionou à mulher.

Ela, apenas assentindo com a cabeça, apontou a porta no fundo do corredor, e os dois marcharam para lá. Enquanto isso, Yuri sentou no sofá do outro lado da sala, de modo que ficou de frente para mim. Tentei não parecer incomodada, nem indefesa. Tinha que lembrar de respirar algumas vezes, ou de piscar, ou de não ficar olhando para os meus pés...

- Então, melhores amigos? Eu sabia que vocês estavam mentindo. - sua voz grave ecoou pela sala.

- E o que te fez pensar isso? - perguntei, sem paciência.

- Ele é muito pouco pra você. - ele sorveu mais um pouco do líquido transparente, não tirando os olhos de mim.

- Tirou essa conclusão baseado nos cinco minutos em que vocês se conheceram?

- Bom, sim. - ele concordou, sorrindo de novo daquela forma perturbadora.

- E quem seria bom pra mim? Você? - quis parecer irônica, mas quase saiu como uma afirmação desesperada.

Ele não respondeu, apenas ficou me olhando de forma nada educada. O arrepio na nuca se transformou em rubor, precisava sair daquela sala imediatamente.

- Eu vou deixar que você descubra isso sozinha. - foi a última coisa que disse.

Não sabia direito se ele tinha afirmado que estava interessado em mim, ou só estava fazendo isso pra me provocar. Se tinha uma coisa que eu havia aprendido com os meninos, era que eles adoravam uma disputa, e naquele momento, eu me sentia um troféu a ser conquistado.

Balancei a cabeça para afastar aquele pensamento, ele não fazia sentido algum. Henry era meu melhor amigo desde sempre, ele nunca ousaria me usar como troféu para qualquer disputa masculina. Por mais que ele tenha feito isso há uns cinco minutos atrás... eu preferia acreditar que não faria isso a longo prazo.

O silêncio habitou na sala de estar novamente, e os cinco minutos de Henry se transformaram em duas horas. Ao voltar da "pequena reunião", ele se sentou ao meu lado, parecia preocupado. Eu ainda estava um pouco distraída, pensando na afirmação de Yuri, por isso demorei algum tempo para fazer alguma coisa.

- O que aconteceu? - perguntei, enfim.

- A gente vai ficar aqui, tudo bem? - falou, pegando meu celular, provavelmente para avisar mamãe.

- Tudo bem. - concordei, voltando a pensar.

Olhei para frente, Yuri estava com os olhos cravados em mim, sustentando uma imagem séria. Eu não sabia porquê o encarava de volta, seu olhar estava me prendendo, e eu queria decifrá-lo.

- Bom, Duda, o Henry vai precisar ficar comigo resolvendo algumas coisas pela casa. O Yuri vai te fazer companhia o dia inteiro, tudo bem pra você? - a avó dele entrou na sala novamente.

Abri a boca para responder que isso não era necessário, mas a voz desesperada de Henry me interrompeu.

- Não! A Maria fica comigo. - e agarrou minha mão, como se fossem me roubar.

- Querido, isso não é assunto pra... - ela fez uma pausa, procurando a palavra correta.

- Mulher? - Yuri terminou a sentença.

- Ah, jura? Eu não sabia que a senhora era homem. - falei, de forma irônica. Henry comprimiu uma risada.

Era só o que me faltava!

- O que a Maria quis dizer, foi que... -ele tentou se explicar por mim, mas eu o interrompi.

- Que eu sou extremamente capaz de fazer qualquer coisa que Henry tenha que fazer. Eu posso fazer até melhor, se quer saber!

- Eu não estou duvidando da sua capacidade, minha querida. É só que... são assuntos de família.

- Bom, eu sou mais família do Henry do que você jamais foi. - cuspi, irritada. Ela pareceu ter sido atingida por uma espada no peito.

- Tudo bem, meninas, vamos parar de escândalo. - Yuri interveio, se colocando de pé - Henry, pare de ser idiota e deixe ela comigo, eu não mordo. - e então me olhou, com a afirmação "só se você pedir" estampada na testa.

Henry olhou para o primo, exalando ódio e vontade de cortar ele em pedacinhos. Ele queria dizer algo, queria fazer algo, mas não tinha mais desculpas pra usar como argumentos, e sinceramente, ele só não queria dizer um "não" por mim.

- Você vai ficar bem? - ele sussurrou para mim.

- Eu não vou ficar aqui com o seu primo estranho! - quase gritei.

- Ótimo, eu não ia deixar mesmo. - ele sorriu - Ela vai comigo.

A mulher com o vestido cor de rosa gritante, estava relutante ainda sobre me deixar por perto, mas não teve opção, já que o neto parecia determinado.

- Tudo bem, vamos. - finalmente falou, fazendo Henry quase pular de entusiasmo.

Entramos na porta no final do corredor, a que Henry estivera minutos antes. Era um escritório muito grande, cheio de pilhas de papéis extremamente organizados e alinhados. Tinha pena de quem tirava o pó daquele lugar...

- Preciso que você digitalize essa prateleira inteira de papéis, separando elas por pastas referentes aos assuntos. - ela disse, apontando para a prateleira do fundo. Esse era o trabalho de família que eu não podia fazer? Patético! - Se precisar de ajuda, o Yuri pode auxiliar vocês. Quando estiverem com fome, é só chamar. - E saiu, levando o primo esquisito.

Henry, sem proferir nenhum som, pegou a escada da parede, e apoiou na estante, subindo dois degraus para alcançar as última prateleiras.
Colocou a pilha de papéis com uma pasta verde em cima da mesa do escritório, e me entregou algumas folhas.

- Quem terminar por último paga o jantar. - ele me olhou, dando um sorriso brincalhão.

Colocou as mãos na mesa, como se estivesse se preparando para uma maratona. Não pude evitar de sorrir, ele sempre transformava tudo em algo divertido.

- Tá bom, perdedor.

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